Avaliando o Obscurecimento Penumbral

Helio C. Vital

 

Alexandre Amorim fotografou o disco lunar no meio do eclipse penumbral total de 14 de Março de 2006, às 23:47 TU, quando a magnitude instantânea do evento era igual a 1,05 e a Lua situava-se no meio da região penumbral, distando 1,6’ de suas bordas interna e externa. Na imagem, facilmente se distingue o obscurecimento penumbral até cerca de 1/5 do diâmetro do disco, mas até onde poderíamos identificá-lo por meio de uma análise mais rigorosa?

 

Com o intuito de investigar isso, usamos o Adobe Photoshop para fazer uma varredura do brilho da superfície lunar ao longo do diâmetro do disco, iniciando pela região da borda mais obscurecida, delineada na figura seguinte. Com a ferramenta “varinha mágica”, identificamos o brilho (z) de 26 conjuntos de elementos de imagens (pixels), de uma borda à outra, diametralmente oposta, do disco. O nível de tolerância utilizado para identificação dessas regiões de luminosidade semelhantes foi reajustado várias vezes, de forma a incluir um número de pixels suficiente para garantir estatística e resolução adequadas.

 

 

Lembrando que, no caso, a penumbra corresponde a um eclipse parcial do Sol, com magnitude variando de 0 (borda externa da sombra) até 1 (fronteira com a umbra), buscamos então uma correlação entre a luminosidade aparente dessas 26 regiões da superfície lunar e a fração não obscurecida do disco solar, observado de cada uma delas. A magnitude local do eclipse solar foi obtida para a posição central de cada região, determinando-se previamente que o disco lunar abrangia posições de 0,05 a 0,95 da espessura da penumbra. As posições das regiões foram expressas em uma unidade arbitrária, igual ao passo do reticulado mostrado na figura anterior, sendo que 21 dessas unidades correspondiam ao diâmetro da imagem do disco lunar analisada. Dessa forma, a magnitude local do eclipse solar selenocêntrico foi calculada usando-se a relação: mag=0,05+ 0,0429n (0≤n≤21).

 

Em nossa análise, vamos assumir que cada região considerada apresente um brilho diretamente proporcional à fração não obscurecida do disco solar, ou seja, da iluminação incidente.

 

A tabela seguinte mostra, respectivamente: a posição da região (a partir da borda interna da penumbra); o seu brilho ”z”, expresso na escala dada pelo Photoshop; a magnitude local do eclipse solar; a fração não obscurecida do disco correspondente (calculada com um programa escrito pelo autor); o brilho médio de cada região, relativo à área mais escura do disco (z=9); a iluminação incidente sobre cada região, calculada como sendo diretamente proporcional à fração não obscurecida do disco solar e normalizada para o valor desta última na fronteira da umbra (0,024).

 

Parâmetros Obtidos na Varredura da Imagem

da Superfície Lunar Obscurecida pela Penumbra

Posição

z

Mag

Não Obsc

Brilho

Ilum.

0.1

9.0

0.937

0.024

1

1

1.0

18

0.91

0.049

2

2

1.5

25

0.89

0.066

2.8

2.8

2.0

29

0.86

0.093

3.2

3.9

2.5

38

0.84

0.11

4.2

4.6

3.0

44

0.82

0.13

4.9

5.4

3.5

55

0.80

0.16

6.1

6.7

4.0

65

0.78

0.18

7.2

7.5

4.5

75

0.76

0.20

8.3

8.3

5.0

85

0.74

0.22

9.4

9.2

5.5

97

0.71

0.26

10.8

10.8

6.0

97

0.69

0.28

10.8

11.7

7.0

97

0.65

0.33

10.8

13.8

8.0

109

0.61

0.38

12.1

15.8

9.0

115

0.56

0.45

12.8

18.8

10.0

127

0.52

0.50

14.1

20.8

11.0

138

0.48

0.55

15.3

22.9

12.0

141

0.44

0.60

15.7

25.0

14.0

145

0.35

0.71

16.1

29.6

15.0

147

0.31

0.75

16.3

31.3

16.0

150

0.26

0.81

16.7

33.8

17.0

154

0.22

0.85

17.1

35.4

18.0

158

0.18

0.88

17.6

36.7

19.0

165

0.14

0.92

18.3

38.3

20.0

170

0.09

0.96

18.9

40.0

21.0

197

0.05

0.98

21.9

40.8

 

 

O gráfico seguinte ilustra o comportamento do brilho da superfície lunar e da iluminação solar incidente em função da posição radial no disco, medida da borda interna para a externa. Como esperado, observa-se o aumento contínuo do brilho da superfície lunar (ao invés de flutuações meramente aleatórias) ao longo de todo o diâmetro do disco lunar, ocasionado pelo aumento da fração não obscurecida do disco solar, conforme nos aproximamos da borda externa da penumbra. Este achado provavelmente constitui um efeito do obscurecimento penumbral.

 

 

Gráfico comparativo: Luminosidade da Superfície Lunar e

Iluminação Solar Incidente em Função da Posição Radial

sobre o Disco Lunar.

 

 

No entanto, a excelente concordância entre ambas as curvas só é observada ao longo de 1/3 do diâmetro. A partir daí, o aumento do brilho da superfície lunar parece não mais acompanhar o aumento da iluminação solar incidente. Em conseqüência disso, o brilho relativo da borda mais clara em relação à mais escura, deveria ter sido praticamente o dobro do registrado (41 vezes, no lugar de apenas 22 vezes) e igual à razão entre os fluxos máximo e mínimo de luz solar incidente sobre a superfície lunar.

 

Podemos especular sobre as possíveis causas dessa discrepância: reflexão interna de luz oriunda das regiões mais claras para as mais escuras da imagem; variação da resposta da câmera usada em função da iluminação incidente; truncamento da resposta, abaixo do limite mínimo de sensibilidade; ou uma possível não uniformidade na escala de brilho aferida pelo Photoshop ou na resposta da câmera. Ou, talvez, a combinação de alguns desses fatores possa ter produzido a discrepância encontrada.

 

O aumento contínuo do brilho da superfície lunar com a aproximação da borda externa da penumbra é uma possível indicação do obscurecimento penumbral, tendo em vista que o efeito da extinção atmosférica diferencial foi insignificante nas condições em que a foto foi obtida. Portanto, é provável que tenhamos identificado o obscurecimento penumbral por toda a extensão do disco lunar, no caso, equivalente a 90% da espessura da região penumbral, desde suas regiões mais internas e escuras, próximas à fronteira com a umbra e iluminadas por apenas 2% do disco solar (mag=0,95), até aquelas muito claras, quase na borda externa da sombra e iluminadas por 98% dele (mag=0,05). Apesar da simplicidade desta análise, este achado, até onde sabemos, é inédito.

 

Lunissolar

 

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