CRENÇAS FUNERÁRIAS DO
EGITO ANTIGO


 

 
CONTEÚDO:

 
 

INTRODUÇÃO

    Assim como muitas outras culturas, antigas e modernas, os antigos egípcios acreditavam na vida após a morte. Uma particularidade da cultura egípcia, porém, era a idéia de que a vida no plano espiritual era uma continuação da vida terrena, com as mesmas necessidades materiais. Desta forma, os egípcios colocavam em suas tumbas artigos decorativos, jóias, comida, ferramentas e outras provisões que viriam a ser úteis após sua morte, no pós-vida!

    Os egípcios comuns eram enterrados no deserto, com seus corpos simplesmente enrolados em tecido e acompanhados por poucos objetos e comida. Cidadãos mais ricos, como artesãos, podiam arcar com os custos da mumificação (a preservação do corpo também era importante para a vida após a morte) e da construção de um túmulo. Nobres e outros egípcios muito ricos eram enterrados em estruturas chamadas "mastabas" - uma câmara subterrânea embaixo de uma pequena capela na forma de um banco.

 

 

    Mastabas eram quase certamente cópias das casas dos nobres e dos palácios reais, demonstrando assim que o túmulo era encarado como o lugar onde se acreditava que o morto habitaria.

    Os egípcios acreditavam que todo ser humano é formado por quatro elementos: o ba, uma espécie de alma; o ka, ou "duplo", réplica imaterial do corpo; o khu, centelha do fogo divino; e o kat, ou seja, o corpo. Acreditando numa vida após a morte, entendiam que esses quatro elementos precisavam ser preservados depois do falecimento do indivíduo. O ba e o khu, sendo elementos espirituais, precisavam apenas de orações. O corpo, por ser a moradia do ka, tinha que ser preservado e protegido. Em conseqüência, o túmulo, casa do morto, devia ser mantido intacto para todo o sempre e permitir-lhe uma vida agradável e semelhante à existência terrena.

    Os monumentos funerários (mastabas) eram orientados, ou seja, as suas quatro faces estavam voltadas, respectivamente, para o norte, leste, sul e oeste. As capelas, nas quais os parentes dos mortos depositavam suas oferendas, tinham sempre paredes revestidas de baixos-relevos e pintadas com cenas da vida cotidiana e dos ritos funerários. Ora o defunto aparecia sentado à mesa saboreando as oferendas; ora lá estava ele com sua mulher, os filhos, os criados, o boi, o burro e todos os seus outros bens. As crenças funerárias faziam supor que tais cenas lhe permitiriam usufruir após a morte tudo o que tinha possuído em vida. Não faltavam também inscrições com fórmulas religiosas e mágicas que auxiliariam o defunto em sua longa viagem até o mundo dos mortos. Tudo isso são para nós importantes fontes de conhecimento dos hábitos dos antigos egípcios.

    Criados que haviam servido ao dono do túmulo eram, às vezes, enterrados em pequenas mastabas dispostas em fileiras fora dos muros que rodeavam a tumba principal, na crença de que pudessem continuar a servir a seus senhores após a morte. Eram sepultados ao mesmo tempo que seus amos, mas não vivos como se poderia supor. Muito provavelmente a morte era provocada por ingestão de veneno, aceito voluntariamente como parte dos deveres para com o patrão.

    Para os egípcios a construção de suntuosos templos funerários e túmulos enormes tinha por objetivo a glorificação das divindades e do próprio faraó que, ao morrer, também se tornava um deus. Nos templos erguidos junto às pirâmides, geralmente contíguos à face leste do monumento e a elas unidos através de uma galeria eram celebrados os cultos fúnebres em homenagem ao rei morto. Divididos em duas partes, os templos possuíam um setor público e outro privado. O primeiro recebia cortejos e fiéis que vinham de todo o país trazendo suas oferendas. No segundo setor apenas o clero e os membros da família real podiam penetrar. Durante todo o Império Antigo esses templos, embora arquitetonicamente diferentes uns dos outros, sempre apresentavam os mesmos componentes: um vestíbulo de entrada, um pátio aberto, cinco nichos para estátuas, armazéns e um santuário. Baseados nos fragmentos de estatuária encontrados, os arqueólogos calcularam que quase 500 estátuas adornavam originariamente os complexos das três grandes pirâmides em Gizé.

    As oferendas eram diariamente postas sobre o altar pelos sacerdotes. Entendia-se que o que tinha valor para o morto era apenas o espírito da substância oferecida e não a sua matéria propriamente dita e, portanto, ninguém esperava que os alimentos fossem consumidos ou desaparecessem, sendo natural que ficassem intocados. Podiam, posteriormente, ser recolhidos e partilhados no seio da comunidade sacerdotal que deles fazia uso.

    Os templos situados junto ao Nilo - os templos do vale - destinavam-se a receber as procissões fluviais e, para isso, geralmente dispunham de ancoradouros para a atracação de barcos e ligavam-se ao rio através de um canal. Isso permitia que a procissão funeral atingisse o complexo piramidal sem a necessidade de uma longa jornada por via terrestre. No interior dos templos, capelas de calcário abrigavam santuários.

    O túmulo para um egípcio antigo era o seu castelo da eternidade e deveria durar para sempre. Eles acreditavam que a sobrevivência após a morte dependia em primeiro lugar da preservação do corpo físico. Além disso, todo material que se fazia necessário para o corpo e para o ka do morto deveria ser suprido ao longo dos anos após a morte. Tais crenças levaram os antigos egípcios a dedicarem atenção especial à edificação de seus túmulos. E embora o formato dos sepulcros possa ter mudado ao longo do tempo, seu propósito fundamental permaneceu o mesmo ao longo dos 3000 anos da história egípcia.


 


 

 

MUMIFICAÇÃO

    Por acreditarem que existe outra vida depois da morte, e que o corpo pode ressucitar, muitos povos antigos criaram técnicas para impedir que os corpos dos mortos se decompusessem. Indígenas das Ilhas Canárias, da Austrália e da América também embalsamaram seus mortos. Numerosas múmias incas foram descobertas na Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia e Peru. Os que mais se destacaram foram os egípcios, com suas múmias. A palavra múmia significa, em árabe, betume ou asfalto - material que, acreditava-se, os egípcios usavam para o embalsamamento.

    O embalsamamento ainda é praticado hoje em dia, com técnicas muito avançadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, até a década de 70 era bastante comum, pois lá os velórios costumavam durar dois ou três dias. Algumas personalidades internacionais modernas - como Eva Perón - tiveram seus corpos embalsamados e, dessa forma, são conservados anos após sua morte.

    A técnica de embalsamamento de corpos desenvolvida pelos egípcios teria dado origem ao nascimento secreto da alquimia, que se desenvolveria, séculos depois, entre os árabes. Toda a alquimia medieval encontra nesse costume egípcio a sua origem.

    No período pré - dinástico os egípcios enterravam seus mortos em mastabas ou seja covas não muito profundas. Muito antes disso, porém, por volta de 3000 a.C., os egípcios deparavam-se com um fenômeno que, embora estranho, era espontâneo e comum diante deles: a mumificação. Isso porque na era pré-dinástica as sepulturas eram muito simples, meros buracos na areia do deserto onde os corpos eram atirados. Naquela atmosfera árida, a desidratação ocorria antes mesmo que se adiantasse o processo de apodrecimento desses corpos; e, por serem as campas pouco profundas, era comum que tempestades de areia as destampassem, espalhando cadáveres naturalmente mumificados pelo caminho. Isso teria propagado a crença de que os corpos deviam ser preservados, já que a natureza lhes revelava esse desejo. Procedimentos técnicos que mantivessem a textura do corpo pelos séculos afora passaram a ser prestigiados, ao lado dos métodos de enfaixamento, feitos geralmente com duas faixas que se intercalavam e se prendiam, a representar as duas irmãs, Ísis e Néftis, a abraçar Osíris após sua morte.

    Os egípcios acreditavam que o corpo era constituído de diversas partes: O bá, ou alma, o ka, ou a força vital, o akh, ou força divina inspiradora de vida. Para alcançar a vida depois da morte, o ka necessitava de um suporte material, que habitualmente era o corpo (khet) do morto. Este deveria manter-se incorrupto, o que se conseguia com a técnica da mumificação. Egípcios comuns não eram mumificados, mas enterrados em sepulturas, onde as condições do deserto quente e seco mumificavam os corpos naturalmente.

    Os sacerdotes funerários encarregavam-se de extrair e embalsamar as vísceras do corpo. O tipo de mumificação variava conforme a classe social a que o defunto pertencia. A técnica de embalsamar era muito complicada, e os sacerdotes deviam ter conhecimentos de anatomia para extrair os órgãos sem danificá-los. A mumificação era um processo bastante complexo e demorado. O sacerdote (embalsamador) começava por retirar o cérebro do morto, com um gancho, por meio das narinas. Depois, era feito um corte na virilha esquerda, onde o embalsamador enfiava a mão para retirar todos os órgãos. O coração raramente era extraído, mas quando isso acontecia, ele era substituído por um amuleto em forma de escaravelho. Os órgãos ficavam guardados em um vaso chamado canopo, colocado perto da múmia.

 
Vasos Canopus

 
    Então, o corpo era coberto com natrão (cristais de sal) e deixado a secar durante 40 dias. Após esse processo, as cavidades eram cheias com linho e substâncias aromáticas, e enrolava-se o corpo com ligaduras. Os olhos eram cheios com linho ou pedras pintadas de branco. Faraós e pessoas ricas eram estofados com tecidos virgens. Já os pobres eram forrados com as roupas que haviam usado em vida, terra ou serragem. Depois disso, a incisão era fechada com uma placa de ouro, para evitar a invasão do corpo por maus espíritos. Durante cada uma dessas etapas da mumificação, eram lidas preces do Livro dos Mortos, que ensinava como o ritual deveria ser feito. O próximo passo era enfaixar o corpo, a começar pelos dedos dos pés ou das mãos.

 

 
    Durante o processo de mumificação, os sacerdotes colocavam uma série de amuletos entre as ataduras com que envolviam o cadáver, nas quais estavam escritas fórmulas destinadas à sobrevivência dos mortos. Após o processo ser concluído são chamadas de "múmias". Geralmente, os corpos são colocados em sarcófagos de pedra.

    Uma vez preparado o cadáver e depositado no sarcófago, fazia-se uma procissão que o conduzia ao túmulo. Abrindo o cortejo ia o sacerdote funerário, a qual se seguiam vários pertences ao morto. Esses objetos tinham a missão de lhe proporcionar comodidade no além. Também os animais de estimação eram por vezes embalsamados e colocados em sepulturas próprias. O sarcófago era conduzido por um trenó, emquanto outro levava os vasoscanopus.

    Em certas épocas, costumava-se colocar no morto uma máscara que tinha suas feições; assim se impedia não só que deteriorasse como que perdesse sua identidade.

 
Máscara funerária do faraó Tutankamon

 
    Quando a procissão chegava ao túmulo, o sacerdote realizava o ritual de abrir a boca da múmia, com qual se acreditava que ela voltava a vida. Todo o material funerário, juntamente com o sarcófago e as oferendas, era depositado no túmulo, que a seguir era selado para que nada perturbasse o repouso do defunto. Assim o morto iniciava um novo percurso pelo mundo além do túmulo. Anupu, guardião das necrópoles e Deus da mumificação, levava-o perante OSÍRIS, soberano do reino dos mortos, o qual, juntamente com outros Deuses, realizava o chamado psicostasia, em que o coração do defunto era pesado. Se as más ações fossem mais pesadas que uma determinada pena, o morto era devorado por um monstro. Se passasse satisfatoriamente por essa prova, podia percorrer o mundo subterrâneo, cheio de perigos, até o paraíso.

 


 

    O LIVRO DOS MORTOS

 

 

 
    O Livro dos Mortos, como ficou entre nós conhecido o conjunto de textos mortuários, mais de 200 fórmulas mágicas e hinos datados do Império Novo (1550 a.C.) até o período de dominação greco-romana (332 a.C.-395 d.c),. Encontrados sobretudo em Tebas, são geralmente conhecidos, em conjunto,como "a Recensão Tebana do Livro dos Mortos". Copiada pelos escribas desde 1600 a.C. até 900 a.C., aproximadamente; prestava-se de fato como receita a ser seguida pelas almas que adentravam no desconhecido. Antes, porém, destinava-se a instruir os "vivos", que, uma vez iniciados em seus segredos, poderiam melhor preparar suas almas para o derradeiro julgamento. Por isso, o título verdadeiro desse livro é outro; uma melhor tradução de seu nome seria "Saída para a Luz", isto é, para o dia, para o renascimento. Seus papiros eram comumente colocados junto ao corpo mumificado, sob a cabeça do cadáver, conforme o costume funerário egípcio. Outras vezes, passagens de seu texto sagrado eram transcritas nas câmaras mortuárias, principalmente sob a forma de recitações mágicas a serem proferidas pela alma em seus percalços no além.

    O Livro dos Mortos evoluiu dos Textos da Pirâmide do Velho Reino - os textos funerários mais velhos do mundo. Esses encantos e rituais eram inscritos nas paredes da tumba de egípcios de alta classe apenas. No Reino do Meio estes segredos tornaram-se disponíveis para qualquer um que pudesse pagar um ritual de funeral e eram inscritos dentro dos caixões, para que as múmias "lessem". Eventualmente, os textos de caixão se transformaram no "Livro dos Mortos" que era bastante usado durante o Novo Reino.

    O tema central da obra é o julgamento da alma do morto, ou melhor, a pesagem do seu coração, órgão associado à idéia da alma. O morto era levado por Anúbis até a sala do Tribunal, e se apresentava a Osíris e a mais 42 deuses. O coração era pesado numa balança pelo deus Anúbis, e Tot anotava os resultados. A deusa Maat, cujo nome significa "verdade", era o fiel da balança. Quase exclusivamente representada por uma pena de avestruz, ela se colocava sobre o outro prato da balança, a servir de contrapeso ao coração. Se este fosse mais pesado, a alma era considerada impura, e o cão Anúbis o atirava a uma terrível divindade híbrida, que o devorava. Caso seu peso fosse tão justo quanto a pena de Maat, a alma imaculada, triunfante, era então entregue aos cuidados de Osíris.

    Destinavam-se a dar-lhe o poder de gozar ávida eterna, fornecer-lhe tudo o de que precisasse no Outro Mundo, assegurar-lhe a vitória sobre os inimigos, proporcionar-lhe o dom de conciliar as boas-graças de seres amistosos no além-Túmulo, ir aonde quisesse, quando e como quisesse, preservar intactos seus restos mumificados e, finalmente, permitir que sua alma atingisse o reino do divino Osíris, o vencedor da morte, que restitui a vida a homens e mulheres.

    O egípcio piedoso, rei ou lavrador, rainha ou escrava, vivia com os ensinamentos do Livro dos Mortos diante dos olhos, era sepultado de acordo com suas instruções e baseava toda a sua espiritualidade e felicidade eternas na eficácia de seus hinos, orações e palavras de poder, que condensavam toda a doutrina da religião egípcia acerca de uma vida após a morte.

    Até que pudesse se apresentar ao tribunal de Osíris, onde seria julgada em razão do que fora sua vida terrena, Bá, a alma (agora separada de Ká, o corpo), teria de sofrer árdua caminhada, cruzar 21 pilares, desvendar 15 entradas e passar por sete salas de provações.

 

 

 


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