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A cantora Daniela Mercury, 34 anos, adora causar impacto. Seu último
terremato foi baixar em Salvador, a terra do axé, vestida, em pleno
carnaval, de roupas futuristas, liderando um trio elétrico com dois
DJs, embalada pelo legítimo som tecno ( ritmo rápido e cheio
de efeitos sonoros eletrônocos, conhecido como bate-estaca). “O carnaval
é democrático”, defendeu-se, diante das vaias. Depois da
ressaca carnavalesca, a cantora, que explodiu de norte a sul a 1992 com
o CD Canto da Cidade (batendo pela primeira vez a marca de 1 milhão
de cópias vendidas ), lança Sol da Liberdade, com músicas
também eletrônicas. Vende menos ( Elétrica, lançado
em 1998, CD em que a cantora começa a mudar o repertório,
vendeu 350 mil cópias). Mas Daniela não se importa, “Meus
discos não se fecham em um universo só. Nunca fiz só
músicas de carnaval.”
Na entrevista a seguir, ela fala de sua paixão pelo que é
novo, pelos filhos e pelo namorado, o advogado Marcelo Porciúncula:
“Sem amor não somos nada”.
Contigo: Este ano você inovou trazendo a música eletrônoca
para Salvador, apelidada de “tecnoaxé”. Qual foi a intenção?
Daniela: A de provocar uma reflexão sobre a música
brasileira. Escolhi a Bahia para trazer um elemento novo, que os baianos
não conhecem. Em Salvador não tem discoteca, só tem
ensaio de bloco.
Contigo: Qual foi a sua fonte de inspiração?
Daniela: Há seis anos venho acompanhando o carnaval tecno
que acontece em Berlim, o trio tem a função de levar música
eletrônica para o meio da multidão. Queria fazer fazer isso
no carnaval anterior, mas achei que ainda era cedo.
Contigo: E por que neste ano?
Daniela: Fui a única a acreditar que alguma coisa deveria
mudar no carnaval do ano 2000. Sempre fui uma provocadora. Mas este ano
comemora-se quinze anos da axé music e acredito que, de lá
pra cá, o fato mais interessante foi o movimento samba-reggae, que
vinculou minha carreira de cantora ao universo de Salvador.
Contigo: Você se auto-intitula a mãe do samba-reggae,
e não do axé music?
Daniela: Apesar de puxar trio elétrico sempre fiz mais
samba-reggae. Mas meus discos não se fecham em um universo só.
Nunca fiz só músicas de carnaval e até sou a menos
carnavalesca de todos.
Contigo: Mas por que convidou os blocos Ilê e Olodum, os mais
tradicionais de Salvador, para acompanhar você em cima do trio?
Daniela: Para reforçar a minha paixão pelo samba-reggae.
A coisa mais interessante que aconteceu na Bahia nos últimos tempos
é que a percussão subiu no trio definitivamente. Antes só
tinha p frevo de Pernambuco e o galope do Nordeste, que continuam presentes,
mas agora são mesclados com a percussão. Esse é o
grande barato, misturar.
Contigo: O que você achou da reação do
público, já que ouve vaias?
Daniela: Eu sabia que iria causar espanto. Quando a gente entrou,
metade do público ficou olhando e a outra dançando. As pessoas
não estavam entendendo, mas estavam gostando. Até aquele
estranhamento foi maravilhoso. O problema é que o trio ficou quarenta
minutos parado num congestionamento e as pessoas queriam que eu cantasse
minhas músicas normalmenter. Por isso houve aquelas vaias.
Contigo: Mas você foi corajosa, não?
Daniela: Desde os meus quinze anos faço carnaval e queria
propor uma coisa nova. Estava com os DJs Mau Mau e Dudu Marote e disse
que eles deveriam nos escutar, porque o carnaval é democrático.
Então imediatamente começaram a aplaudir. Fiz as poucas vaias
se transformarem em aplausos. Em cinco horas de percurso, se houve três
minutos de vaias foi muito. O desfile foi um sucesso
Contigo: Você acha que Salvador só conhece a
música baiana?
Daniela: Num determinado momento Salvador se fechou para fortalecer
a música baiana e foi ótimo. Agora acho que é o momento
de refletir e de se abrir de noco. Alguém tem de fazer esse papel,
de provocar, senão as coisas ficam repetitivas.
Contigo: Você tinha a intenção de frear
a onda do axé music atual, que não tem a mesma riqueza de
letras de antigamente?
Daniela: O axé music tem muitos compositores que fazem
coisas bonitas e outros nem tanto. O que mais me irrita é a escolha
dos temas. Em compensação, há outros que enriquecem.
Contigo: Quais?
Daniela: Os arranjos, a interpretação. Mas eles
podiam ser mais criativos no tema. Não precisa falar do sol da Bahia,
do mar da Bahia. É uma auto-idolatria, reclamo até para os
compositores.
Contigo: Este seu novo CD difere muito dos anteriores em que?
Daniela: Acho que ele é mais radical na diversidade.
Não me preocupei em fazer uma música para a Bahia, porque
eles só querem o pagode, o galope. Agora o Harmonia do Samba ( do
vocalista Xandy ) está reinando porque faz o axé. Nesse disco
não me preocupei com os baianos e eles terão de me aturar.
Nunca respeitei muito as regras de se tocar carnaval o ano inteiro. O show
deles é igual ao de todo mundo, eles cantam o que está fazendo
sucesso. No meu show canto o que gosto muito e não só o que
está fazendo sucesso.
Contigo: Este é um disco pop, que fala da era virtual
e tem até título de música com o símbolo da
Internet, como @. É uma nova era também para Daniela
Mercury?
Daniela: Adoro que os discos tenham uma nova era: já
são discos voadores. É importante pegar outras noções
rítmicas e quebrar os preconceitos que existem no Brasil. Maçante
é fazer sempre a mesma coisa. Importante é se inventar todo
dia em frente ao espelho, se inventar como gente.
Contigo: Qual a sua nova filosofia de vida?
Daniela: Derrubar todos ou muros, destruir os ídolos,
mitos, tabus e viver abertto ao novo. Ser novo é essencial para
ser feliz. Gosto de inovar diariamente, um dia estou mais roqueira, outro
estou mais hippie, sou muito de lua. As vezes entro em crise existencial,
acho que tenho que ir para o meio da rua defender nossos direitos, ser
contra tudo, mas minha filosofia é a da liberdade. Temos de deixar
fluir nossa intuição
Contigo: Por que você escolheu o Milton Nascimento
para gravar a faixa-título de seu CD, Sol da Liberdade?
Daniela: Porque ele é a voz mais linda do Brasil. Fiz
essa canção pensando nele e queria celebrar os 500 Anos do
Brasil falando da demacracia, da liberdade de expressão e de a música
brasileira estar reinando no Brasil. Quis reforçar a auto-estima
e o Milton re[resenta o Brasil. Queria ver um negrão lindo. Mineiro,
cantando samba-reggae, a mistura de Minas com Bahia. Quis reverenciá-lo
com essa música
Contigo: E os grupos baianos, quais são os que você
admira?
Daniela: Gosto de Ivete Sangalo, da Gil da Banda Beijo... E
acho que alguns artistas estão meio saciados de sua produção
musical, porque estão vinculados aos blocos e só produzem
para o carnaval. A mesmice reina porque os produtores não são
corajosos . Corajoso é o artista. Os empresários querem ganhar
dinheiro e vêem que aquela é a receita.
Contigo: E você tem liberdade para fazer o que quer?
Daniela: Todos os contratos que assinei na minha vida foram
para fazer o que quisesse e projetos nos quais acreditava.
Contigo: Como você define o som que faz?
Daniela: É um som inventivo, provocador. Estou sempre
buscando usar o meu talento e o dos músicos e sair da mesmice, a
minha própria.
A obrigação de reformular o som inteiro é um negócio
muito doido, porque é mais difícil conseguir um espaço,
uma identidade como artista. Abrir mão de tudo isso não dá,
até porque faço o que domino e tenho formação
. Sou uma sambista pop. Tudo é sambado, eu sou brasileira
Contigo: Fale um pouco sobre a sua rotina de vida, como é?
Daniela: Não tenho rotina. Conseqüemente, atrapalho
todo mundo lá em casa (risos). Tenho preguiça de fazer exercícios.
Sou elétrica, mas não tenho saco para ficar malhando. Gosto
de dançar. Minha personal treiner briga comigo porque só
quero dançar, mas é que, dançndo, eu crio, é
muito mais gostoso do que fazer “um, dois, três, quatro”. Já,
quando coloco uma música de que gosto, esqueço quantas séries
fiz. Ouvindo Chico Buarque de Holanda viajo na ginástica.
Contigo: Falando nele, é verdade que vocês tiveram
um caso?
Daniela: ( Com cara de séria ) Imagine! Nào quero
que você coloque isso, porque inventam coisa de todo mundo e às
vezes queimam a gente por causa de besteira. Não quero que nada
prejudique a admiração que sinto por ele.
Contigo: Voltando a sua vida, você se policia para não
se estressar?
Daniela: Sair, fumar um cigarro de vez em quando, isso é
inevitável e até saudável. O importante é não
perder a linha na alimentação. Ficar regrado demais também
não faz sentido. Mas, além da alimentação equilibrada,
preciso de condicionamento físico, senão me machuco, principalmente
fazendo shows.
Contigo: Na vida pessoal, ter casado aos 19 anos não
foi ruim?
Daniela: Não, foi muito bom. Nào me arrependo
de nada. A gente não encontra o amor da nossa vida na hora
em que queremos. Quando me casei, encontrei um grande amor, depois, encontrei
outro grande amos ( referindo-se ao seu namorado, Marcelo Porciúncula
).
Contigo: Qual a sua relação com os filhos, Gabriel,
14 anos, e Giovana, 13 anos?
Daniela: Estou estranhando um pouco, não consigo mais
colocá-los no colo, eles já são pré-adolescentes.
Mas esse é uma perda também deles, que antes estavam sempre
debaixop da minha asa.
Contigo: E eles dão palpite no seu trabalho?
Daniela: Falam que a minha música é muito cabeça,
estão acostumados a ouvir a música da Bahia e são
críticos. No carnaval, pularam no meu bloco e em outros. O Gabriel
disse: “Por incrível que pareça seu bloco foi muito melhor
do que os outros”. E respondi: “Incrível que pareça por quê?
Você pode me desafiar como mãe, não como artista (
risos) “.
Contigo: Dizem que seu namorado, Marcelo Porciúncula, é
muito ciumento. É verdade?
Daniela: Ele reclama das minhas saias curtas e até meu
ex-marido ( Zalther Póvoas ) brinca: “Quem diria? Você deixou
de usar aquelas sainhas”. Faço charme de deixar ele me proibir,
porque o que eu quero é mais dengo e colo.
Contigo: Ah, isso todo mundo quer...
Daniela: Quero mesmo é ser uma mulher frágil,
não tenho a menor vontade de ficar provando quem é mais isso
ou aquilo. Quero chegar em casa cansada e ter o meu canto, o meu amor,
pedir socorro e esperar que ele ciude de mim. Sempre ligo com saudades,
peço para vir logo, tenho até uma música inédita
que fiz pra ele, que explica um pouco a meu jeito de amar.
Contigo: Como é a letra?
Daniela: ( Cantarolando ) “Ama a tormenta, a tempestade, a velocidade.
Não me espere, estarei presa. Ata-me, ata-me, me beija..."Quero
que ele me ame, me ate, me enlouqueça, me jogue no chão.
Sem bater, lógico, que gosto de delicadeza.
Contigo: Nossa esse homem deixa você inspirada, não?
Daniela: Sabe o que dei a ele de presente, quando fizemos dois
anos de nomoro? Entrei num estúdio, contratei um violinista e gravei
um CD com todas as músicas que gostamos de ouvir juntos, como Domingo,
de Gil, Tatuagem e Fantasia, de Chico Buarque. Gravei dez ou doze músicas,
e ele me retribuiu com uma boneca de papel machê, de 20 centímetros
de altura, que sou eu com um microfone na mão. Amar é lindo,
sem amor não somos nada.