Universidade Federal de Ouro Preto
Instituto de Ciências Exatas e Biológica
Departamento de Matemática
Curso de Licenciatura em Matemática
Disciplina: História da Construção das Ciências Exatas
Professor: Antônio Carlos Brolezzi
Aluno: Luís Carlos Figueiredo Brandão
 
 

MONOGRAFIA SOBRE A IMPORTÂNCIA DA  HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


"É possível ao professor deixar claro para o aluno que a
Matemática não é uma ciência morta,
mas uma ciência viva na qual um progresso contínuo é realizado."
(CAJORI, Florian, 1912)
    Nas palavras inspiradas de Miguel de Guzman, presidente da ICMI International Commission on Mathematical Instruction, em 1993, o conhecimento da "História da Matemática" pode-nos oferecer uma visão humana da ciência e da matemática, onde se observam não apenas verdades, métodos ou técnicas vindas não se sabe de onde; não simplesmente fatos e habilidades destituídos de alma, sem história, mas os resultados dos esforços de pessoas motivadas por profundo interesse e paixão; não amo uma ciência divina, mas humana e assim incompleta e falível; o lado humano das grandes descobertas e dos descobridores. Uma estrutura no qual todos os elementos aparecem em seus lugares corretos: não séculos de fatos distantes em suas origens, mas explorações de seus próprios contextos e com suas próprias motivações. Modelos do passado a fim de melhor compreender os modelos atuais; as conexões profundas, ao longo do tempo, de diferentes temas condutores da sinfonia matemática.

    Constata-se a necessidade de insistir na idéia de que a prática pedagógica precisa valorizar as tarefas que promovam o desenvolvimento do pensamento matemático dos alunos. É igualmente necessário dar atenção a situações de trabalho variadas, como forma de interação em aulas diversificadas, incluindo situações de discussão entre alunos, de trabalho em grupo e de trabalho de projeto (interdisciplinaridade). A prática pedagógica deve referir-se a contextos diversificados, incluindo situações da realidade e da História da Matemática.

    Desta forma o estudo da História da Matemática pode estimular a curiosidade dos alunos para saber a origem dos assuntos que estudam. Cria ainda oportunidade de entrar em contato com idéias e personalidades que tiveram uma grande importância na ligação da Matemática a domínios como a Física, a Astronomia, a Religião, ajudando a melhor compreender a cultura atual. Poderá influenciar o modo como os alunos vêem a matemática e o seu envolvimento na aprendizagem da disciplina.

    A História da Matemática mostra que esta ciência foi constituída pelo homem através dos tempos, e a gênese desse saber é um poderoso instrumento didático para possibilitar que os alunos raciocinem e desenvolvam operações mentais criativas. Além disso, os conceitos matemáticos foram criados de forma inter-relacionada e não como áreas independentes e setorizadas.

    Não faltam argumentos que reforcem as potencialidades pedagógicas da utilização da história da matemática como recurso didático. Verifica-se, igualmente, um crescente empenho, nos meios matemáticos preocupados com o ensino, visando valorizar a História da Matemática como eficiente recurso didático. Inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado são defendidas no país tematizando esta questão. Também são realizados seminários, congressos, encontros de entidades nacionais e internacionais vinculadas à Educação Matemática, ou mais especificamente, à História da Matemática. Só para ilustrar, foi criada, em março de 1999, a Sociedade Brasileira de História da matemática (SBHM), durante o III Seminário Nacional de História da Matemática, em Vitória (ES).

    Todavia, o uso da História da Matemática no aperfeiçoamento do ensino e aprendizagem da matemática não é uma atividade trivial. A utilização eficiente desse recurso requer uma profunda mudança de postura do professor ou até mesmo uma mudança de seu paradigma educacional. Requer também muita leitura, estudo, análise e discussão sobre a História da Matemática, a despeito da escassa bibliografia, existente em português, sobre o assunto.

    Não adianta encher a cabeça do professor de argumentos e fortes apelos para a utilização desse instrumental pedagógico, sem que lhes propicie condições para uma formação adequada e necessária à sua correta utilização.

    O próprio Ministério da Educação, ao estabelecer o perfil dos profissionais formados nos cursos de Matemática, ressalta que estes profissionais, "devem possuir uma visão histórica e crítica da Matemática, tanto no seu estado atual como nas várias fases de sua evolução". Entretanto nem todos os cursos de formação de professores de Matemática disponibilizam ou oferecem esta disciplina. A maioria dos que oferecem o fazem como disciplina eletiva ou facultativa. Mesmo em cursos ditos progressistas e modernos como o da Licenciatura em Matemática da UFOP, verifica-se um certo descaso em relação à disciplina, com grande parte de seus professores preferindo utilizá-la como "disciplina-tampão", alegando que basta, aos alunos interessados nas questões históricas da matemática, dirigir-se à biblioteca para ler os livros disponíveis.

    A utilização adequada da História da Matemática requer uma formação aprofundada por parte do professor, de tal maneira que permita realizar um recuo em relação ao que se ensina . Neste ponto cabe uma observação que li na "home-page" da Licenciatura em Matemática da UFRS, onde o professor Porto da Silveira parafraseia Newton, ao comentar que a matemática atual é incomparavelmente mais fácil do que a do passado pois "podemos enxergar mais longe e com maior facilidade que nossos antepassados pois que estamos sobre seus ombros".

    Este recuo anteriormente citado permite a criação de novas situações didáticas com a utilização das idéias e materiais que a História da Matemática nos fornece.

    Como bem assinala ADLER, este apelo heurístico ilustra de maneira belíssima a utilização da História da Matemática, pois nela podemos encontrar inúmeros exemplos de matematizações realizadas. Desta forma o professor pode fazer uso, ao abordar determinado assunto, de situações problemáticas históricas ou mesmo tentar montar uma situação problemática idêntica à histórica.

    As dificuldades que os professores de Matemáticas encontram nesta fase da matematização podem ser amenizadas com a utilização da História da Matemática. Entretanto, como já dissemos, para compreender o seu valor didático, de tal forma que se consiga utilizá-lo em sua plenitude, faz-se necessário o seu conhecimento aprofundado, através do importante recurso do apelo às fontes originais.

    Um exemplo típico dessa questão é encontrado em um artigo de GUICHARD, livremente adaptado por Arsélio Martins, disponível na internet com o título de "História da Matemática no Ensino da Matemática", em que se coloca duas possibilidades para introduzir os alunos ao Teorema de Thales. Pela via tradicional, consiste de alguns manuais franceses sobre a geometria, encontra-se a seguinte abordagem: "Enunciamos o teorema seguinte, conhecido pelo nome de Theorema de Thales: sejam A e B dois pontos diferentes e M um ponto qualquer de uma reta D; os pontos A' , B' e M' sendo as imagens dos pontos A, B e M por uma projeção não constante p da reta D sobre uma reta D' , o ponto M' tem a mesma abscissa no referencial (A' , B') que o ponto M no referencial (A, B)"? Como pode um aluno entender tal colocação? Que atração pode exercer sobre um estudante tal tipo de apresentação? Onde entra o Thales nessa história? Onde está a problematização?

    O apelo às fontes pode provocar uma reviravolta nessa abordagem tradicional. O autor acima cita Diógenes Laerce (III a.C): Hyéronime diz que Thales mediu as pirâmides a partir da sua sombra, tendo observado o momento em que a nossa própria sombra é igual à nossa altura". Realmente, o que Thales descobriu foi a possibilidade de redução, a idéia da razão, a noção de modelo, em suma a questão da proporcionalidade.

    Desta forma, partindo-se do desafio proposto por Thales de medir a altura da pirâmide, desemboca-se no coração de uma problemática motivadora que mobiliza o interesse e a reflexão dos estudantes, que passam a sentir a utilidade prática que pode Ter a matemática, questão essencial a ser trabalhada nos alunos não só do nível fundamental, como também do médio e superior.

    Logicamente é muito mais fácil para o professor despejar no aluno um amontoado de definições, conceitos, teoremas, etc.. Poupa-lhe o esforço de procurar saber as origens de determinada idéia ou noção matemática. Jean Paul Guichard (1986) chama esse fenômeno de "desistorização", de "despersonalização", situação em que "o saber toma o aspecto de uma realidade anti-histórica e intemporal, que se impõe por si mesma e que, sem produtor, aparecendo livre em qualquer processo de produção, não se lhe pode contestar a origem, a utilidade, a pertinência matemática e sentido.". Assim, um vigoroso remédio que busca o sentido e a contextualização significativa do que se ensina é a História da Matemática.

    Provoca arrepios em qualquer professor, alunos que propõe questões tais como: "De onde surgiu tal símbolo matemático?", "Quem o criou ou o introduziu?", Por que e para que serve esse assunto?'.

    Conhecer a história da matemática, com maior grau de profundidade, permite que o professor crie novas situações didáticas que objetivem um maior envolvimento intelectual e emocional por parte do aluno, através do conhecimento que se pode ter sobre a origem da noção a ensinar, sobre o tipo de problema que ela buscava resolver, sobre as dificuldades que surgiram e as maneiras como foram superadas.

    O "calo" dessa utilização didática da História da Matemática é exatamente a precária formação dos professores de Matemática e também dos professores destes professores.

    Atualmente, atendendo à forte demanda do mercado, vem se percebendo a necessidade de uma mudança dessa visão tradicional do ensino da matemática. Nas próprias avaliações feitas pelo MEC, tais como as do ensino médio, fundamental e superior, verifica-se uma tendência a se cobrar um conhecimento matemático mais fundamentado. Entrando aí a História da Matemática como elemento fundamental de renovação da maneira de se ensinar e de aprender matemática.

    Para essa maior utilização da História da Matemática, faz-se necessário reestruturação dos cursos de Licenciatura, de tal forma a propiciar ao futuro professor uma missão histórica das teorias matemáticas: nascimento em determinado momento, provocado pelas mais diversas motivações (curiosidades, aplicações, et.); crescimento, com cada teoria com seu próprio estilo, através de expectativas, falsas expectativas, erros e acertos, fortemente influenciada, em seu desenvolvimento particular, pela atmosfera cultural e social.

    A própria bibliografia existente sobre a História da Matemática, como já foi anteriormente citado, é muito escassa e nem sempre de boa qualidade. A grande maioria dos livros disponíveis na língua portuguesa são do tipo cronológico, permitindo uma visão histórica do desenvolvimento da matemática, todavia sem o necessário aprofundamento sobre determinados assuntos vitais.

    Concluindo, para a adequada formação dos professores e dos alunos, cabe acentuar a necessidade de se mostrar a matemática como uma obra humana, feita por homens em tempo historicamente determinados, em constante evolução e não como uma ciência à parte, desligada da realidade. Deve-se, então, ressaltar, permanentemente, que a matemática é uma ciência viva e que um extenso trabalho de pesquisa é atualmente desenvolvido nessa área.

    Para encerrar, volto a citar algumas frases atribuídas a C.V. Jones, encontrado no texto de Guichard (1986), que mostra muito bem a importância da História da Matemática no aperfeiçoamento do seu ensino e aprendizagem:

    "Ao despir a Matemática das suas longas tradições para vesti-la com conjuntos e estruturas, muitos assuntos perderam todo o encanto e atração, talvez não tenhamos despejado o bebê juntamente com a água da banheira ao retirar às matemáticas o conjunto dos assuntos e dos capítulos mais antigos e menos coerentes, mas perdemos com certeza o sabão: sabemos como é fácil encontrar estudantes que pensam que as matemáticas cheiram mal."
 
 

Referências Bibliográficas:
 

ADLER, Mortimer & VAN DOREN, Charles. Como Ler um Livro. Rio de Janeiro: Guanabara
    Koogan, 1990.

GUZMAN, Miguel de. "O que o conhecimento da História da Matemática e de um tópico
    particular pode nos oferecer" Palestra proferida no 7º Congresso Internacional de
    Educação Matemática. Mar/1993.

GUICHARD, Jean Paul (coord). Didactique des Mathématiques. Cediel Nathan, 1986.
 
 
 

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