Universidade Federal de Ouro Preto
Instituto de Ciências Exatas e Biológica
Departamento de Matemática
Curso de Licenciatura em Matemática
Disciplina: Epistemologia e Educação Matemática
Professor: Maria do Carmo Vila
Aluno: Luís Carlos Figueiredo Brandão


EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Concepções Epistemológicas
Relações entre as concepções epistemológicas e a prática pedagógica

Desenvolvimento cognitivo segundo Piaget


 

CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

As diversas teorias do desenvolvimento, a seguir discutidas, têm como apoio as diferentes concepções do homem, focalizando as questões filosóficas clássicas referentes ao conhecimento: O que é o conhecimento? Como se chega a ele? Como se passa de um tipo a outro qualitativamente superior? Como os conhecimentos se ampliam?

Pela concepção empirista, também chamada de ambientalista ou objetivista, o desenvolvimento do ser humano depende, principalmente, do seu ambiente, dos estímulos do meio em que ele vive, das experiências pelas quais ele passa.

Os adeptos dessa corrente acreditam que o conhecimento processa-se por força dos sentidos, supervalorizando, desta forma, o papel da experiência sensorial (percepção), que inscreveria, direta ou indiretamente, os conteúdos da vida mental sobre um indivíduo, visto como um ser extremamente plástico - uma tábula rasa, uma folha em branco ou um balde vazio, para citar algumas figuras metafóricas comumente usadas. Dessa forma, o conhecimento humano reduz-se ao sentir dos sentidos, fossem eles externos: a visão, a audição, o olfato, o tato e o paladar, fossem eles sentidos internos: a fantasia, a imaginação sensível, a memória sensível, a atenção. Os sentidos produziriam o dado a ser conhecido, constituindo-se a fonte e a explicação última do fenômeno do conhecimento.

O ponto alto do empirismo é o teste da experiência: nada aceitar que não tenha passado pelo crivo da experiência.

Um dos precursores dessa corrente filosófica foi John Locke, que afirmava que os nossos conhecimentos resultam de nossas sensações e experiências e que comparava a nossa mente, antes de ter tido qualquer experiência, a uma "tábula rasa", a uma "página em branco", onde as percepções e experiências iriam inscrevendo as idéias.

Os seguidores atuais desta concepção empirista podem ser encontrados nos adeptos das teorias behaviorista e neobehaviorista, destacando-se os trabalhos de Watson e Skinner

O conhecimento é visto, então, como alguma coisa que vem do mundo físico ou social do objeto, sendo que o mundo deste é que determina o sujeito. Sob esta perspectiva, é impossível um conhecimento que transcenda a experiência, isto é, o contato que o homem tem com o mundo por meio dos sentidos, constituindo-se na totalidade de seu saber.

Nega-se, portanto, a existência, no espírito humano, de idéias inatas ou princípios a priori, bem como não se dá importância à maturação biológica, nem às capacidades mentais da pessoa: inteligência, aptidões, sentimentos, vontades, etc.. O conhecimento é algo que vem do mundo do objeto, que é determinante do sujeito.

Esquematicamente, podemos representar a relação entre o sujeito e o objeto da seguinte maneira:
 

OBJETO --->> SUJEITO


"Não há nenhuma concepção no espírito do homem que não tenha sido originada
nos órgãos dos sentidos."

Thomas Hobbes

A concepção racionalista, também conhecida como inatismo ou apriorismo, parte do pressuposto de que as qualidades e capacidades básicas do ser humano: sua personalidade, seus valores, suas crenças, sua maneira de pensar, etc., já se encontrariam basicamente prontas por ocasião do nascimento. Assim, as condições e possibilidades de conhecimento seriam inatas, isto é, o sujeito já nasce com a possibilidade de conhecer, estando o conhecimento determinado na bagagem hereditária ou submetido ao processo maturacional.

Sob esta ótica, as idéias e os juízos básicos do conhecimento seriam construídos somente pela razão, frutos apenas do espírito, completamente independentes, na sua origem, dos dados da experiência e dos sentidos. Assim, a razão é a fonte do conhecimento, fornecendo-nos, a priori, os conceitos e as idéias inatas que são o conteúdo do conhecimento. Só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro, que decorre de princípios a priori, evidentes e irrecusáveis.

Esta corrente postula a idéia de que nosso intelecto é dotado de algum conteúdo prévio, independentemente e antes mesmo de qualquer intervenção dos sentidos e sem a interveniência de qualquer dado exterior ao próprio intelecto.

Desta forma, toda a atividade de conhecimento é exclusiva do sujeito, sendo que o meio físico e social não participa dela, desmerecendo o papel e o valor do conhecimento sensível e o da experiência sensorial.

Destacam-se, entre os defensores mais recentes desta corrente, o psicolinguista Noam Chomsky, que propõe que o sistema nervoso humano contém mecanismos inatos que possibilitam à criança construir as regras da linguagem; e o psicólogo Carl Rogers.

Esquematicamente, temos a seguinte relação epistemológica entre o sujeito e o objeto:
 
 

 SUJEITO  -->>  OBJETO


O construtivismo, também conhecido como interacionismo, leva em conta, no desenvolvimento do ser humano, tanto fatores orgânicos como fatores ambientais. Os seus pressupostos apoiam-se na idéia da interação entre o organismo e o meio, que exercem uma ação recíproca, um influenciando o outro, sendo que esta interação provoca mudanças sobre o indivíduo. Temos, então, uma relação dinâmica e dialética entre o indivíduo e a sociedade, entre o sujeito e o objeto, entre organismo e meio.

Desta forma, os interacionistas discordam das teorias inatistas, pro desprezarem o papel do ambiente, e das concepções ambientalistas, porque ignoram fatores maturacionais.

A origem do conhecimento encontra-se na interação entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto, interação ativada pela ação do sujeito, que é considerado um ser essencialmente ativo.

As duas correntes teóricas principais do construtivismo/interacionismo são a elaborada por Piaget, que valoriza os aspectos psicogênese do conhecimento, e a desenvolvida por Vigotsky, que acentua a contínua interação entre as estruturas orgânicas da criança e as condições sociais em que ela vive.

O modelo epistemológico que representa esquematicamente a relação entre o sujeito e o objeto nesta concepção é o seguinte:
 
 

 SUJEITO << -- >> OBJETO



 

RELAÇÕES ENTRE AS CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA, COM ÊNFASE
NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

A concepção empirista define a aprendizagem como uma mudança de comportamento ou mesmo adoção novas formas comportamentais, decorrentes de estímulos do ambiente (por estímulo-resposta), resultantes do treino ou da experiência.

A aprendizagem confunde-se com condicionamento e, assim, para que ocorra aprendizagem é necessário considerar a natureza dos estímulos, o tipo de resposta desejável e o estado físico e psicológico do organismo.

O papel do professor é o de observar o comportamento do aluno, de forma a obter uma compreensão, previsão e, até mesmo, uma modificação deste comportamento, através de estímulos reforçadores (notas altas, elogios, prêmios, prestígio) ou de uma punição (castigo, notas baixas, reprovação, etc). O professor é visto como o detentor e transmissor do conhecimento e o aluno, um mero receptor passivo e subserviente, sem nenhum tipo de ação crítica e reflexiva.

Nesse modelo didático-pedagógico, o professor tende a ensinar a teoria ao aluno, por meio de aulas tradicionalmente expositivas, exigindo por parte dele a aplicação à prática, mediante recitação, memorização da teoria dada.

Trata-se, então, de uma pedagogia centrada no professor, valorizando as relações hierárquicas, a memorização mecânica, a avaliação como forma de verificação da retenção do conhecimento e com caráter de premiação ou punição, a fragmentação e descontextualização dos conteúdos e ações educativas. O aluno é visto como um aprendiz passivo, mero receptáculo de informações, sem criatividade, nem origininalidade.

Não se pode, todavia, desconsiderar os efeitos benéficos da corrente empisrista, a se destacar: a valorização do papel do professor, a importância da definição dos objetivos de ensino, bem como do planejamento das aulas.

O foco da concepção racionalista/inatista encontra-se no aluno, visto como um indivíduo que nasce com grandes possibilidades de desenvolvimento, cabendo ao professor simplesmente interferir o mínimo possível neste processso.

O papel do professor, ao contrário da concepção empirista, não é o de ensinar, transmitir conhecimento, mas o de permitir o desenvolvimento das capacidades, aptidões e possibilidades inatas do aluno.

Desta forma, o aluno já traz em si, de forma potencial, todo o conhecimento, subestimando-se o papel do professor e do conhecimento sistematizado (acervo cultural da humanidade).

Verifica-se, nessa concepção, um grande destaque dado ao estudo das diferenças individuais, dos testes de inteligência, de aptidão e de prontidão para a aprendizagem, fato este que pode ser gerador de preconceitos prejudiciais ao trabalho na sala de aula.

Pela concepção construtivista, o centro do processo ensino-aprendizagem está na interação entre professor e aluno. Assim o professor deve seguir um caminho didático-pedagógico que procura conhecer o aluno como uma síntese individual da interação do sujeito com o seu meio cultural, valorizando a bagagem hereditária e cultural. Sob este prsima pedagógico, nega-se o autoritarismo do professor (empirismo) e o autoritarismo do aluno (inatismo), resgatando a importância dos pólos da relação professor-aluno, imersos em processo de contínua e intensa interação.

A esta teoria construtivista implica numa visão de ensino que considere as vivências e interesses dos alunos, valorize a criatividade do aluno e do professor (escola prazeroza), cabendo e este organizar intervenções adequadas para desafiar o aluno na construção do conhecimento.

Nesse enfoque construtivista, em que se atribui ao sujeito um papel essencialmente ativo, o aluno é que aprende, sendo que ninguém pode substituí-lo neste papel. Mas, também, ninguém pode substituir o professor, pois as características de sua intervenção, os recursos por ele utilizados, as tarefas que propõe propiciam uma maior ou menor margem para a atividade construtiva do aluno. O professor deve ser um catalisador do desabrochar intelectual, emocional e afetivo do aluno.

O professor, acreditando na capacidade do aluno de construir ativamente o seu conhecimento, passa a considerá-lo o centro do processo ensino-aprendizagem, reconhecendo nele não um sujeito passivo, não um mero reprodutor do conhecimento que lhe é imposto. Assim, o professor renuncia ao papel do "dono do saber", passando a ser um orientador, alguém que acompanha e participa do processo de construção do conhecimento de seus alunos. Essa nova forma de relacionamento do professor com o a classe estimula o diálogo, o livre debate de idéias, a interação social, diminuindo a importância do trabalho individualizado.
 


DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO PIAGET


Na perspectiva de Piaget, o desenvolvimento cognitivo é um processo de sucessivas mudanças qualitativas e quantitativas das estruturas cognitivas, derivando cada estrutura de estruturas precedentes. Desta forma, o indivíduo constrói e reconstrói continuamente as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio.

Piaget propõe que o desenvolvimento cognitivo realiza-se em períodos dotados de características bem definidas, denominados por ele de estágios, cuja sucessão é invariável, mas cuja cronologia não é tão rígida, pois as idades de início e término de cada estágio estão sujeitas a variações, uma vez que sofrem influência da maturação e da aprendizagem.

Em linhas gerais, ele divide esquematicamente o desenvolvimento cognitivo em quatro estágios:

    É importante destacar que de maneira alguma características de um estágio posterior surgem sem que as do estágio precedente tenham se estabelecido, embora alguns vestígios de estágios precedentes sejam encontrados nos subsequentes.

Passamos, agora, a detalhar cada um desses estágios:
 

Esse estágio inicial estende-se do nascimento até por volta dos 2 anos, com o aparecimento da linguagem. Como próprio nome indica, a atividade cognitiva é de natureza sensorial e motora. Assim, a ação da criança é baseada na evolução da percepção e da motricidade.

Para Piaget a criança nasce com um organismo biológico dotado de reflexos, que servem de base para o desenvolvimento de esquemas sensório-motores, os quais a criança faz uso para se adaptar ao ambiente, por meio dos mecanismo de assimilação e acomodação.

Embora de curta duração, Piaget situa nesse estágio a origem de um comportamento inteligente, tratando-se de uma inteligência essencialmente prática. Assim, o bebê "mama" o que é colocado em sua boca, "pega" o que está em sua mão, "vê" o que está diante de si. Com o aprimoramento desses esquemas, passa a ser capaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo à boca.

À essa inteligência sensório-motora faltam a linguagem, o simbolismo e a representação de objetos e situações ausentes, que vão se estruturando ao longo dos seis sub-estágios que Piaget utiliza para diferenciar as fases de desenvolvimento dessa inteligência sensório-motora até o desenvolvimento da linguagem verbal, acompanhando paralelamente a construção, pela criança, da permanência do objeto.

A título de citação, sem entrar em maiores detalhes, do ponto de vista do desenvolvimento do pensamento, temos os seguintes sub-estágios do estágio sensório-motor:

Assim o final do período sensório-motor é marcado pelo advento da capacidade de representar ações e do desenvolvimento da linguagem.
  Cronologicamente situado entre os dois e sete anos, esse estágio caracteriza-se pela preparação e organização das operações concretas.

O seu início é demarcado pela instalação da função simbólica e da interiorização dos esquemas de ação em representações.

As principais características do pensamento pré-operacional são:

Inicia-se por volta dos 7 anos, acentuado com as mudanças da forma pela qual a criança se relaciona com o mundo, com o progressivo desenvolvimento da capacidade descentração e da reversibilidade. Esse estágio termina por volta dos 11 ou 12 anos, aproximadamente.

Nesse estágio emergem e desenvolvem as operações lógicas, que têm como modelo as operações lógico matemáticas e as operações infra-lógicas.

Em relação às operações lógicas, cabe-nos destacar:

Em relação às operações infra-lógicas, destacamos: Progressivamente, a criança vai também desenvolvendo os conceitos matemáticos e físicos de número, tempo, espaço, velocidade e causalidade. Começa, então, a pensar e raciocinar de forma organizada e sistemática e, aos poucos, consegue desenvolver um grau maior de abstração, passando para o último estágio, o das operações formais.
  Cronologicamente, o estágio operacional formal inicia-se por volta dos 11 ou 12 anos, e apresenta como característica principal o fato de o pensamento não mais depender de da percepção e manipulação de objetos concretos.

Gradativamente, o pensamento se liberta das amarras e limitações do concreto. A representação agora permite a abstração total. A criança não se limita mais à representação imediata nem somente às relações previamente existentes, sendo capaz de pensar em todas as relações possíveis, buscando logicamente as soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade.

As estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas ao raciocínio lógico a todas as classes de problemas.

Assim o pensamento operacional formal é do tipo hipotético-dedutivo, isto é, capaz de deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente a partir da observação do real.

Concluindo um adolescente já consegue raciocinar cientificamente, formulando hipóteses e comprovando-as, na realidade ou em seu pensamento. Enquanto o pensamento de uma criança mais nova envolve apenas objetos concretos, o adolescente já pode imaginar possibilidades.
 
 
 

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