Os pressupostos da Teoria Construtivista de Jean Piaget[1]

 

Os estudos sobre a Teoria Construtivista começaram com Piaget (1896-1980), que foi um biólogo com preocupações eminentemente epistemológicas (Teoria da Conhecimento), numa perspectiva interdisciplinar.
A grande pergunta que formulou foi: "Como se passa de um conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado?"
Pesquisou e elaborou uma teoria sobre os mecanismos cognitivos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos (sujeito psicológico).
Piaget, entendendo ser praticamente impossível remontar aos primórdios da humanidade e compreender qual foi, efetivamente, o processo de desenvolvimento cognitivo desde o homem primitivo até os dias atuais (Filogênese), voltou-se para o desenvolvimento da espécie humana, do nascimento até a idade adulta (Ontogênese).
Assim se explica o fato de que, para conhecer como o sujeito epistêmico (sujeito que conhece) constrói conhecimento, tenha recorrido à Psicologia como campo de pesquisa. Ao elaborar a Teoria Psicogenética, procurou mostrar quais as mudanças qualitativas por que passa a criança, desde o estágio inicial de uma inteligência prática (período sensório-motor), até o pensamento formal, lógico-dedutivo, a partir da adolescência.
Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado desde o nascimento (inatismo), nem como resultado do simples registro de percepções e informações (empirismo). Resulta das ações e interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo o conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, através de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou cultural.
Segundo Piaget, o conhecimento resulta de uma interrelação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido.

O significado dos termos assimilação, acomodação, adaptação e equilibração na Teoria Construtivista

 

Segundo a Teoria Construtivista, o sujeito é ativo e em todas as etapas de sua vida procura conhecer e compreender o que se passa à sua volta. Mas não o faz de forma imediata, pelo simples contato com os objetos. Suas possibilidades, a cada momento decorrem do que Piaget denominou esquemas de assimilação, ou seja, esquemas de ação (agitar, sugar, balançar) ou operações mentais (reunir, separar, classificar, estabelecer relações), que não deixam de ser ações mas se realizam no plano mental.
Estes esquemas se modificam como resultado do processo de maturação biológica, experiências, trocas interpessoais e transmissões culturais.
Por outro lado, os objetos do conhecimento apresentam propriedades e particularidades que nem sempre são assimiladas (incorporadas) pelos esquemas já estruturadas no sujeito.
Isto ocorre, ou porque o esquema assimilado é muito geral e não se aplica a uma situação particular, ou porque é ainda insuficiente para dar conta de um objeto mais complexo.
Assim, uma criança que já construiu o esquema de sugar, assimila a mamadeira, mas terá que modificar o esquema para sugar a chupeta, comer com colher, etc.
Outro exemplo: um aluno que já construiu o conceito de transformação, terá que compreendê-lo tanto em situações específicas da vida cotidiana, como em conteúdos de História, Geografia, Biologia, etc.
A este mecanismo de ampliação ou modificação de um esquema de assimilação, Piaget chamou de acomodação. E fica claro que, embora seja "provocado" pelo objeto, é também possível graças à atividade do sujeito, pois é este que se modifica para a construção de novos conhecimentos.
O conteúdo das assimilações e acomodações variará ao longo do processo de desenvolvimento cognitivo, mas a atividade inteligente é sempre um processo ativo e organizado de assimilação do novo ao já construído, e de acomodação do construído ao novo.
Fica assim estabelecida a relação do sujeito conhecedor e do objeto conhecido. Por aproximações sucessivas, articulando assimilações e acomodações, completa-se o processo a que Piaget chamou de adaptação. A cada adaptação realizada, novo esquema assimilador se torna estruturado e disponível para que o sujeito realize novas acomodações e assim sucessivamente.
O que promove este movimento é o processo de equilibração, conceito central na teoria construtivista.
Diante de um desafio, de um estímulo, de uma lacuna no conhecimento, o sujeito se "desequilibra" intelectualmente, fica curioso, instigado, motivado e, através de assimilações e acomodações, procura restabelecer o equilíbrio que é sempre dinâmico, pois é alcançado por meio de ações físicas e/ou mentais.
O pensamento vai se tornando cada vez mais complexo e abrangente, interagindo com objetos do conhecimento cada vez mais abstratos e diferenciados.

Os objetivos da educação numa visão Construtivista

 

Para Piaget, ter assegurado o direito à educação, significa ter oportunidades de se desenvolver, tanto do ponto de vista intelectual, como social e moral.
Cabe à sociedade, através de instituições como a família e a escola, propiciar experiências, trocas interpessoais e conteúdos culturais que, interagindo com o processo de maturação biológica, permitam à criança e ao adolescente atingir capacidades cada vez mais elaboradas, de conhecer e atuar no mundo físico e social.
Como enfatiza Piaget, a lógica, a moral, a linguagem e a compreensão de regras sociais não são inatas, ou seja, pré-formadas na criança, nem são impostas de fora para dentro, por pressão do meio. São construídas por cada indivíduo ao longo do processo de desenvolvimento, processo este entendido como sucessão de estágios que se diferenciam um dos outros, por mudanças qualitativas. Mudanças que permitam, não só a assimilação de objetos de conhecimento compatíveis com as possibilidades já construídas, através da acomodação, mas também sirvam de ponto de partida para novas construções (adaptação).
Para que este processo se efetive, é importante considerar o principal objetivo da educação que é a autonomia, tanto intelectual como moral.
Como afirma Kamii, seguidora de Piaget, "A essência da autonomia é que as crianças se tornam capazes de tomar decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação. Não pode haver moralidade quando alguém considera somente o seu ponto de vista. Se também consideramos o ponto de vista das outras pessoas, veremos que não somos livres para mentir, quebrar promessas ou agir irrefletidamente". (Kamii, 1986:72)

A forma que Piaget concebeu a ação do meio social sobre as possibilidades de cada indivíduo

 

Para Piaget: "O ser humano, desde o seu nascimento, se encontra submerso em um meio social que atua sobre ele do mesmo modo que o meio físico. Mais ainda, que o meio físico, em certo sentido, a sociedade transforma o indivíduo em sua própria estrutura, porque não somente o obriga a conhecer fatos, mas lhe fornece um sistema de signos completamente construídos que modificam seu pensamento, propõe-lhe valores novos e impõe-lhe uma cadeia definida de obrigações. É, portanto, evidente, que a vida social transforma a inteligência pelo conteúdo das permutas (valores intelectuais), pelas regras impostas ao pensamento - normas coletivas, lógicas ou pré-lógicas".
Na perspectiva construtivista de Piaget, estas pressões sociais e lingüísticas vão sendo exercidas sempre em interação com as possibilidades de cada indivíduo ao longo do processo de desenvolvimento.
Neste sentido, este autor afirma que a linguagem transmite ao indivíduo um sistema que contém noções, classificações, relações e conceitos produzidos pelas gerações anteriores. Mas a criança utiliza este sistema, seguindo sua própria estrutura intelectual. Se não tiver ainda construída a operação de classificação, uma palavra relativa a um conceito geral, será apropriada na forma de um preconceito, semi-individual e semi-socializado. Piaget exemplifica: a palavra "pássaro" evocará, então, o canário familiar.
Uma vez construída a operação de classificação e seu sistema de inclusão, novas possibilidades se abrem para o sujeito que é capaz de fazer deduções e inferências, de forma cada vez mais autônoma, ou seja, sem que precise ser "ensinado" a cada nova etapa do processo ensino-aprendizagem.
Esta é uma das contribuições mais promissoras do construtivismo para a Educação. Partir do ponto em que o aluno se encontra significa, do ponto de vista cognitivo, levar em consideração sua forma de pensar, perceber contradições, inconsistências, enfim, procurar identificar o que ele sabe e o que ainda precisa saber.

Os estágios de desenvolvimento por que passa o ser humano segundo a Teoria Construtivista de Piaget

 

Estágio sensório-motor - desenvolvimento inicial das coordenações e relações de ordem entre as ações, início de diferenciação entre os objetos e entre o próprio corpo e os objetos; aos 18 meses, mais ou menos, constituição da função simbólica (capacidade de representar um significado a partir de um significante). No estágio sensório-motor o campo da inteligência aplica-se a situações e ações concretas. (0 a 2 anos)
Estágio pré-operatório - reprodução de imagens mentais, uso do pensamento intuitivo, linguagem comunicativa e egocêntrica, atividade simbólica pré-conceitual, pensamento incapaz de descentração. (2 a 6 anos)
Estágio operatório concreto - capacidade de classificação, agrupamento, reversibilidade, linguagem socializada; atividades realizadas concretamente sem maior capacidade de abstração; (7 a 11 anos)
Estágios das operações formais (11/12 anos em diante) - transição para o modo adulto de pensar, capacidade de pensar sobre hipóteses e idéias abstratas, linguagem como suporte do pensamento conceitual;

Como Piaget e Vigotsky concebem o processo de desenvolvimento e os pontos de divergência entre estes dois teóricos

 

O referencial histórico-cultural apresenta uma nova maneira de entender a relação entre sujeito e objeto, no processo de construção do conhecimento.
Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), para Vigotsky, esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações interpessoais - para o plano individual interno - relações intra-pessoais.
Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vigotsky, não é apenas passivo, regulando por forças externas que o vão moldando; não é somente ativo, regulado por forças internas; ele é interativo.
Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura: a história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa construção estão presentes: as experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar. Então, ainda, presentes nesta construção a história e a cultura de outros indivíduos com quem a criança se relaciona e em outras instituições próximas como, por exemplo, a escola, ou contextos mais distantes da própria cidade, estado, país ou outras nações.
Mas, não devemos entender este processo como um determinismo histórico e cultural em que, passivamente, a criança absorve determinados comportamentos para reproduzi-los, posteriormente. Ela participa ativamente da construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.
Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vigotsky, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das funções mentais:
"O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que , de outra forma, seriam impossíveis de acontecer." (Vigotsky, 1987:101)
Esse aprendizado se inicia muito antes da criança entrar na escola, pois, desde que nasce e durante seus primeiros anos de vida, encontra-se em interação com diferentes sujeitos - adultos e crianças - e situações, o que vai lhe permitindo atribuir significados a diferentes ações, diálogos e vivências.
Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criança à escola seja importante para o seu desenvolvimento, Vigotsky atribui um valor significativo à aprendizagem escolar que, no seu dizer, "produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança". (1987:95)

Recomendações bibliográficas sobre Piaget e Vigotsky

Piaget J.:

·                     Para onde vai a educação? RJ, José Olympio, 1973.

·                     O desenvolvimento do raciocínio na criança. RJ, Record, 1977.

·                     Epistemologia Genética. SP, Martins Fontes, 1990.

·                     A formação do símbolo na criança. RJ, Sahar, 1973.

·                     Psicologia e Pedagogia. RJ, Forense, 1969.

·                     A linguagem e o pensamento. SP, Martins Fontes, 1986.

Vigotsky L.:

·                     A formação social da mente. SP, Martins Fontes, 1987.

·                     Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.

·                     Psicologia e Pedagogia. Lisboa, Estampa, 1977.

·                     Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. SP, Ícone, 1988.



[1] Centro de Informações Multieducação - Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro

< http://www.rio.rj.gov.br/multirio/cime/davigots.html > Acesso em março de 2005.

 

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