O PAPEL DO CARDIOLOGISTA NA AVALIAÇÃO DE PACIENTES CARDIOPATAS CANDIDATOS A CIRURGIAS NÃO CARDÍACAS.

 

 

 

Claudia Helena C.D. Roselino (1)

Délio Bontempo (2)

Paulo Roberto B. Evora (1)

 

 

 

 

 

(1) Médico do CECORP (Centro Especializado do Coração e Pulmão de Ribeirão Preto.

(2) Médico-residente do Serviço de Hemodinâmica do Hospital São Francisco e da Beneficência Portuguesa de Ribeirão Preto.

 

 

 

Endereço para correspondência

Rua Quintino Bocaiúva, 171

14015 -160 Ribeirão Preto, SP

 

 

 

- 1997 -

 

I - INTRODUÇÃO

A avaliação cardiológica pré-operatória, para cirurgias eletivas se faz necessária ao paciente cardiopata, e também ao paciente sem doença cardíaca, pois muitas vezes é feito diagnóstico de alguma patologia nesta ocasião. Já o paciente com cardiopatia que está compensado no pré-operatório pode ser incapaz de satisfazer as demandas aumentadas sobre o sistema cardiovascular, durante o período perioperatório, podendo ocorrer arritmias, edema pulmonar agudo, isquemia miocárdica, choque cardiogênico e / ou insuficiência cardíaca.

Com a freqüência e a seriedade das complicações cardiovasculares da anestesia geral e da operação estão consideravelmente aumentadas no paciente com doença cardiovascular conhecida, a magnitude destes riscos deve ser avaliada a fim de se decidir sobre a conveniência da cirurgia não cardíaca, no paciente cardiopata. Além disso, a expectativa e a qualidade de vida do paciente devem ser levadas em consideração.

II - PROGNOSTICADORES CLÍNICOS DAS COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS

A maioria dos pacientes cardíacos num estado compensado tolera bem os procedimentos de cirurgia geral. Entretanto, foram descritos vários perfis clínicos ou característicos que prospectivamente, predizem as complicações indesejáveis que ocorrem durante ou após a cirurgia. As complicações mais preocupantes incluem o infarto agudo do miocárdio, a morte cardíaca, a insuficiência cardíaca congestiva, as arritmias e a endocardite. O determinante mais importante é a arterosclerose coronariana.

1. Prognosticações pré-operatórios do infarto agudo do miocárdio pós-operatório: Em uma metanóilise de dez relatos incluindo 46.022 pacientes com e sem cardiopatia pré-existente, Rose eta al. Constataram que pacientes com cardiopatia pré-existente evidenciaram um aumento de oito vezes no IAM pós-operatório (prevalência de 5,5%), em comparação com os pacientes sem doença pré-existente (prevalência de 0,7%). Com base em um extenso levantamento, feito pela Mayo Clinic e abrangendo 32.877 pacientes constatou-se, também, uma relação temporal para este evento. Os pacientes operados dentro de três meses após um IAM, tinham uma taxa de reinfarto de 37%. Depois deste período a taxa declinava para 16% após três meses e para 4,5% após seis meses. Os infartos pós-operatórios, entre 1962 e 1978, foram responsáveis por uma mortalidade de 54 a 83%. O peso desta evidências é tão convincentes que levou a maioria dos investigadores a se pronunciar contra a cirurgia eletiva para pacientes com história de IAM dentro dos seis meses precedentes. Em um estudo prospectivo detalhado, Goldman et al. acompanharam a evolução clínica de 1001 pacientes consecutivos internados de outubro de 1975 a abril de 1976 no Massachusetts General Hospital. De todos os sinais e sintomas de cardiopatia obtidos na história pré-operatória, exame físico, ECG, e RX de tórax, apenas cinco tinham valor preditivo no sentido de prognosticar IAM: 1) idade avançada (mais de 70 anos); 2) evidência clínica de insuficiência cardíaca (ortopnéia, edema e dispnéia); 3)achados físicos de insuficiência mitral; 4) cinco ou mais extra-sístoles ventriculares por minuto; 5) uma aorta tortuosa ou calcificada no RX de tórax.

2. Prognosticadores pré-operatórios de morte cardíaca pós-operatória: Quando comparada com a relativa especificidade dos prognosticações para o IAM, os prognosticações de morte cardíaca são muito menos específicos. Estes prognosticações inespecíficos incluem uma história médica de isquemia ou IAM, evidência física de IBC apesar do tratamento, de insuficiência mitral ou de estenose aórtica significativa, cardioplegia ao RS e alterações do CG , incluindo alterações do ritmo cardíaco (várias modalidades de arritmias supraventriculares, e batimentos ectópicos atriais ou ventriculares).

3. Prognosticadores pré-operatórios de insuficiência cardíaca congestiva pós-operatória. Dos prognosticadores mais disponíveis o conhecimento de ICC pré-operatória, uma idade superior a 60 anos, ECG anormal, intensidade do estresse cirúrgico foram os mais úteis. Os pacientes com cardiopatia valvar mitral ou aórtica também parecem correr um risco ligeiramente maior. História de angina, IAM recente, uso de betabloqueadores, independentemente, não impunham nenhum risco adicional. Pode-se prever que a complicação representada por insuficiência ventricular esquerda pós-operatória é preocupante. Quarenta por cento dos pacientes que têm edema pulmonar morrem de causas cardíacas. OS pacientes com ICC mas que não têm historia de edema pulmonar não são vítimas potenciais de morte cardíaca.

4. Arritmias cardíacas: Estão relacionadas com hipoxemia, agentes anestésicos, estresse da indução anestésica, operações que influenciam o tônus neural autonômico, presença de ICC e alterações do equilíbrio ácido-base e hidroeletrolíticos. Felizmente, essas arritmias são essencialmente benigna e, em sua maioria, respondem ao tratamento criterioso da causa primária. O problema relacionado com as bradiarritmias e distúrbios da condução tem sido uma área de alguma controvérsia, e, no passado, a opinião cardiológica estava dividida acerca da necessidade de um marca-passo temporário profilático para a cirurgia, mesmo quando o paciente se apresentava assintomático. A opinião atual argumenta contra essas recomendações, pois as complicações intra-operatórias são raras. O aparecimento de fibrilação atrial ou flutter ou taquicardia ventricular durante o período de recuperação cirúrgica deve alertar os médicos para uma enfermidade ameaçadora que requer uma pesquisa imediata de possíveis problemas clinicamente corrigíveis.

5. Endocardite. A maioria dos pacientes com shunts congênitos, insuficiências valvares. E portadores de qualquer tipo de prótese correm um maior risco de endocardite. As exceções notáveis incluem o prolapso valvar mitral ou calcificação anular sem regurgitação, trombo mural por IAM prévio e hipertrofia septal assimétrica sem obstrução ao fluxo anterógrado nem regurgitação mitral. Outros fatores que predispõem as pessoas às infecções por comprometerem a resistência do hospedeiro incluem diabetes, alcoolismo, enfermidade com imunodisfunção ou terapia com esteróides e a idade avançada.

III - AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA

Atualmente, com os novos progressos da Medicina, pacientes com diferentes formas de cardiopatia, antes com elevada morbi-mortalidade, apresentam-se comumente para cirurgias não cardíacas.

Esta avaliação pré-operatória consiste em evidenciar uma doença não conhecida, de determinar seu grau de comprometimento funcional e oferecer propostas para minimizar o risco de complicações.

Tradicionalmente, a avaliação do paciente candidato a cirurgia não cardíaca é baseada na introdução de testes diagnósticos específicos para o período pré-operatório e aplicação de índices de risco. Diversos fatores prognósticos, como a idade, a história de infarto do miocárdio, a presença ou antecedentes de insuficiência cardíaca, diabete, arritmias, angina, hipertensão, doença valvar, vasculopatia periférica, tabagismo, cirurgia cardíaca prévia e medicações com efeito cardiovascular, têm sido computados nessas tabelas de avaliação do risco cirúrgico.

Para o paciente com história de doença cardíaca, a avaliação deve ser sempre complementada pelo eletrocardiograma e radiografia de tórax. Deve-se orientar a história pesquisando-se a estabilidade dos sintomas, a eficácia da terapeutica vigente e o estado funcional do paciente.

Normalmente o cardiologista é requisitado para efetuar a avaliação pré-operatória, na tentativa de identificar riscos de complicações cardiológicos e se possível, minimizá-los. Solicita-se na maioria das vezes esta avaliação para os pacientes com idade acima de 40 anos e portadores de fatores de riscos para doença cardiovascular, que serão submetidos a cirurgias de grande porte. Atribuições ao médico cardiologista nesta avaliação pré-operatória :

    • Estratificar o risco
    • Desaconselhar a cirurgia quando o risco for inaceitável
    • Orientar quanto aos cuidados peri-operatório

Deve-se sempre ser colocado em primeiro plano a lembrança de que os pacientes portadores de doença cardiovascular apresentam uma mortalidade operatória duas vezes maior quando comparada aos pacientes sem doença cardíaca , já que as resposta hemodinâmica perante ao estresse cirúrgico e anestésico são alterados, propiciando o aparecimento das complicações cardiológicas.

Os pacientes deverão ser analisados respeitando-se uma determinada ordem de avaliação, a fim otimizar os resultados da mesma. A história clínica bem fundamentada, acompanhada de exame físico completo, associado posteriormente com a realização de exames complementares de forma racional, propicia a formação de uma Classificação de Risco Cardiológico baseado em três tabelas normativas que serão apresentadas nesta revisão, cujo objetivo maior é analisar, de forma sistemática, a influência da doença cardiovascular subjacente sobre o risco cirúrgico. As doenças cardiocirculatórias exigem especial atenção:

1. Pacientes com potencial Doença Arterial Coronária: Os adultos maiores de 40 anos de idade, sem isquemia coronariana conhecida, tem risco de 1% para infarto do miocárdio durante ou após a cirurgia não cardíaca. Quando existe doença arterial coronária conhecida, este risco eleva-se para 4 a 5%. Os pacientes idosos, diabéticos e com vasculopatia periférica, possuem risco potencial de serem portadores de insuficiência coronária assintomática, devendo ser cuidadosamente avaliados. Portanto nesta avaliação deve constar teste de esforço ou mesmo a análise da perfusão miocárdica com tálio e dipiridamol.

2. Infarto do Miocárdio prévio: Na década de 70 considerava-se apenas o tempo decorrido do infarto. Considerava-se um risco de cerca de 30% de infarto ou morte cardíaca, quando o paciente era operado 3 meses após o infarto do miocárdio prévio, um risco de cerca de 15% quando a operação era realizada 3 a 6 meses após um infarto prévio e de cerca de 5% quando realizada após 6 meses. Existe hoje uma série de critérios recomendados no sentido de estabelecer-se parâmetros prognósticos mais precisos. Entre esses critérios incluem-se função ventricular atual, história de complicações existentes na época do infarto, tempo de internação, insuficiência cardíaca e, eventualmente, situação anatômica do leito coronariano obtido pelo cateterismo. Baseando-se nessas considerações pode-se recomendar, sempre que possível, esperar no mínimo de 6 meses após o infarto para programar uma operação eletiva, ou no mínimo de 4 a 6 semanas após o infarto, proporcionando tempo para cicatrização da área infartada. Em situações de emergência, que requeiram cirurgia após o infarto do miocárdio, não podendo haver espera adequada, o planejamento anestésico deve incluir monitorização hemodinâmica invasiva, controle rigoroso da hemostasia circulatória e observação pós-operatória prolongada em terapia intensiva.

3. Angina do peito: Na avaliação deste paciente, deve-se estabelecer a característica da angina, se estável ou instável, o grau de limitação funcional do paciente e a eficácia da terapêutica medicamentosa instituída. O protocolo "Escala de Atividade Específica" certifica a tolerância ao exercício real do paciente e deve ser usada para classificar o paciente:

  • Classe I : o paciente realiza atividade física regular.
  • Classe II: o paciente está apto a realizar algum tipo de atividade física. (compatível com o estresse imposto por cirurgias de médio porte)
  • Classe III e IV: pacientes muito limitados pelos sintomas. (teoricamente, não suportariam o estresse de operações de médio e pequeno porte)

Em resumo, existe muita controvérsia sobre as condutas a serem tomadas frente o paciente anginoso que necessita cirurgia não cardíaca. Os pacientes com história de angina estável possuem riscos similares àqueles que sofreram infarto por um período superior a 6 meses e que estão evoluindo bem.

Em casos de cirurgias de grande porte (por exemplo: aneurisméctomia de aorta abdominal) que impõem grande estresse metabólico, vão depender da reserva coronária. O teste ergométrico deve ser solicitado e naqueles pacientes com problemas ortopédicos ou vasculares, que possuem limitação a atividade física, a cinecoronáriografia ou análise da perfusão miocárdica com tálio e dipiridamol são opções razoáveis. Dependendo dessa avaliação, pode ser aventada a hipótese de realização de angioplastia transluminal, ou cirurgia de revascularização do miocárdio previamente à cirurgia não cardíaca.

3. Cirurgia de Revascularização do Miocárdio: Se a cirurgia foi bem sucedida, estes pacientes podem sofrer grandes procedimentos cirúrgicos não cardíacos com baixa taxa de mortalidade. Sempre que possível a cirurgia não cardíaca deve ser realizada após no mínimo 30 dias após a cirurgia cardíaca.

4. Arritmias e outras alterações eletrocardiográficas: As arritmias são muitas vezes, uma manifestação de cardiopatia subjacente, e daí serem marcadores freqüentes da probabilidade de complicações cardíacas perioperatórias.

Na presença de ondas Q não relacionadas a história clínica de infarto do miocárdio, o mesmo deve ser considerado como recente e todas as recomendações anteriormente citadas devem ser seguidas. Alterações no segmento ST e na onda T sugerem doença arterial coronária, valvopatias, miocardiopatia hipertensiva ou cardiomiopatia. Na ausência de sintomas, tais alterações podem não significar maior risco cirúrgico, mas devem redobrar os cuidados na avaliação pré-operatória. A presença de arritmia atrial ou ventricular no eletrocardiograma pode significar doença de base mais séria, e confere maior risco durante e após o procedimento cirúrgico.

A conduta é manter-se a medicação em uso no período pré-operatório e, no caso de arritmias ventriculares, pode ser utilizada solução de lidocaína, principalmente em pacientes com antecedentes de taquicardia ventricular. Em relação às alterações do sistema de condução observadas no eletrocardiograma, como o bloqueio atrioventricular ou retardo na condução, a presença de bloqueio fascicular ou bloqueio de ramo pode sugerir doença cardíaca de base.

Paralelamente à investigação cardiológica, a pergunta que se faz está relacionada à instalação de marca-passo provisório no pré-operatório. Reflexos vagais e mesmo a ação de agentes anestésicos podem tornar a freqüência cardíaca mais lenta, interferindo na formação ou condução dos impulsos elétricos. Recomenda-se marca-passo provisório sempre que se observar, no eletrocardiograma, bloqueio atrioventricular total, bloqueio atrioventricular de primeiro grau e doença do nó sinusal, e em determinadas situações, como bradicardia sinusal intensa não responsiva à atropina, taquiarritmias supraventriculares, que não respondem bem a terapêutica medicamentosa. O bloqueio de ramo isolado não é fator prognóstico importante de complicações pós-operatórias ou indicação profilática de marca-passo.

5. Portadores de Marca-passo definitivo: Os portadores de marca-passo programáveis e que necessitam qualquer operação devem ser submetidos a avaliação cardiológica completa principalmente no que se refere à função ventricular e ao funcionamento do gerador. Todos os agentes e técnicas de anestesia podem ser utilizados com segurança em presença de marca-passo implantado, pois não interferem com o limiar de estímulo. Ressalvas devem ser feitas com miopotenciais gerados por fasciculações musculares que ocorrem após injeção de succinilcolina. Esses potenciais elétricos podem sobrepor-se aos potenciais cardíacos, inibindo a geração de impulsos. Essa mesma situação pode acontecer com potenciais elétricos que ocorrem durante tremores generalizados durante o despertar da anestesia. O uso de eletrocautério também pode interferir com a geração dos impulsos pelo marca-passo. Se o aparelho utilizado for externo, deve-se mantê-lo assincrônico durante as descargas elétricas. Os modelos implantados programáveis e não-programáveis são transformados em assincrônicos por meio de um magneto colocado sobre o gerador, não sofrendo interrupção ao ser estimulados pelos sinais elétricos liberados pelo eletrocautério. Ao término da operação o magneto é removido, o marca-passo pode ser reprogramado e o não-reprogramável volta a sua atividade sincrônica primitiva. Para qualquer tipo de gerador, algumas recomendações são válidas:

    • usar o eletrocautério em curtos intervalos de tempo;
    • colocar a placa correspondente ao terra o mais distante possível do gerador;
    • usar a menor corrente possível para coagulação ou corte;
    • enquanto utilizar o eletrocautério, palpar continuamente o pulso do paciente.

6. Hipertensão Arterial: Vários estudos documentam que pacientes com hipertensão apresentam maiores riscos de sofrerem complicações cardíacas, durante ou logo após a operação, do que nos normotensos. Sendo a maior parte deste risco aumentado, devido a cardiopatia isquêmica, disfunção ventricular esquerda, insuficiência renal ou outras anormalidades que podem estar presentes nos pacientes hipertensos. Sugere-se a classificação do paciente hipertenso, em 3 tipos:

    • pacientes adequadamente tratados, com hipertensão controlada.
    • pacientes sem terapêutica e com hipertensão presente.
    • casos graves, com hipertensão refratária ao tratamento.

É aconselhado portanto que nos casos de hipertensão não tratada ou mal controlada, que se adie a operação até seu efetivo controle. Nos casos de urgência, o nitroprussiato de sódio por via intravenosa pode manter a pressão arterial no período operatório. Nos casos de hipertensão tratada irregularmente ou refratária ao tratamento, os órgãos alvos ( vasos, coração, cérebro e rins ) estão sob maior risco, implicando elevada morbi-mortalidade perioperatória e instabilidade hemodinâmica durante a anestesia devido os seguintes mecanismos:

    • acentuação da hipoatividade do sistema nervoso simpático.
    • atenuação das respostas dos baroreceptores
    • efeito acentuado dos anestésicos nos vasos de resistência e contratilidade miocárdica.

Quanto ao período pós-operatório, o aparecimento de reações hipertensivas, podem ser controlados com bloqueadores de canais de cálcio via sublingual ou nitroprussiato por via intravenosa.

7. Portadores de Cardiopatia Valvular: Estes pacientes quando submetidos a anestesia e operação são sujeitos a muitos perigos potenciais como insuficiência cardíaca, infecção, taquicardia e embolização.

Os pacientes com nenhuma ou apenas leve limitação das atividades, classe I ou II, toleram bem cirurgias não cardíacas, necessitando apenas profilaxia para endocardite infecciosa. Os pacientes com distúrbios mais graves da reserva cardíaca, classe III ou IV, toleram mal as grandes cirurgias não cardíacas, com prognóstico ruim de sobreviverem à operação.

Nos pacientes com cardiopatia valvular, dependendo da duração e gravidade da doença e da extensão das modificações na geometria ventricular, a contratilidade pode estar afetada em graus diversos. Se algum grau de insuficiência cardíaca está presente, é fundamental que se tenha o controle no pré-operatório.

Pacientes com estenose mitral ou aórtica crítica sintomática, apresentam uma tendência especial à morte súbita ou a edema pulmonar agudo durante o período perioperatório. Os pacientes com doença valvular regurgitante ou estenótica severa, devem ser submetidos a cirurgia valvular corretiva, antes de uma cirurgia eletiva.

Os pacientes portadores de próteses valvulares mecânicas, que recebem terapêutica anticoagulante oral à base de cumarínicos, como profilaxia de tromboembolismo, devem ter esta medicação suspensa alguns dias antes da operação e deve ser obtido coagulograma completo. Na necessidade de urgência operatória a atividade de Protrombina pode ser corrigida com plasma fresco congelado, que é rico em fatores dependentes da vitamina K. Quando existe maior risco de tromboembolismo, como no caso de prótese metálicas, um esquema com heparina endovenosa pode ser utilizado até 4 horas antes da cirurgia e imediatamente após.

Outro aspecto a ser levado em consideração, é o fato de pacientes com valvulopatias possuírem alto risco de desenvolver endocardite bacteriana, conseqüente a bacteremias ocorridas no intraoperatório, principalmente em operações ou procedimentos na cavidade oral, no trato geniturinário, no trato gastrintestinal ou em cirurgias ginecológicas. Sendo necessário a instituição de profilaxia antibiótica no pré-operatório. Alguns esquemas são utilizados:

*Cirurgias ou procedimentos na Cavidade Oral ou Trato Respiratório:

    • Amoxacilina 3 g. V.O. 1 hora antes do procedimento e 1,5 g. 6 horas após a dose inicial; ou
    • Pen-V-oral 4 cp. 1 hora antes do procedimento e 2 cp. 6 horas após a dose inicial; ou
    • Eritromicina 1 g. 2 horas antes do procedimento e 1g. 6 horas após a dose inicial; ou
    • Ampicilina 2 g. E.V. ou I.M. 30 min. antes do procedimento e 1 g. E.V. 6 horas após a dose inicial; e associar Gentamicina 1,5 mg./kg E.V. ou I.M. não excedendo 80 mg dose total, 30 min. antes do procedimento, nos casos de pacientes portadores de próteses valvares ou história de endocardite prévia.; ou
    • Vancomicina 1 g. E.V. 1 hora antes do procedimento.

*Procedimentos endoscópicos sobre Trato Geniturinário ou Gastrintestinal:

    • Ampicilina 2g. E.V. ou I.M. mais Gentamicina 1,5 mg/kg E.V. ou I.M. 30 min. antes do procedimento, não exceder 80 mg. Dose total. Repetir 8 horas após a dose inicial; ou
    • Vancomicina 1 g. E.V. 1 hora antes do procedimento.

8. Insuficiência Cardíaca: O risco de intercorrências aumenta proporcionalmente à classe funcional pré-existente e todos os esforços devem ser feitos no pré-operatório para compensação cardíaca. Por outro lado, pacientes muito depletados de volume podem desenvolver hipotensão arterial ocasionada pela vasodilatação imposta pela anestesia geral ou regional. Nas cirurgias de grande porte, que normalmente transcorrem com grandes desvios da volemia, deve haver monitorização hemodinâmica invasiva. Pacientes refratários à terapêutica convencional, ou quando não houve tempo hábil para a compensação, podem beneficiar-se da vasodilatação decorrente da anestesia espinhal ou epidural. Baseado em monitorização adequada recomenda-se, durante a anestesia, a infusão contínua de inotrópicos como a dobutamina, dopamina ou amrinona, no sentido de tornar o débito cardíaco o melhor possível. Cerca de 20% dos pacientes com história pregressa de edema pulmonar podem desenvolver quadro semelhante no período pós-operatório. O risco é particularmente importante ao término da ventilação mecânica, quando aumenta o retorno venoso, e no primeiro e segundo dias de pós-operatório, quando o líquido armazenado no terceiro espaço ganha a circulação e sobrecarrega o coração.

Muitas vezes, a própria demanda metabólica do pós-operatório acaba por descompensar definitivamente a insuficiência cardíaca. Recomenda-se, portanto, a manutenção do paciente em unidade de terapia intensiva até sua completa estabilização esteja assegurada.

9. Cardiopatia congênita. A maioria dos pacientes portadores de cardiopatia congênita necessitam de receber antibióticos profiláticos contra a endocardite bacteriana. Pacientes portadores de cardiopatia congênita cianótica com hematócrito superior a 65% podem necessitar cuidadosa flebotomia com reposição volêmica para diminuir a chance de trombose e hemorragia no intra e pós-operatório.

10. Embolia pulmonar. Pacientes com fatores de risco para esta patologia devem utilizar meias elásticas ou profilaxia com heparina de baixo peso molecular (5000 a 10000 unidades a cada 8 ou 12 horas) pela via subcutânea, iniciando-se, de preferência, 10 a 24 horas antes da cirurgia. A heparina deve se evitada em pacientes submetidos a cirurgia oftálmica, neurocirurgia e anestesia espinhal.

11. Diabete. Pacientes diabéticos apresentam risco aumentado para isquemia miocárdica silenciosa e insuficiência cardíaca. A terapêutica perioperatória deve ser utilizada para controlar a glicemia entre 80 a 180 mg/dL.

 

IV - C0NTROLE DAS MEDICAÇÕES CARDÍACAS NO PRÉ-OPERATÓRIO.

1. Bloqueadores dos canais de cálcio. Os antagonistas do cálcio são utilizados para o tratamento da isquemia miocárdica, arritmias supraventriculares e hipertensão arterial. Diminuem o consumo de oxigênio do miocárdio pelo aumento da oferta e diminuição das necessidades de oxigênio, diminuindo a resistência coronariana, principalmente em condições de vasoespasmo. Simultaneamente, causam inotropismo negativo, diminuem a resistência vascular sistêmica e, provavelmente, protegem o miocárdio diretamente das reações adversas do cálcio. O diltiazem e o verapamil, ao contrário da nifedipina, reduzem o inotropismo no coração intacto. Todos estes efeitos são, em teoria, benéficos no período pré-operatório. Estudos randomizados demonstram que a administração de doses moderadas de antagonistas do cálcio, não causa efeitos hemodinâmicos adversos. Alguns estudos não demonstraram efeitos adversos destes medicamentos utilizados cronicamente e administrados no período pré-operatório. Portanto, nifedipina, diltiazem e verapamil podem ser mantidos, ministrando-se a última dose na manhã da cirurgia. Ressalte-se que estudos demonstram que estas drogas não diminuem a incidência de eventos isquêmicos perioperatórios.

2. Betabloqueadores. São utilizados principalmente no tratamento de angina do peito estável induzida por exercícios, sem espasmo coronariano, em pacientes com boa função ventricular. São utilizados, também, para o tratamento de arritmias cardíacas, hipertensão arterial e manifestações de doenças sistêmicas variando desde o hipertiroidismo até o tratamento da enxaqueca. Os betabloqueadores diminuem a contratilidade e a frequência cardíacas, além de diminuir a produção de renina por bloqueio de receptores 1. Podem causar constrição da musculatura brônquica e vascular, redução da produção de glicose e insulina, e deslocamento extracelular do potássio por bloqueio de receptores 2. Os betabloqueadores são, em geral, benéficos no pré-operatório, e a sua suspensão abrupta pode levar ao fenômeno do "rebote", manifestado por nervosismo, taquicardia, palpitações e, mesmo infarto agudo do miocárdio, arritmias ventriculares e morte súbita. Estudos demonstram que o tratamento pré-operatório com betabloqueadores, em contraste com os antagonistas do cálcio, reduz a taquicardia perioperatória e reduz a incidência de eventos isquêmicos. Portanto, a administração de betabloqueadores pode ser mantida até na manhã da cirurgia. Deve-se ter o cuidado de substituir, na véspera da cirurgia, betabloqueadores de curta por duração pelos bloqueadores de ação duradoura.

3. Digitálicos. São utilizados no pré-operatório no controle da insuficiência cardíaca e na redução da frequência cardíaca da fibrilação e do flutter atrial. Algumas considerações sobre estes medicamentos são necessárias:

1. Os riscos da toxicidade digitálica estão aumentados no período pré-operatório por alterações da volemia, hipocalemia e hiperventilação. Acresça-se que os benefícios do digital é marginal, podendo ser substituído por inotrópicos endovenosos. Portanto, os digitálicos utilizados no pré-operatório devem ser evitados ou substituídos por outros inotrópicos endovenosos se houver necessidade.

2. Digitálicos utilizados no tratamento de resposta ventricular rápida à fibrilação ou flutter atriais, por outro lado, são bastante eficientes e de fácil titulação utilizando a frequência cardíaca com guia. A sua eficiência pode ser testada no pré-operatório, pela resposta da frequência cardíaca ao exercício. O digital pode ser continuado até a manhã da cirurgia, ser utilizado em pequenas doses no intra-operatório, porém, monitorizando-se cuidadosamente os níveis séricos de potássio.

4. Vasodilatadores. Os nitratos orais são usados na prevenção de vasoconstrição coronariana e na manutenção da dilatação de vasos venosos de capacitância (para diminuir a isquemia miocárdica), em pacientes portadores de doença coronariana. Pelo fato da suspensão abrupta destes medicamentos poder precipitar isquemia miocárdica, as preparações orais e sublinguais podem ser substituídas pela aplicação subcutânea da nitroglicerina e utilização desta ou do mononitrato de isosorbitol endovenoso no intra-operatório. Pelo fato da nitroglicerina subcutânea ter ação prolongada ela deve ser removida no pré-operatório, ou antes do início da medicação endovenosa.

Vasodilatadores tipo hidralazina, prazosin e inibidores da ECA. utilizados para diminuição da pós-carga nas insuficiências mitral ou aórtica e na insuficiência cardíaca refratária podem ser utilizados até 6 horas antes da cirurgia. se houver necessidade da manutenção de vasodilatação pode-se utilizar o nitroprussiato por via endovenosa.

5. Antiarrítmicos. O tratamento das arritmias ventriculares pode ser mantido no pré-operatório. Ressalte-se que drogas antiarrítmicas tais como a disopiramida, flecainamida, encainamida parecem estar associadas a um aumento de mortalidade em pacientes que sofram infarto do miocárdio. Felizmente, estas drogas não são tão populares em nosso meio, onde se utilizam mais a amiodarona e os betabloqueadores, que, efetivamente controlam arritmias cardíacas e diminuem a incidência de morte súbita.

V - AVALIAÇÃO DO RISCO

Certos problemas cardiovasculares como infarto agudo do miocárdio recente (menos de 3 meses), insuficiência cardíaca congestiva inadequadamente tratada, estenose aórtica ou mitral severa, são contra- indicações absolutas à cirurgia eletiva.

As contra-indicações relativas incluem infarto do miocárdio mais remoto (3 a 6 meses antes), angina, insuficiência cardíaca leve, cardiopatia congestiva cianótica com policitemia severa, e anormalidades da coagulação.

Vários outros problemas devem ser reconhecidos e tratados, antes da cirurgia: anemia, hipovolemia, policitemia, doença pulmonar causando hipoxemia, hiporesponsibilidade adrenal secundária á administração de esteróides adrenais, hipertensão, anormalidades eletrolíticas bem como toda gama de arritmias cardíacas.

Deve-se exercer um julgamento considerável quando um ou mais dos problemas acima citados estiverem presentes. E ao mesmo tempo lembrarmos que alguns pacientes apresentam razões obrigatórias para a cirurgia, e que a avaliação do risco operatório é uma tarefa desnecessária, pois a falha em operar pode resultar na morte do paciente, por exemplo, ruptura de aneurisma aórtico, intestino perfurado ou necrosado, hemorragia capaz de ameaçar a vida, ou algumas formas de obstrução intestinal.

Algumas tabelas são usadas para avaliar o risco cirúrgico de um paciente. O cardiologista poderá utilizá-las ou personalizá-las :

 

 

 

Tabela 1 - Índice multifatorial de risco (GOLDMAN )

CRITÉRIOS PONTOS

Idade > 70 anos.............................................................................................................5

I.A.M. nos últimos 6 meses..........................................................................................10

Terceira bulha ou estase jugular..................................................................................11

Estenose Aórtica Severa................................................................................................3

Ritmo não sinusal ou ESSV...........................................................................................7

5 ESV/ min. antes da cirurgia.........................................................................................7

Cirurgia intraperitoneal, torácica ou aórtica.................................................................3

Cirurgia de Emergência................................................................................................. 4

Condições Gerais:...........................................................................................................3

a - pO2 < 60 ou pCO2 > 50 mmHg

b - K < 3,0 ou HCO2 < 20

c - Uréia > 50 ou Creat. > 3,0

d - Anormalidades da TGO, sinais de

doença hepática.

Total de pontos possíveis = 53

Classe I ........( 0 a 5 pontos )..................Baixo risco

Classe II........(.6 a 12 pontos )................Médio risco ( pode ser melhorado )

Classe III.......(13 a 25 pontos ).............. Necessita criteriosa avaliação

Classe IV.......(acima de 26 pontos ).......Somente as cirurgias "Salvadoras de Vida "

 

Nota: O índice de Goldman é bastante utilizado. Os pacientes em Classe I ( 0 a 5 pontos ) e Classe II ( 6 a 12 pontos ) apresentam complicações menores que aqueles em Classe III ( 13 a 25 pontos ) e Classe IV ( acima 26 pontos ). Indica-se somente as cirurgias "salvadoras de vida" para a Classe IV e com uma criteriosa avaliação para os da Classe III. Sempre deve ser lembrado que alguns dos critérios estabelecidos são mutáveis, ou seja, há a possibilidade de controlar os fatores, diminuindo-se o risco cirúrgico. A cirurgia eletiva deverá sempre ser adiada até o momento da resolução de determinados fatores como febre, ICC, distúrbios eletrolíticos, anemia, IAM recente ...

 

 

 

Tabela 2 - Sociedade Americana de Anestesiologia

    • Normal saudável
    • Com doença sistêmica leve
    • Com doença sistêmica grave
    • Com doença sistêmica grave/Ameaça constante à vida
    • Moribundo/Difícil sobrevivência por 24 horas com ou sem operação

 

* Nota - Esta classificação é utilizada rotineiramente pelos anestesiologistas na visita pré-anestésica. Utiliza a classificação do status físico o qual não só se aplica a pacientes com doença cardíaca, como também a pacientes com outros tipos de doença..

 

 

 

 

Tabela 3 - Classificação da New York Heart Association

    • Ausência de sintomas ou sintomas de mínima intensidade.
    • Sintomas pouco intensos
    • Sintomas intensos
    • Sintomas muito intensos ou paciente descompensado

 

* Nota: Esta classificação atualmente já não é tão mais utilizada para a finalidade de se estabelecer risco cirúrgico.

 

 

 

Tabela 4 - Avaliação da probabilidade de complicações cardíacas.

 

Tipo de paciente Classe I Classe II Classe III Classe IV

 

Pequena cirurgia 0,3% 1% 3% 19%

Pacientes consecutivos

não selecionados, acima

de 40 anos, submetidos a

grande cirurgia não cardía-

ca 1,2% 4% 12% 48%

Pacientes de cirurgia de

aneurisma aórtico abdo-

minal ou com > 40 anos

e submeteram-se a con-

sultas médicas prévias 3% 10% 30% 75%

 

* "Qualquer índice para prever complicações cardíacas deveria ser visto como uma ajuda, e não como uma muleta; e deveria suplementar, e não substituir, o julgamento clínico".

 

 

 

VI - AVALIAÇÃO INTRA-OPERATÓRIA

A adequada monitorização intra-operatória tornou-se mandatória hoje em dia na anestesia, principalmente nos pacientes cardiopatas.

1. Pressão arterial - A verificação da Pressão Arterial se faz de uma maneira invasiva ( através da cateterizacão de uma artéria periférica ) principalmente nos pacientes de alto risco ou através de procedimento não invasivo para situações mais estáveis.

2. Eletrocardiograma - É de fundamental importância a presença de monitorização eletrocardiográfica no intra-operatório, pois este demonstra através do traçado alterações isquêmicas e/ou arritmias, propiciando o diagnóstico precoce da isquemia miocárdica, diminuindo diretamente a morbidade pós-operatória.

3. Cateterização da artéria pulmonar - A cateterização da Artéria Pulmonar se faz de real importância em pacientes cardíacos ASA III e IV, obtendo-se parâmetros extremamente úteis :

    • orientação à reposição volêmica
    • orientação quanto à função cardíaca
    • valores da resistência vascular periférica
    • presença de isquemia miocárdica ( elevação súbita da PCP podem sugerir alteração da complacência ventricular esquerda aguda por isquemia )

4. Ecocardiograma transesofágico: A partir de 1983, ganhou a monitorização intra-operatória o uso de ecocardiograma transesofágico , possibilitando a análise dos seguintes parâmetros:

    • contração segmentar
    • análise da função miocárdica
    • volumes diastólicos dos ventrículos e átrios

Deve ser sempre lembrado a cascata da isquemia miocárdica, em que a detecção da mesma é mais precoce utilizando-se o Ecocardiograma em detrimento ao ECG, ocasionada pela alteração precoce da contratillidade miocárdica segmentar. Como desvantagem deste procedimento, é a necessidade de um especialista assim como o seu elevado custo operacional.

 

 

VII - ESTRESSE INTRA-OPERATÓRIO

Sabe-se que o estresse intra-operatório desencadeia grande demanda ao sistema hemodinâmico, trazendo com isto as maiores complicações principalmente nos pacientes cardiopatas. São consideradas como complicações o infarto agudo do miocárdio, arritmias, edema agudo dos pulmões, angina e a morte por causas cardíacas. Embora, na maioria das vezes, o controle intra-operatório seja da responsabilidade do anestesiologista, muitas vezes o cardiologista é solicitado, até por familiares, "para acompanhar a cirurgia", devendo ter o conhecimento das implicações do estresse intra-operatório. Os momentos de maior incidência de complicações no trans-operatório são:

  • Durante a indução anestésica, é necessário a dosagem adequada dos anestésicos, para não promover hipotensão arterial por vasodilatação ou depressão miocárdica, assim como não desencadear descargas adrenérgicas caracterizadas por hipertensão e taquicardia
  • Durante a retirada da ventilação mecânica quando haverá aumento do retorno venoso, aumentando a incidência de edema agudo dos puilmões
  • Reações hipertensivas desencadeadas por descarga adrenérgica ao despertar
  • Maior freqüência de congestão pulmonar, ICC e IAM no segundo dia pós-operatório, devido à reabsorção de líquidos do terceiro espaço.

A principal meta da anestesia é manter as condições hemodinâmicas dentro da maior estabilidade possível.

 

 

VIII - TÉCNICA ANESTÉSICA

O cardiologista que se propõe a exercer atividades com o paciente cirúrgico deve ter noção sobre as técnicas anestésicas em pacientes portadores de doença cardíaca (local com ou sem sedação, regional, geral ou combinação de anestesia regional ou geral ) é totalmente dirigida pela experiência do anestesista, assim como pelo local e tipo de operação a ser realizada. A utilização da anestesia local apoiada com sedação, deve apresentar alguns cuidados a serem respeitados :

  • dosagem do anestésico calculado adequadamente
  • sedação ideal, ou seja, sem comprometimento do padrão ventilatório
  • o não uso de epinefrina no anestésico, principalmente nos coronariopatas

Pacientes, principalmente do grupo urológico e ortopédico, apresentam uma menor taxa de morbi-mortalidade quando empregado a técnica anestésica regional, acreditando-se que as vantagens de tal procedimento são multifatoriais, como menor perda sangüínea e incidência de fenômenos tromboembólicos diminuídos.

Existem defensores na combinação entre a técnica regional e a geral, porém há estudos recentes comparando a anestesia regional associada à geral versus anestesia geral ou regional, onde não conseguiram demonstrar qualquer vantagem ou desvantagem de uma técnica sobre a outra, no acompanhamento do pós-operatório dos pacientes.

Quando utilizado a técnica geral, os agentes Halogenados ( halotano, isofluorano, sevofluorano ) apresentam efeitos hemodinâmicos importantes :

  • depressão miocárdica
  • vasodilatação arterial e venosa
  • diminuição da atividade do Sistema Nervoso Simpático

Como conseqüência direta, há diminuição da pressão arterial e consumo de O2, sendo portanto vantajoso nos pacientes coronariopatas, porém, usado com determinada reserva nos pacientes que apresentam uma reserva cardíaca limitada, por deprimirem a função miocárdica.

A opção mais empregada é a associação dos agentes halogenados aos agentes endovenosos, os quais oferecem boa estabilidade hemodinâmica, ganhando-se uma recuperação pós-anestésica mais rápida por utilizar doses endovenosas menores e efeitos hemodinâmicos estáveis devido à menor dosagem dos halogenados.

 

IX - COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

1. Infarto do miocárdio: 70 % dos infartos peri-operatórios ocorrem nos primeiros 6 dias, com incidência máxima no terceiro dia. A taxa de mortalidade após o infarto do miocárdio pós-operatório varia de 30-60 % , dependendo dos critérios para infarto.

2. Hipertensão arterial: a hipertensão pós-operatória tem maior probabilidade de ocorrer logo após a suspensão da ventilação com pressão positiva, ou na sala de recuperação, sendo mais comum após endarterectomia carotídea e grandes procedimentos vasculares abdominais.

3. Insuficiência Cardíaca Congestiva: embora possa ser desencadeada por infarto do miocárdio ou isquemia, mais da metade dos casos é diretamente causada por um excesso de administração de fluidos. Tende a ocorrer logo após a interrupção da ventilação por pressão positiva, e novamente, cerca de 24 a 48 horas após a cirurgia quando o fluido administrado no período perioperatório é mobilizado dos locais extravasculares. Os diuréticos freqüentemente administrados por via endovenosa e algumas vezes suplementados por glicosídeos digitálicos, são um tratamento geralmente suficientes para a insuficiência cardíaca congestiva pós-operatória.

4. Arritmias pós-operatórias: são comuns após a cirurgia e muitas vezes representam uma manifestação de uma complicação não-cardíaca, tal como sangramento, infecção ou desequilíbrio eletrolítico ou ácido-básico que ocorre num paciente cardiopata. O tratamento destas arritmias exige, freqüentemente, reconhecimento e correção dos fatores extra-cardíacos.

X - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de cirurgias não-cardíacas de grande porte, pacientes com doença coronariana conhecida ou suspeitada, frequentemente são submetidos a testes não invasivos para uma melhor definição do risco cardíaco. A conclusão racional desta abordagem é que a revascularização do miocárdio profilática reduzirá, significantemente, o número de eventos cardíacos adversos. Porém, nenhum estudo randomizado suporta esta conclusão. Além disso, recentes estudos sugerem que estes eventos cardíacos resultam de um estresse pós-operatório e excessivo níveis de catecolaminas, o qual causam um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio miocárdico. Neste contexto, a rotura da placa, se ela ocorrer, é secundária e não primária, em contraste com o seu papel fundamental no infarto agudo do miocárdio. Portanto, a melhora da recuperação clínica parece estar mais relacionada com a prevenção do excesso de demanda do oxigênio do que escolher testes com poder otimizado de prever eventos adversos. A exceção é o paciente com quadro clínico consistente com a existência de rotura de placa que necessita de tratamento ativo para a doença cardíaca independente da necessidade da cirurgia não-cardíaca. Com estes conceitos muitos testes poderiam se omitidos e o paciente liberado para cirurgia com base em avaliação clínica menos sofisticada e barata.

A isquemia miocárdica é, talvez, o fator de risco mais potencialmente reversível no que diz respeito a mortalidade e complicações cardiovasculares após cirurgia não-cardíaca. Apesar de milhões de pessoas que têm estas complicações anualmente, não existe nenhuma terapêutica preventiva eficiente. Neste sentido, um estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego incluindo 200 pacientes, mostrou que a utilização do atenolol em pacientes com risco de doença coronariana submetidos a cirurgias não-cardíacas, reduziu a mortalidade e a incidência de complicações cardiocirculatórias em um período de até dois anos após a cirurgia. O atenolol foi utilizado por via endovenosa antes e imediatamente após a cirurgia e mantido por via oral durante o período de hospitalização. Esta é uma abordagem lógica e coincide com a preferência deste ripo de medicação no caso de pacientes submetidos a cirurgias cardíacas.

Os estudos multicêntricos controlados têm sido responsáveis por grandes impactos em muitas áreas de controle das doenças cardiovasculares. Entretanto eles têm tido muito pouca influência na redução do risco cardíaco pré-operatório. Apenas um estudo com esta finalidade foi planejado a partir de 1993. Trata-se do RCOR (Reduction of Cardiac Operative Risk Trial, planejado para a identificação de fatores que realmente pudessem estabelecer estratégias para reduzir o risco cardíaco em cirurgias não-cardíacas. A experiência inicial deste estudo indica que o sucesso de um estudo definitivo necessitará do reconhecimento de múltiplas questões, refinada identificação da população estudada, uma amostragem ampla, colaboração entre clínicos, anestesiologistas e cirurgiões no sentido de se estabelecerem estratégias para minimização de custos. Os altos custos de um estudo com esta finalidade poderiam ser perfeitamente compensados pelo enorme benefício da identificação de estratégias para o uso racional de testes caros que são atualmente empregados.

 

XI - BIBLIOGRAFIA ATUALIZADA

1. Almany SL; Mileto L; Kahn JK. Preoperative cardiac evaluation. Assessing risk before noncardiac surgery. Postgrad Med, 1995 Oct, 98:4, 171-4, 180-2.

 

2. Blaustein AS. Preoperative and perioperative management of cardiac patients undergoing noncardiac surgery. Cardiol Clin, 1995 May, 13:2, 149-61.

3. Bodenheimer MM. Noncardiac surgery in the cardiac patient: what is the question? Ann Intern Med, 1996 Apr 15, 124:8, 763-6.

4. Bronson DL; Halperin AK; Marwick THEvaluating cardiac risk in noncardiac surgery patients. Cleve Clin J Med, 1995 Nov-Dec, 62:6, 391-400.

5. Cohen MC; McKenna C; Lewis SM; Muller JE. Requirements for controlled clinical trials of preoperative cardiovascular risk reduction. Control Clin Trials, 1995 Apr, 16:2, 89-95.

6. Fleisher LA; Eagle KA. Screening for cardiac disease in patients having noncardiac surgery [comment]. Ann Intern Med, 1996 Apr 15, 124:8, 767-72.

7. Forgosh LB; Movahed AAssessment of cardiac risk in noncardiac surgery. Clin Cardiol, 1995 Oct, 18:10, 556-62.

8. Leppo JA. Preoperative cardiac risk assessment for noncardiac surgery. Am J Cardiol, 1995 Apr 13, 75:11, 42D-51D.

9. Mangano DT; Layug EL; Wallace A; Tateo I. Effect of atenolol on mortality and cardiovascular morbidity after noncardiac surgery. Multicenter Study of Perioperative Ischemia Research Group. N Engl J Med, 1996 Dec 5, 335:23, 1713-20.

10. Paul SD; Eagle KA. A stepwise strategy for coronary risk assessment for noncardiac surgery. Med Clin North Am, 1995 Sep, 79:5, 1241-62.

11. Slogoff S; Keats AS. Does perioperative myocardial ischemia lead to postoperative myocardial infarction? Anesthesiology, 1985, 62:107-14.

12. Slogoff S; Keats AS. Does chronic treatment with calcium entry blocking drugsreduce perioperative myocardial ischemia? Anesthesiology, 1988, 676-80.

13. Younis LT; Miller DD; Chaitman BRPreoperative strategies to assess cardiac risk before noncardiac surgery. Clin Cardiol, 1995 Aug, 18:8, 447-54.

 

XI - TEXTOS BÁSICOS CONSULTADOS

1. Braunwald E. - Tratado de Medicina Cardiovascular, Vol. 2, Ed. Roca , 3ª Ed., São Paulo, SP, 1991, Cap.53.

2. Rev Soc Card Estado de São Paulo. MVol. 5, 1996 (nº 6) - Risco Cirúrgico.

3. SOCESP CARDIOLOGIA. Atualização e Reciclagem . Vol. 1, Cap 76, Ed Atheneu, São Paulo, SP, 1994.

4. Hensley Jr. FA & Martin DE - The Practice of Cardiac Anesthesia, Little, Brown and Company, First Edition, Boston, MS, 1990.

5. Clínicas Cirúrgicas da América do Norte - Cirurgia no paciente cardíaco, Editora Interamericana, Vol 5, 1983.

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