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Trespassa a hegemonia da sombra
e descobrirás o ocluso
coração da luz.
O negro é apenas a cor
onde todas as cores repousam.

Não interrogues o dia
sobre a miríade de tons em que ele se imprime.
Procura a penumbra
e ela responder-te-á
com todo o contraste que lhe está negado.

de O Tempo de Foaron(1996)


Há a boca pisada de pedras,
e o remorso
é uma parede mordida pelo eco.

A mulher fechou-se no quarto
com a noite entre as mãos.
Está funda na casa.
Mas partidas todas as lâmpadas
a cegueira é ainda uma forma de ver.


A mulher borda
violentamente
o ventre contra o chão.
É este o centro do círculo da loucura,
e a luz está toda nos dedos.
O crime tem a idade do mundo,diz,
e recomeça a coser os pulsos
filho a filho.
A loucura é agora uma mão
cheia de sal
voltada para dentro.

Nenhum vaso se entorna
já em seu nome,
e sobre a mesa
os frutos estão fechados como pedras.


O homem inclinou-se para trás
e a sua fornte acendeu-se
nome a nome.
souberam então que morria,
e precipitaram-se sobre a sua cabeça
bebendo-lhe a luz.

Era um homem como um átrio,
transbordante,
à boca da casa.

de Iniciação ao Remorso(1998)


Na ponta dos dedos
batem as palavras sísmicas.
E a testa abre-se profusamente
à força do nome.
Digo:aquele que escreve infunde o prodígio,
respira ao cimo com a luz nos pulmões,
atravessa como se florisse nos abismos.


O poema são fogueiras levantadas na garganta
ou um sono inclinado sobre as facas.

Alguém diz,a prumo
todos os nomes queimam,
e há uma deflagração assombrosa,

a palavra acende-se
com uma àrvore de sangue ao centro.


À beira das salinas os homens declinam,
as cabeças como cometas fulminantes.

De longe a longe vêm os filhos,
trazem a solidão como um metal aceso nas costas
trazem um enxame de dardos.
E a memória é um pulso atravessado.

Quando partem fecham atrás de si as portas,
e os homens voltam a sentar-se sobre as estacas
e brilham.


O homem está dobrado sobre a mesa,
as palmas das mãos presas ao tampo,
a morte na nuca.

Em redor as mulheres delimitam a casa,
são os pulsos da casa,
e há um silêncio como um pedra rasgada.

Mas hão-de apagar-se as mulheres
primeiro que o fogo.


Empurram-se dos olhos,
dividem-se pela casa.
Como grandes câmaras vazias sonham
ou enloquecem por detrás dos cântaros.
Cantam as mãos que cozem junto ao barro,
o azeite dormindo nas talhas.

Cantam o outono nos olhos húmidos dos cães.


Os dedos batem no nome e estancam.
Não há profundidade depois disso.
queria emergir magnífico
do meu fôlego,
cantar sob os foles da língua.
digo que todo o nome é dançado,
que freme como tocado de dentro.

Roda em torno o bafo do nome,
e o homem está como um fole a prumo
sob o arco da língua.
Outras vezes é uma vara fincada
ao centro.
Abre a ideia,
sustenta o fogo nas mãos,
arde ao meio como um ofício puro.


Levantar-me de encontro às hélices,
ter na voz ímanes e facas radiais.

O nome ascende à garganta
como uma dança fechada,
é o lume correndo entre a limalha,

um clarão nas virilhas do relâmpago.

de A Luz nos Pulmões(2000)

 

Jorge Melícias

 

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