Dizer o que seja
na máxima excelência a que chegassem
ritmo e conceito? Não.
O poema perfeito,
por sê-lo,
silenciaria:
lugar vazio
e seu nenhum desejo,
azulejo sem qualquer desenho.
Sem-par,
abriria mão
da palavra.
E, no ceder das mãos,
não mais:
apagou-se o lenho.
Era o próprio pulso:
fígado,
coração.
O poeta insiste:
brune, lava, escoda.
Mas já não sonha
o perfeito.
Verruma
porque o canto é isso mesmo.
Isso:
toda a palavra é defeito.
Um lado do teu rosto
era sempre estio.
Ondas, mansamente,
a boca, o mormanço.
Eu era uma pássaro espiando
a luz e o grão. Sem pressa,
pousava: teus cabelos,
a restinga, a chuva da tarde.
Mas tua outra face não esperava
e nela estranhos bichos
subiam do mar fundo
à terra. Se tocados,
um líquido,
mijo ou lágrima,
queimava, repelia,
insultava.
Tudo em mim, então, era uma concha
que se fechou de susto
e os penhascos doíam
sem nenhum remédio.
Era quando, durante toda a noite,
eu queria apenas morrer.
E morria. Mais de uma vez,
fui um homem que se afogou na barra.
Imaginassem as amendoeiras
que estamos em pleno outono.
Vestem-se como.
Púrpura, ouro,
estão perfeitas como estão:
erradas.
Pudesse um poema, um amor,
pudesse qualquer esperança
viver assim o engano:
beleza, beleza,
beleza,
mais nada.
Que é que quanto mais cresce
menos se vê?- Este país, a escuridão.
Que é que passa na noite sem parar?- O rio,
a fome que não passa.
Sonhamos, crianças,
que, a um passo da praça,
do precipício:o paraíso.
Morremos nisso.
Engolimos o sonho. Devolvemo-lo
à terra: as flores têm pressa.
Outra vez. A fome não cessa: comer
o sonho e deitá-lo à terra.
Vivermos assim.
Sempre assim?
Entre o vômito
e a primavera.
para Teresa de Biase
Gritam como facas
apressadas, afiadas
à roda do edifício.
Teresa diz-me que
procuram das frutas
o açúcar. Alerta:
que eu não deixe bananas dormirem
sobre a mesa da cozinha.
Mas, como esconder
o doce à tona de meus olhos,
quando, no escuro dos quartos e da sala,
diferentemente dos morcegos,
quero e não sei o que quero?
E quero que amanheça,
e quero não morrer.
de: Desassombro (2001)
Eucanaã Ferraz
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