Segunda-feira, 12 de fevereiro de 2001
 

Sem reforma, guerra fiscal


  Continua a guerra fiscal entre Estados, com os governos oferecendo incentivos tributários para atrair investimentos. Não há, nisso, nenhuma vantagem para o País, porque a mesma produção acaba rendendo menor volume de receita para o setor público. Mesmo os Estados envolvidos ativamente na guerra conseguem benefícios discutíveis, porque o custo da guerra é crescente e quem comanda o jogo, afinal, é a empresa beneficiária, que pode mudar seus planos a qualquer momento. O governo de São Paulo tem sido a exceção mais notável: é moderado na oferta de benefícios, normalmente de outro tipo, e age quase sempre de forma defensiva. Esse jogo vai ficar mais pesado, segundo a Secretaria da Fazenda paulista. A idéia, disse o coordenador da Arrecadação Tributária, é neutralizar, com a cobrança do imposto, as vantagens concedidas noutros Estados.

  Essa política tem sido usada, até agora, limitadamente, e é possível aplicá-la de modo mais amplo. O anúncio foi feito quinta-feira, numa entrevista ao Estado, como reação à transferência de mais duas fábricas, uma para Joinville (SC), outra para Curitiba (PR).

  Executivos das duas indústrias alegaram razões técnicas e econômicas. Num caso, a explicação foi a capacidade ociosa de uma fábrica da Multibrás, instalada em São Bernardo do Campo. A produção, segundo o plano do grupo, deve ser deslocada para outra unidade, em Santa Catarina, devendo fechar-se a do ABC. No outro, alegou-se falta de condições para modernizar as instalações da Lacta em São Paulo. Assim, a produção dessa fábrica será realizada numa instalação no Paraná. A Philip Morris, controladora da Lacta, já havia recebido incentivos fiscais para reativar a unidade de Curitiba.

  Com base nos antecedentes da guerra fiscal e como Paraná e Santa Catarina têm usado generosamente a política de benefícios tributários, o governo paulista tem motivos para suspeitar que as fábricas não estão se mudando em função apenas dos motivos alegados.

  Por isso, mobiliza-se para a guerra.

  Os incentivos fiscais consistem, geralmente, na postergação, por longo prazo, do recolhimento do imposto. Esse adiamento acaba correspondendo, na prática, a uma isenção. O ganho financeiro da empresa mais que compensa o tributo finalmente pago. O produto, no entanto, é vendido a distribuidores ou processadores de outro Estado como se houvesse tributação na origem.

  Contabilmente, isso dá origem a um crédito fiscal, utilizável na operação seguinte. Para neutralizar esse jogo, o Tesouro paulista pode simplesmente cobrar o imposto, nessa segunda operação, sem reconhecer o direito ao crédito. Esse direito é contestável porque nenhum tributo foi realmente cobrado na origem. Como São Paulo é o maior mercado consumidor do País, essa arma pode ser eficiente.

  Não deveria ser necessário recorrer a esse ou a outros meios de retaliação.

  A legislação brasileira proíbe a concessão unilateral de incentivos. Toda decisão desse tipo deve ser aprovada, por unanimidade, em reunião do Conselho de Política Fazendária (Confaz). Mas essa norma perdeu há muito tempo a eficácia. A Justiça federal foi incapaz de garanti-la. Além disso, o governo federal interveio na guerra, desastradamente, ao favorecer a Bahia na disputa por um investimento da Ford. Ao fazê-lo, contribuiu para dar uma aparência de legitimidade a uma guerra custosa e inteiramente injustificável.

  Essa competição é facilitada, no Brasil, por um erro de concepção. O imposto sobre o valor agregado é normalmente cobrado pelo governo central (como na Europa). No Brasil, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é estadual. Foi implantado com essa característica e assim permaneceu. Com a reforma tributária seria possível corrigir essa falha, federalizando-se o imposto ou passando-se a cobrá-lo apenas no destino. O que há de mais concreto nas novas promessas de reforma fiscal do governo é justamente essa federalização. Mas, enquanto a reforma fica no plano das conversas, o campo permanece aberto à desastrosa guerra fiscal entre Estados.

 

  TEXTO DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, INTERNET.

 

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