Sem reforma, guerra fiscal
Continua a guerra fiscal entre Estados, com os governos oferecendo incentivos tributários para atrair investimentos. Não há, nisso, nenhuma vantagem para o País, porque a mesma produção acaba rendendo menor volume de receita para o setor público. Mesmo os Estados envolvidos ativamente na guerra conseguem benefícios discutíveis, porque o custo da guerra é crescente e quem comanda o jogo, afinal, é a empresa beneficiária, que pode mudar seus planos a qualquer momento. O governo de São Paulo tem sido a exceção mais notável: é moderado na oferta de benefícios, normalmente de outro tipo, e age quase sempre de forma defensiva. Esse jogo vai ficar mais pesado, segundo a Secretaria da Fazenda paulista. A idéia, disse o coordenador da Arrecadação Tributária, é neutralizar, com a cobrança do imposto, as vantagens concedidas noutros Estados.
Essa política tem sido usada, até agora, limitadamente, e é possível aplicá-la de modo mais amplo. O anúncio foi feito quinta-feira, numa entrevista ao Estado, como reação à transferência de mais duas fábricas, uma para Joinville (SC), outra para Curitiba (PR).
Executivos das duas indústrias alegaram razões técnicas e econômicas. Num caso, a explicação foi a capacidade ociosa de uma fábrica da Multibrás, instalada em São Bernardo do Campo. A produção, segundo o plano do grupo, deve ser deslocada para outra unidade, em Santa Catarina, devendo fechar-se a do ABC. No outro, alegou-se falta de condições para modernizar as instalações da Lacta em São Paulo. Assim, a produção dessa fábrica será realizada numa instalação no Paraná. A Philip Morris, controladora da Lacta, já havia recebido incentivos fiscais para reativar a unidade de Curitiba.
Com base nos antecedentes da
guerra fiscal e como Paraná e Santa Catarina têm usado generosamente a política
de benefícios tributários, o governo paulista tem motivos para suspeitar que
as fábricas não estão se mudando em função apenas dos motivos alegados.
Por isso, mobiliza-se para a guerra.
Os incentivos fiscais consistem, geralmente, na postergação, por
longo prazo, do recolhimento do imposto. Esse adiamento acaba correspondendo, na
prática, a uma isenção. O ganho financeiro da empresa mais que compensa o
tributo finalmente pago. O produto, no entanto, é vendido a distribuidores ou
processadores de outro Estado como se houvesse tributação na origem.
Contabilmente, isso dá origem a um crédito fiscal, utilizável na
operação seguinte. Para neutralizar esse jogo, o Tesouro paulista pode
simplesmente cobrar o imposto, nessa segunda operação, sem reconhecer o
direito ao crédito. Esse direito é contestável porque nenhum tributo foi
realmente cobrado na origem. Como São Paulo é o maior mercado consumidor do País,
essa arma pode ser eficiente.
Não deveria ser necessário recorrer a esse ou a outros meios de
retaliação.
A legislação brasileira proíbe a concessão unilateral de
incentivos. Toda decisão desse tipo deve ser aprovada, por unanimidade, em
reunião do Conselho de Política Fazendária (Confaz). Mas essa norma perdeu há
muito tempo a eficácia. A Justiça federal foi incapaz de garanti-la. Além
disso, o governo federal interveio na guerra, desastradamente, ao favorecer a
Bahia na disputa por um investimento da Ford. Ao fazê-lo, contribuiu para dar
uma aparência de legitimidade a uma guerra custosa e inteiramente injustificável.
Essa competição é facilitada, no Brasil, por um erro de concepção.
O imposto sobre o valor agregado é normalmente cobrado pelo governo central (como
na Europa). No Brasil, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
é estadual. Foi implantado com essa característica e assim permaneceu. Com a
reforma tributária seria possível corrigir essa falha, federalizando-se o
imposto ou passando-se a cobrá-lo apenas no destino. O que há de mais concreto
nas novas promessas de reforma fiscal do governo é justamente essa federalização.
Mas, enquanto a reforma fica no plano das conversas, o campo permanece aberto à
desastrosa guerra fiscal entre Estados.
TEXTO DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, INTERNET.