LEONI IÓRIO                                                                     

Biografia
por:
Pedro Antônio Carneiro Iório                                                                 

                                                                                                                                      

 

PRÓCERE DA HISTÓRIA VALENCIANA              

 

 

 

 

 

 

 

 

               e-mail do autor: [email protected]            

               Página na WEB do autor: www.paciorio.hpg.com.br

 

               Publicado na revista CHAFARIZ - dezembro de 1991

 

Dia 21 de fevereiro de 1984 - data que deixou-nos, para sempre, o historiador valenciano José Leoni Iório. Dificilmente esta lacuna, aberta por sua morte, poderá ser preenchida no cenário lítero-cultural valenciano, tal a magnitude de sua obra, calcada em um fervoroso amor à sua terra natal.

 

Enquanto estudante em Valença recebeu seus primeiros ensinamentos dos consagrados mestres D. Noêmia Lopes Ielpo e Paulino de Aquino, cursando a seguir o ensino no antigo e tradicional "Ateneu Valenciano" e terminando o curso secundário na Academia de Comercio de Juiz de Fora.

 

Em 1915, ainda adolescente, fundou o jornal "O Lynce", de pequeno formato e de curta duração, muito lido na época pela inclusão de comentários jocosos e humorísticos com fatos da ocasião.


                  Incentivado por seus pais, José Iório e D. Silvéria Leoni Iório, transferiu-se para Ouro Preto, em Minas Gerais, diplomando-se em Farmácia pela Universidade Federal daquela cidade.

 

Muitas recordações desta época ficaram nítidas em sua lembrança. As dificuldades que transpôs - jovem ainda e inexperiente - da vida longe da família, do isolamento dos amigos que, revia com grande espaço de tempo, pela precariedade dos transportes e dos encargos do ensino que eram muitos e dispendiosos. Eram, de fato, muitos os obstáculos e os rigores que se empunham aos estudantes interioranos, que desejavam buscar ensinamentos nos grandes centros culturais da época.

 

Desde jovem, ainda estudante em Ouro Preto, manifestava seu pendor para as letras, iniciando ali, em 1920, sua incursão à prosa e aos versos, publicando uma peça para teatro, em um único ato, intitulada "Tudo pela Pátria" e iniciando a elaboração de uma comédia, em dois atos, denominada "A Voz do Coração". Coração magnânimo e agradecido dedicou-as a seu tio Nicolau Leoni - tutor de seu ensino, homem afeito aos problemas sociais, ex-Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença.

              

Talvez por conviver Leoni Iório junto às reminiscências históricas de Ouro Preto, despertou-se em seu espírito o sentimento de amor e perpetuação das tradições históricas de sua terra natal distante. Nada mais propício para tal, motivado por um ambiente secular em que as vias tortuosas, as imponentes construções e igrejas barrocas, o calçamento rudimentar das ruas e os telhados ondulantes, evocavam a grandiloqüência de uma época passada, de história e tradição.

 

Retornando diplomado à Valença, dedicou-se com afinco à sua vocação literária e artística, sendo articulista e fundador de jornais, participando de peças teatrais como ator e autor e incursionando à poesia.

 

 Inúmeros poemas de sua autoria foram publicados em jornais de então, tanto em Valença como nas cidades vizinhas, e também inseridos em suas peças teatrais. Entretanto, Leoni Iório, conforme sempre confidenciava a seus amigos, quando o chamavam de poeta, não se sentia como tal, afirmando, com a modéstia que sempre manteve, que apenas " ...fiz alguns versos, como é dever de todo brasileiro quando se tem alguma inspiração".

 

 Em 1927, mais precisamente no dia 7 de julho, conforme relato seu posterior, viveu uma das grandes emoções de sua vida, em grande parte dedicada à convivência com os movimentos culturais de Valença. Inaugurava-se, nesta data, o funcionamento do antigo Ginásio Valenciano São José (então, Ginásio Diocesano São José), sob a égide do grande sacerdote e educador D. André Arcoverde, abrigando, inicialmente, um pequeno grupo de alunos internos, desfrutando de ensino, alojamento e alimentação gratuitos. Coube a Leoni Iório a grande honra e a imensa emoção de saudar com eloquente discurso, e a oratória que sempre o distinguiu, a D. André Arcoverde, em nome da comunidade valenciana, agradecida pela obra ímpar que ali se implantava, que o tempo nunca conseguiu apagar mesmo desativada materialmente, mas preservada e mantida viva até hoje, através da Associação de seus ex-alunos. Tamanha foi a repercussão do empenho de Leoni Iório em prol da concretização deste ideal que, em 13 de setembro de 1928 foi nomeado pelo Diretor do Departamento Nacional do Ensino, como Inspetor Federal de Ensino junto ao Ginásio.

 

Ainda no período de 1927 a 1929, destacou-se como protagonista e idealizador de importantes eventos na área jornalística e cultural, sendo Diretor, em 1927, do jornal "Correio de Valença" fundado por Frederico de La Vega e Theodorico da Fonseca, em 11 de agosto de 1901. Também, Diretor do jornal "Valença", surgido em 15 de agosto de 1928, como o periódico de maior formato que Valença até então possuíra, cujos exemplares eram também vendidos na Estação das barcas em Niterói, tendo sido, entretanto, de vida efêmera. Em 1929, fundou o "Jornal de Valença", órgão noticioso de grande repercussão pela probidade de seu conteúdo jornalístico, tendo como seu gerente João José Cosati e que se manteve com circulação ininterrupta até meados de 1946, sendo posteriormente, reeditado em 1952 (em sua quarta fase), sob a direção de Floriano Pellegrini, Presidente da Associação Comercial de Valença e, após, tendo ressurgido em intervalos regulares. Ainda neste mesmo ano de 1929, Leoni Iório produziu a montagem e encenação, no antigo Teatro da Glória, por três dias seguidos, de sua peça teatral "A Princeza da Serra", de co-autoria com José Guimarães, enfocando costumes locais, tendo no elenco, além de atores amadores valencianos, a afamada atriz Balbina Milano no papel principal.

 

Durante um longo período - Leoni Iório, como ator, participou do Grêmio Dramático "Artur Azevedo", fundado em 27 de abril de 1919 e dirigido por Manoel Gomes Vieira, atuando repetidas vezes ao lado de José Guimarães, Antonio Dantas Moreira, João José Teixeira, João José Cosati e Juraci Porto.

 

Em 15 de novembro de 1945, por sua iniciativa, juntamente com João José Cosati, criou-se o "Grêmio Dramático José Guimarães" que promoveu inúmeras encenações no "Pavilhão Leoni", de propriedade da Irmandade de Nossa Senhora da Glória de Valença, tendo muitas destas apresentações, a finalidade de arrecadação de fundos para as obras diocesanas. Muitos conterrâneos seus, que se recordam de suas atuações nos palcos valencianos elogiam, sua desenvoltura cênica, principalmente, nas hilariantes apresentações em que se caracterizava como "Carlitos", imortalizado por Charles Chaplin.

 

Leoni Iório, paralelamente, às artes jornalística, literária, poética e teatral que cultivava, integrou-se com grande dedicação à comunidade valenciana, ocupando postos e encargos dignificantes, como funcionário da Câmara Municipal, secretário da Mitra Diocesana, farmacêutico responsável pela Farmácia Brasil até à sua morte, agente concursado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em Valença até 1948, quando foi transferido para Barra do Piraí com a finalidade de dirigir a "Agência Modelo", que o IBGE instalara na cidade vizinha, onde se aposentou em 1963. Pelos serviços prestados ao IBGE, este Instituto agraciou-o com um diploma de mérito por sua dedicada atuação.


                  A sedimentação de suas experiências e emoções, desde o convívio histórico em Ouro Preto até a integração como cidadão em sua terra natal, despertou-lhe um sentimento profundo pelos costumes e pelo passado histórico de Valença, que culminaria, anos depois, em 1953, com a publicação de sua obra magna
"Valença de Ontem e de Hoje".


                 Este livro conta - mesclando trechos históricos e de costumes, em um estilo literário rico em filigranas e poesia - a história completa de Valença, compreendida no período de 1789 a 1952.


                 Como afirma o próprio escritor, a incumbência de escrever tão importante obra foi-lhe transmitida, em 1924, pela figura ímpar do também historiador valenciano Luiz Damasceno que, ao entregar-lhe o exemplar de sua autoria da "História de Valença", disse-lhe textualmente: " - Aí está a pequenina história de nossa terra. Agora, espero que você seja o continuador dela".


                 Em 1953, cumpre-se o vaticínio de Luiz Damasceno: publica-se
"Valença de Ontem e de Hoje", sob o patrocínio do "Jornal de Valença" (fundado por Leoni Iório) e da Associação Comercial de Valença, por iniciativa de seu diretor e presidente Floriano Pellegrini.


                 Em todos os capítulos deste livro, em cada frase redigida para a posteridade, encontram-se mais do que exemplos de amor pela terra natal. Estão ali edificados os portais de uma civilização, as relíquias de um passado e as efemérides de várias épocas, numa prosa versátil, fluente, muitas vezes tão poética, confundindo o historiador com o vate, explodindo em cada parágrafo o intenso amor de um valenciano que, como ninguém, amou a sua terra.


                Ao longo dos 19 anos que transcorreram entre o início e conclusão desta obra, tantos foram os dias e as noites de vigília, passados entre meia centena de autores, arquivos e documentos pesquisados; tintas, papéis e uma mente fervilhante de idéias, um cérebro irrigado por fatos, locais e datas circulantes; um coração impulsionado por um idealismo que só alguns privilegiados podem possuir; prejuízos materiais com uma frustrada edição que não se concretizou; a ajuda de amigos valiosos, auxiliando-o na datilografia do texto, que só contribuíram para que ele não fenecesse em seu propósito. Só a tenacidade, própria dos grandes homens, pode levar a termo empreitada de tal envergadura. Os momentos presentes de sua vida que não os gozou, pelo compromisso de sua empresa, estão naquelas páginas, transformados nos momentos de nossa história, precisos, reais, indeturpáveis, como o são o tempo e a própria vida.


                 Valença, cognominada pelo historiador Moreira Pinto como "a formosa Princesa do Estado do Rio", foi enaltecida em versos por poetas como Arnaldo Nunes; retratada em suas imagens primitivas e sertanejas por viajantes ilustres como Saint-Hilaire e Debret; emoldurada por paisagens exuberantes, através do gênio criador de Glaziou; dignificada pela cultura de seus homens de letras, artes e ciências; fertilizada pela miscigenação do sangue indígena com o dos colonizadores; cultuada, através de gerações, pelos seus benfeitores e beneméritos como José da Siqueira Silva da Fonseca, ressurgida várias vezes do ostracismo e da apatia por seus dirigentes municipais com suas mentes abertas para o progresso e para a prosperidade; inundada, por entre seus montes e colinas - desde a Serra dos Mascates à ondulante Serra das Cobras - pelas bênçãos de sua padroeira, Nossa Senhora da Glória. E os fatos se passariam, se diluiriam na azáfama do tempo se não houvesse homens da estirpe de Luiz Damasceno e Leoni Iório - verdadeiros guardiões de nossas tradições, reportando com a paciência dos sábios e o saber dos iluminados, para as gerações presentes e futuras, a beleza e a magnitude de nosso passado. A pessoas como estas, todos nós devemos respeito e admiração porque um povo sem sua história, nunca será um povo com cultura.

 

Em reconhecimento ao valor de sua obra literária e poética, Leoni Iório foi eleito para ocupar a cadeira de número 35, do Quadro de Efetivos, da Academia Valenciana de Letras, patronímica de Lúcio de Mendonça.

 

Transferido para Barra do Piraí, deu continuidade à vocação que sempre cultivou, colaborando como articulista nos jornais locais, atuando na administração pública como chefe de gabinete de vários governos municipais e lecionando Ciências Biológicas no Colégio Estadual "Nilo Peçanha".

 

Infelizmente, o destino negou-lhe, em vida, a concretização de, talvez, sua última incursão literária de grande vulto: a publicação da história completa de Barra do Piraí - cidade que tão carinhosamente o acolheeu até seus derradeiros dias - cujos originais, os deixou praticamente concluidos.

 

Pouco antes de seu falecimento, a Câmara Municipal de Valença outorgou-lhe, em 3 de dezembro de 1983, por indicação da vereadora Maria Izabel de Oliveira Lima, o título de "Cidadão Benemérito de Valença".

 

Em 4 de abril de 1984, sua memória foi honrada çom o título de "Benemérito do Estado do Rio de Janeiro", através da resolução de número 11, promulgada pela Assembléia Legislativa, por iniciativa do Deputado Luis Antônio C.C.C. Silva.

 

Em 20 de agosto de 1985, a Câmara Municipal de Valença, por proposição do vereador Nely Machado Gonçalves, concedeu seu nome à "Biblioteca Pública Municipal Leoni Iório".

 

Seus filhos Pedro e Jorge, e seus netos Flávia, Pedro, Patrícia e Érica têm muito do que se orgulhar, por possuírem em suas veias, o sangue de um valenciano autêntico que só soube cultuar, dignificar e eternizar os costumes e a história de sua terra.

 

Leoni Iório, com sua obra "Valença de Ontem e de Hoje", tornou-se imortal se aplicarmos a assertiva do pensador Rufus Choate, de que "o livro é uma imortalidade". Estando totalmente esgotada a edição desta importante obra, muito perde Valença, por não possuírem os seus habitantes, em suas casas, este livro que retrata fielmente nosso passado, nossos personagens históricos e suas tradições, e os que o têm, o tratam como verdadeira relíquia da preservação de nossa memória. O alto custo de uma reedição particular impede que a mesma se realize, restando ao Poder Público ou às editoras nacionais a sua reimpressão, numa demonstração de resgatar o que de mais precioso conserva um povo: a sua história.

 

Todas as novas gerações valencianas deverão ter o direito de conhecer este livro escrito por um valenciano que, por isto, se tornou grandioso, pois, afirma Oscar Wilde que "qualquer pessoa pode entrar na história, mas somente um grande homem pode escrevê-la".

 

 

 

                                                                                                           

Hosted by www.Geocities.ws

1 1