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Publicado na revista CHAFARIZ - dezembro de 1991
Dia 21 de
fevereiro de 1984 - data que deixou-nos, para sempre, o historiador valenciano
José Leoni Iório. Dificilmente esta lacuna, aberta por sua morte, poderá ser
preenchida no cenário lítero-cultural valenciano, tal a magnitude de sua obra,
calcada em um fervoroso amor à sua terra natal.
Enquanto estudante em Valença recebeu seus primeiros
ensinamentos dos consagrados mestres D. Noêmia Lopes Ielpo e Paulino de Aquino,
cursando a seguir o ensino no antigo e tradicional "Ateneu
Valenciano" e terminando o curso secundário na Academia de Comercio de
Juiz de Fora.
Em 1915, ainda adolescente, fundou o jornal "O
Lynce", de pequeno formato e de curta duração, muito lido na época pela
inclusão de comentários jocosos e humorísticos com fatos da ocasião.
Incentivado por seus pais, José Iório e D. Silvéria Leoni
Iório, transferiu-se para Ouro Preto, em Minas Gerais, diplomando-se em
Farmácia pela Universidade Federal daquela cidade.
Muitas recordações desta época ficaram nítidas em sua
lembrança. As dificuldades que transpôs - jovem ainda e inexperiente - da vida
longe da família, do isolamento dos amigos que, revia com grande espaço de
tempo, pela precariedade dos transportes e dos encargos do ensino que eram
muitos e dispendiosos. Eram, de fato, muitos os obstáculos e os rigores que se
empunham aos estudantes interioranos, que desejavam buscar ensinamentos nos grandes
centros culturais da época.
Desde jovem, ainda estudante em Ouro Preto, manifestava seu
pendor para as letras, iniciando ali, em 1920, sua incursão à prosa e aos
versos, publicando uma peça para teatro, em um único ato, intitulada "Tudo
pela Pátria" e iniciando a elaboração de uma comédia, em dois atos,
denominada "A Voz do Coração". Coração magnânimo e agradecido
dedicou-as a seu tio Nicolau Leoni - tutor de seu ensino, homem afeito aos
problemas sociais, ex-Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
Valença.
Talvez por conviver Leoni Iório junto às reminiscências
históricas de Ouro Preto, despertou-se em seu espírito o sentimento de amor e perpetuação
das tradições históricas de sua terra natal distante. Nada mais propício para
tal, motivado por um ambiente secular em que as vias tortuosas, as imponentes
construções e igrejas barrocas, o calçamento rudimentar das ruas e os telhados
ondulantes, evocavam a grandiloqüência de uma época passada, de história e
tradição.
Retornando diplomado à Valença, dedicou-se com afinco à sua
vocação literária e artística, sendo articulista e fundador de jornais,
participando de peças teatrais como ator e autor e incursionando
à poesia.
Inúmeros poemas
de sua autoria foram publicados em jornais de então, tanto em Valença como nas
cidades vizinhas, e também inseridos em suas peças teatrais. Entretanto, Leoni
Iório, conforme sempre confidenciava a seus amigos, quando o chamavam de poeta,
não se sentia como tal, afirmando, com a modéstia que sempre manteve, que
apenas " ...fiz alguns versos, como é dever de todo brasileiro quando se
tem alguma inspiração".
Em 1927, mais
precisamente no dia 7 de julho, conforme relato seu posterior, viveu uma das
grandes emoções de sua vida, em grande parte dedicada à convivência com os
movimentos culturais de Valença. Inaugurava-se, nesta data, o funcionamento do
antigo Ginásio Valenciano São José (então, Ginásio Diocesano São José), sob a
égide do grande sacerdote e educador D. André Arcoverde, abrigando,
inicialmente, um pequeno grupo de alunos internos, desfrutando de ensino,
alojamento e alimentação gratuitos. Coube a Leoni Iório a grande honra e a
imensa emoção de saudar com eloquente discurso, e a oratória que sempre o
distinguiu, a D. André Arcoverde, em nome da comunidade valenciana, agradecida
pela obra ímpar que ali se implantava, que o tempo nunca conseguiu apagar mesmo
desativada materialmente, mas preservada e mantida viva até hoje, através da
Associação de seus ex-alunos. Tamanha foi a repercussão do empenho de Leoni
Iório em prol da concretização deste ideal que, em 13 de setembro de 1928 foi
nomeado pelo Diretor do Departamento Nacional do Ensino, como Inspetor Federal
de Ensino junto ao Ginásio.
Ainda no período de 1927 a 1929, destacou-se como
protagonista e idealizador de importantes eventos na área jornalística e
cultural, sendo Diretor, em 1927, do jornal "Correio de Valença" fundado
por Frederico de La Vega e Theodorico da Fonseca, em 11 de agosto de 1901.
Também, Diretor do jornal "Valença", surgido em 15 de agosto de 1928,
como o periódico de maior formato que Valença até então possuíra, cujos
exemplares eram também vendidos na Estação das barcas em Niterói, tendo sido,
entretanto, de vida efêmera. Em 1929, fundou o "Jornal de Valença",
órgão noticioso de grande repercussão pela probidade de seu conteúdo
jornalístico, tendo como seu gerente João José Cosati e que se manteve com circulação
ininterrupta até meados de 1946, sendo posteriormente, reeditado em 1952 (em
sua quarta fase), sob a direção de Floriano Pellegrini, Presidente da
Associação Comercial de Valença e, após, tendo ressurgido em intervalos
regulares. Ainda neste mesmo ano de 1929, Leoni Iório produziu a montagem e
encenação, no antigo Teatro da Glória, por três dias seguidos, de sua peça
teatral "A Princeza da Serra", de co-autoria com José Guimarães,
enfocando costumes locais, tendo no elenco, além de atores amadores
valencianos, a afamada atriz Balbina Milano no papel principal.
Durante um longo período - Leoni Iório, como ator,
participou do Grêmio Dramático "Artur Azevedo", fundado em 27 de
abril de 1919 e dirigido por Manoel Gomes Vieira, atuando repetidas vezes ao
lado de José Guimarães, Antonio Dantas Moreira, João José Teixeira, João José
Cosati e Juraci Porto.
Em 15 de novembro de 1945, por sua iniciativa, juntamente
com João José Cosati, criou-se o "Grêmio Dramático José Guimarães"
que promoveu inúmeras encenações no "Pavilhão Leoni", de propriedade
da Irmandade de Nossa Senhora da Glória de Valença, tendo muitas destas
apresentações, a finalidade de arrecadação de fundos para as obras diocesanas.
Muitos conterrâneos seus, que se recordam de suas atuações nos palcos
valencianos elogiam, sua desenvoltura cênica, principalmente, nas hilariantes
apresentações em que se caracterizava como "Carlitos", imortalizado
por Charles Chaplin.
Leoni Iório, paralelamente, às artes jornalística,
literária, poética e teatral que cultivava, integrou-se com grande dedicação à
comunidade valenciana, ocupando postos e encargos dignificantes, como
funcionário da Câmara Municipal, secretário da Mitra Diocesana, farmacêutico
responsável pela Farmácia Brasil até à sua morte, agente concursado do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em Valença até 1948, quando foi
transferido para Barra do Piraí com a finalidade de dirigir a "Agência
Modelo", que o IBGE instalara na cidade vizinha, onde se aposentou em
1963. Pelos serviços prestados ao IBGE, este Instituto agraciou-o com um
diploma de mérito por sua dedicada atuação.
A sedimentação de suas experiências e emoções, desde o convívio
histórico em Ouro Preto até a integração como cidadão em sua terra natal,
despertou-lhe um sentimento profundo pelos costumes e pelo passado histórico de
Valença, que culminaria, anos depois, em 1953, com a publicação de sua obra
magna "Valença de Ontem e de Hoje".
Este livro conta - mesclando trechos históricos e de costumes, em um
estilo literário rico em filigranas e poesia - a história completa de Valença,
compreendida no período de 1789 a 1952.
Como afirma o próprio escritor, a incumbência de escrever tão importante
obra foi-lhe transmitida, em 1924, pela figura ímpar do também historiador
valenciano Luiz Damasceno que, ao entregar-lhe o exemplar de sua autoria da
"História de Valença", disse-lhe textualmente: " - Aí está a
pequenina história de nossa terra. Agora, espero que você seja o continuador
dela".
Em 1953, cumpre-se o vaticínio de Luiz Damasceno: publica-se "Valença de
Ontem e de Hoje", sob o patrocínio do "Jornal de Valença"
(fundado por Leoni Iório) e da Associação Comercial de Valença, por iniciativa
de seu diretor e presidente Floriano Pellegrini.
Em todos os capítulos deste livro, em cada frase redigida para a
posteridade, encontram-se mais do que exemplos de amor pela terra natal. Estão
ali edificados os portais de uma civilização, as relíquias de um passado e as
efemérides de várias épocas, numa prosa versátil, fluente, muitas vezes tão
poética, confundindo o historiador com o vate, explodindo em cada parágrafo o
intenso amor de um valenciano que, como ninguém, amou a sua terra.
Ao longo dos 19 anos que transcorreram entre o início e conclusão desta
obra, tantos foram os dias e as noites de vigília, passados entre meia centena
de autores, arquivos e documentos pesquisados; tintas, papéis e uma mente
fervilhante de idéias, um cérebro irrigado por fatos, locais e datas
circulantes; um coração impulsionado por um idealismo que só alguns
privilegiados podem possuir; prejuízos materiais com uma frustrada edição que
não se concretizou; a ajuda de amigos valiosos, auxiliando-o na datilografia do
texto, que só contribuíram para que ele não fenecesse em seu propósito. Só a
tenacidade, própria dos grandes homens, pode levar a termo empreitada de tal
envergadura. Os momentos presentes de sua vida que não os gozou, pelo compromisso
de sua empresa, estão naquelas páginas, transformados nos momentos de nossa
história, precisos, reais, indeturpáveis, como o são o tempo e a própria vida.
Valença, cognominada pelo historiador Moreira Pinto como "a formosa
Princesa do Estado do Rio", foi enaltecida em versos por poetas como
Arnaldo Nunes; retratada em suas imagens primitivas e sertanejas por viajantes
ilustres como Saint-Hilaire e Debret; emoldurada por paisagens exuberantes,
através do gênio criador de Glaziou; dignificada pela cultura de seus homens de
letras, artes e ciências; fertilizada pela miscigenação do sangue indígena com
o dos colonizadores; cultuada, através de gerações, pelos seus benfeitores e
beneméritos como José da Siqueira Silva da Fonseca, ressurgida várias vezes do
ostracismo e da apatia por seus dirigentes municipais com suas mentes abertas
para o progresso e para a prosperidade; inundada, por entre seus montes e
colinas - desde a Serra dos Mascates à ondulante Serra das Cobras - pelas
bênçãos de sua padroeira, Nossa Senhora da Glória. E os fatos se passariam, se
diluiriam na azáfama do tempo se não houvesse homens da estirpe de Luiz
Damasceno e Leoni Iório - verdadeiros guardiões de nossas tradições, reportando
com a paciência dos sábios e o saber dos iluminados, para as gerações presentes
e futuras, a beleza e a magnitude de nosso passado. A pessoas como estas, todos
nós devemos respeito e admiração porque um povo sem sua história, nunca será um
povo com cultura.
Em reconhecimento ao valor de sua obra literária e poética,
Leoni Iório foi eleito para ocupar a cadeira de número 35, do Quadro de
Efetivos, da Academia Valenciana de Letras, patronímica de Lúcio de Mendonça.
Transferido para Barra do Piraí, deu continuidade à vocação que
sempre cultivou, colaborando como articulista nos jornais locais, atuando na
administração pública como chefe de gabinete de vários governos municipais e
lecionando Ciências Biológicas no Colégio Estadual "Nilo Peçanha".
Infelizmente, o destino negou-lhe, em vida, a concretização
de, talvez, sua última incursão literária de grande vulto: a publicação da
história completa de Barra do Piraí - cidade que tão carinhosamente o acolheeu
até seus derradeiros dias - cujos originais, os deixou praticamente concluidos.
Pouco antes de seu falecimento, a Câmara Municipal de
Valença outorgou-lhe, em 3 de dezembro de 1983, por indicação da vereadora
Maria Izabel de Oliveira Lima, o título de "Cidadão Benemérito de
Valença".
Em 4 de abril de 1984, sua memória foi honrada çom o título
de "Benemérito do Estado do Rio de Janeiro", através da resolução de
número 11, promulgada pela Assembléia Legislativa, por iniciativa do Deputado
Luis Antônio C.C.C. Silva.
Em 20 de agosto de 1985, a Câmara Municipal de Valença, por
proposição do vereador Nely Machado Gonçalves, concedeu seu nome à
"Biblioteca Pública Municipal Leoni Iório".
Seus filhos Pedro e Jorge, e seus netos Flávia, Pedro,
Patrícia e Érica têm muito do que se orgulhar, por possuírem em suas veias, o
sangue de um valenciano autêntico que só soube cultuar, dignificar e eternizar
os costumes e a história de sua terra.
Leoni Iório, com sua obra "Valença
de Ontem e de Hoje", tornou-se imortal se aplicarmos a
assertiva do pensador Rufus Choate, de que "o livro é uma
imortalidade". Estando totalmente esgotada a edição desta importante obra,
muito perde Valença, por não possuírem os seus habitantes, em suas casas, este
livro que retrata fielmente nosso passado, nossos personagens históricos e suas
tradições, e os que o têm, o tratam como verdadeira relíquia da preservação de
nossa memória. O alto custo de uma reedição particular impede que a mesma se
realize, restando ao Poder Público ou às editoras nacionais a sua reimpressão,
numa demonstração de resgatar o que de mais precioso conserva um povo: a sua
história.
Todas as novas gerações valencianas deverão ter o direito de
conhecer este livro escrito por um valenciano que, por isto, se tornou
grandioso, pois, afirma Oscar Wilde que "qualquer pessoa pode entrar na
história, mas somente um grande homem pode escrevê-la".