Valença
de Ontem e de Hoje
CAPÍTULO 5
ASPECTOS ECONÔMICOS
ESPLENDOR, DECADÊNCIA E RESSURGIMENTO
Titulares do Império em Valença
O Segundo e Terceiro Barão do Rio Bonito
“Dois
nomes que, por si só, relembram toda uma época de refinamento e de fastígio:
Valença, a velha cidade dos marquezes. Vassouras, o maior ninho de aristocratas
rurais do Brasil, depois de Campos —
escreve Alberto Lamego (O
Homem e a Serra, pág.
260). E continua:
“No
município de Marquês de Valença, antes da sua subdivisão, dos sadios
contingentes de mineiros e portuguêses para ali emigrados, um famoso escol de
fazendeiros de café deveria surgir. No território centralizado pela primitiva
Aldeia das Cobras, entraram os Ribeiro de
Resende, os Alves Barbosa,
os Machado da Cunha,
os Nogueira da Gama, os Pereira
de Faro, os Souza Barros, os Araujo
Maia, os Custódio Guimarães e
outras estirpes todas a forjarem os seus brasões com o aço das foices, dos
machados e das enxadas, na contínua faina das lavouras de café.”
“À
testa dessa laboriosa e culta aristocracia rural destacava-se Estêvão
Ribeiro de Resende, sucessivamente barão, visconde e marquês de Valença,
com grandeza, dono da famosa fazenda de Coroas. Mineiro do Rio das Mortes e
nascido ainda no século XVIII, veio a falecer em 1886, numa velhice patriarcal
e com numerosa descendência. Casou-se com D.
Ilídia Mafalda de Sousa Queirós, irmã do barão de Limeira,
Vicente de Sousa Queirós e do barão de Souza
Queirós, filha do brigadeiro Luís
Antônio de Sousa Queírós (1760-1819), a maior opulência da capitania de
São Paulo.”
“Dos
seus 16 filhos, Pedro Ribeiro de Resende seria
o 2o barão de Valença, Estêvão,
o barão de Resende, e Geraldo,
o barão Geraldo
de Resende. Os dois últimos,
por sua vez emigrantes, como o pai, iriam continuar na terra paulista a projeção
dos cafezais fluminenses. Foi o barão de Resende
um rico fazendeiro em Piracicaba e o barão Geraldo
de Resende um dos maiores de Campinas.”
“Tal
era o prestígio do marquês de Valença que,
uma de suas filhas, D. Amélia de Souza
Resende casou-se com o titular francês conde de Cambolas
e marquês de Palarim, e outro
filho seu, legitimado, Estêvão de Sousa
Resende, foi elevado a barão de Lorena.”
“Uma
de suas netas, filha do 2o barão de Valença,
D. Maria de Sousa Resende,
foi a condessa de Serra Negra.”
“Outro
ramo desta família, igualmente nobilitado, foi o do coronel Geraldo
Ribeiro de Resende, irmão do Marquês, cujo filho, José
de Souza Resende, foi o barão de Juiz
de Fora, e os filhos deste, Geraldo
Augusto de Resende, barão do Retiro e
José Ribeiro de Resende Filho, barão
do Rio Novo, com grandeza.”
“Somente
pelo lado masculino, deram os Ribeiro de
Resende, no vale do Paraíba, oito titulares.”
“Com
o mineiro José Vieira Machado da Cunha surgia
o título de barão do Porto das Flores, com
seu filho Misael o de 2o
barão de Porto das Flores e com seu
irmão Manuel Vieira da Cunha o de
barão da Aliança.”
“Fazendeiros
no distrito de Rio Bonito, em Marquês de Valença, foram outros mineiros, Carlos
Teodoro de Sousa Fortes, 2o barão de Santa
Clara, e a viscondessa de Monte
Verde, sua irmã.”
“Jacinto,
Francisco e
José Alves Barbosa, descendentes dos
primitivos sesmeiros de Vassouras, seriam respectivamente o 1o, 2o
e 3o barões de Santa Justa, e,
da mesma família, José Rodrigues Alves
Barbosa, o Barão de Santa Fé, nascido
em Marquês de Valença.”
“Outra
grande árvore genealógica, vindo a crescer nos cafezais valencianos, foi a dos
Nogueira da Gama, nascida com mais um
mineiro de São João d’El-Rei, Manuel
Jacinto Nogueira da Gama, doutor em matemáticas pela Universidade de
Coimbra, lente da Real Academia de Marinha de Lisboa, marechal de campo,
ministro do Império e marquês de Baependí.
Casando-se com uma filha do nababo Brás
Carneiro Leão, torna-se possuidor de enorme extensão de terras no vale do
Paraíba, onde a sua sesmaria doada por D.
João VI, tinha cêrca de 540 quilômetros quadrados, por ele retalhados e
vendidos em fazendas com grandes lucros.”
“Do
nome da marquesa de Baependí,
D. Francisca Mônica Carneiro da Costa, irmã da 1a
viscondessa de São Salvador dos
Campos dos Goitacás e do conde de Vila
Nova de São José — procedia a fazenda de Santa Mônica, uma das mais
famosas do tempo.”
“O
mais velho dos filhos do casal, Brás
Carneiro da Costa e Gama, foi o conde de Baependí,
com grandeza. Uma das filhas a condessa de Carapebus
e outra a condessa de Tourinho, em
Portugal.”
“O
segundo filho do marquês de Baependí,
Manuel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama, veio a ser o barão de Juparanã,
e o terceiro, Manuel Nicolau Carneiro
Nogueira da Gama, o barão de Santa Mônica,
com grandeza, casado com D. Luisa de
Loreto Viana de Lima e Silva, filha do duque de Caxias,
fluminense, nascido no município que hoje tem seu nome e que faleceu na
fazenda de Santa Mônica.”
“Um
sobrinho do Marquês, Nicolau Antônio
Nogueira Vale da Gama, foi o visconde de Nogueira
da Gama, com grandeza, mordomo-mor do Imperador. Era filho do coronel José
Inácio da Costa Nogueira e de D.
Francisca Vale de Abreu e Melo, — que depois de viúva se tornou a
viscondessa de São Mateus — e
casado com D. Maria Francisca Calmon da
Silva Cabral.”
“O
primogênito do visconde de Nogueira da
Gama foi o Dr. José Calmon Nogueira
Vale da Gama, um dos fundadores do Jockey Club do Rio de Janeiro. Uma de
suas filhas, D. Francisca Calmon Nogueira
da Gama, veio a ser a condessa de Penamacor,
em Portugal, e outra, D. Maria
Francisca Nogueira da Gama, a baronesa de Moniz
de Aragão, na Bahia. Neto da baronesa e do barão de Moniz
de Aragão, — Dr. Egas Moniz
Barreto de Aragão e Meneses — é o Dr. Pedro
Calmon, escritor, jurista e historiador, membro da Academia Brasileira de
Letras e um dos nossos maiores oradores da atualidade. Foi esta, assim, uma das
mais eminentes e aristocráticas famílias resultantes da civilização
fluminense do café.”
“Grandes
latifundiários na mesma margem esquerda do Paraíba, em princípios do século
XIX, foram igualmente o marquês de Lajes,
João Vieira de Carvalho, português, o desembargador José
Loureiro, o guarda-mór Manuel do
Vale Amado e seu genro, o comendador José
Inácío Nogueira da Gama, irmão do marquês de Baependí.”
“A
Antônio Pereira de Souza Barros, nascido
em Marquês de Valença, de pais portuguêses, caberia o título de barão do Engenho
Novo, por também possuir numerosos prédios nesse bairro do Rio de Janeiro.
Manuel Pereira de Sousa Barros, igualmente
valenciano, foi o barão de Vista Alegre.
O capitão Joaquim Gomes Pimentel, que
hospeda o pianista Gottschalk em sua
fazenda, seria o visconde de Pímentel, e
ainda nascido na fazenda Bom Jardim, em Marquês de Valença, foi o barão de Araujo
Maia.”
“Com
todo êsse halo aristocrático a testemunhar uma prodigiosa riqueza em cafezais,
o nome de Valença era um dos mais respeitados no período imperial. Um símbolo
do potencial econômico e cultural da Serra Fluminense no ciclo do café.”
“Cabe
aqui dizer que, parte da grande fama de Valença provinha também do êxito de
fazendeiros vindos de Vassouras, mormente da zona de Sacra Família, após a
fundação, em 1801, da aldeia indígena valenciana por José
Rodrigues da Cruz.”
“A
mais interessante, porém, das sesmarias concedidas, foi a de João
Pinheiro de Sousa, genro do patriarca Inácio
de Souza Werneck, que, deixando a sua fazenda em Sacra Família, foi para a
margem esquerda do Paraíba fundar uma grande propriedade, desdobrada
posteriormente em várias outras, e com ela ser o tronco da família dos Ipiabas
que se entrelaçou com outras, como as famílias Vieira
Machado da Cunha, Antônio José Fernandes, Sales Pinheiro, Almeida Ramos, Rocha
Werneck, etc.”
Matoso
Maia Forte, sempre
bem documentado sobre as grandes famílias vassourenses e de quem anotamos essas
linhas, fala-nos da importância da grande sesmaria nos primórdios de Valença,
como refúgio humanitário para os índios, sempre bem acolhidos pelo benemérito
fazendeiro.
“Foi
ela a fazenda de São João, onde em convívio estreito com a natureza e com
aborígenes, criaram-se os seus filhos Peregrino
José da América Pinheiro,1o barão, depois visconde de Ipiabas,
com grandeza, e Inácio José da América
Pinheiro, barão de Potengi, de
lavradores de café, descendentes sobretudo em elevado número do abastado
visconde de Ipiabas.”
“O
filho dêste, Francisco Pinheiro de Sousa
Werneck, viria a ser o 2o barão de lpiabas
e, suas filhas Ana Peregrina,
Francisca Peregrina, Carolina e Maria
Peregrina, tornar-se-iam, respectivamente, as baronesas de Potengi,
de Almeida Ramos, de Palmeiras
e de Aliança.”
“Com
tamanha abundância de grandes riquezas e de títulos honoríficos ao seu redor,
Valença com o seu amparo, deveria rivalizar com Vassouras como cidade. Os
fazendeiros valencianos distinguiam-se todavia dos vassourenses por um mais
altivo enclausuramento em seus solares campestres. Jamais teria, a pequena
cidade, uma nata rural com todas as suas vistas focalizadas na formação de um
belo centro urbano como o da “Princesa do Café”, do qual viessem a se
orgulhar.”
“Alguns
dos seus nomes de aristocratas são, porém, até hoje venerados pelos serviços
urbanos prestados à coletividade, entre eles destacando-se o do conde de Baependi
e o do visconde do Rio Prêto.”
“Deste
último, guarda a cidade indeléveis recordações da sua passagem benfazeja.
“Domingos
Custódio Guimarães viera
de São João d’El-Rei como o marquês de Valença,
sendo ali um proprietário rural. Migra, entretanto, para a terra
fluminense, onde, atraído pelo café, compra a fazenda Paraíso, próximo ao
arraial de Porto das Flôres, e faz dela “a jóia de Valença”.
“Na
sua simples grandeza, a casa aparentava a placidez de um solar. Dentro
resplandecia o luxo no estilo dos mobiliários, na pureza dos cristais e dos
espelhos, nos desenhos das finas tapeçarias, na sobriedade dos damascos, nas
pratarias lavradas.”
“Galerias
de quadros de valor, museu de raridades, capela, tudo continha a fazenda do
visconde do Rio Prêto
.”
“Todo
o fausto dessa magnífica vivenda não impedia, porém, que o grande lavrador
olhasse com carinho a pequena cidade embora distante do seu solar.”
“Dotou
ele, a vila, de edifícios amplos, de templos, de confôrto e o município de
estradas. Foi um dos fundadores da Santa Casa da Misericórdia.”
“Foi
ele uma das mais expressivas figuras da aristocracia fluminense do café.”
“Possuidor
de uma brilhante inteligência, enérgico, vibrátil, impetuoso, tendo uma visão
clara dos homens e da sociedade, esse varão de têmpera antiga compenetrava-se
do seu dever de aristocrata, na proteção das classes desprotegidas. E, por
isso, dedicou-se em desenvolver o conforto e o bem estar do povo valenciano.”
“O
seu temperamento ardoroso não podia sentir obstáculos à sua frente. Sabia
querer. O visconde do Rio Prêto era
Grande do Império.”
“E’
êle quem introduz a iluminação a gás no Brasil, importando maquinismos para
a fazenda do Paraíso. Foi pai do 2o barão do Rio
Preto, Domingos Custódio Guimarães Filho.”
“Solares
não menos considerados que este, espalhavam-se, entretanto, por toda a antiga
área municipal de Marquês de Valença, em grande parte hoje tomada pelos municípios
de Rio das Flores e de Barra do Piraí. Famosos eram, entre outros, o da
Independência - do visconde de Nogueira
da Gama; o de Campos Elísios - do barão de Ipiabas;
os de Sant’Ana, São José, Aliança e Monte Alegre - do barão do Rio
Bonito e do seu irmão o comendador Faro;
e a Fazenda Nova - do barão do Pilar,
José Pedro da Mata Saião.”
MARQUÊS DE VALENÇA — Era grande o número de titulados do Império que pontificavam nos destinos econômicos, políticos e sociais de Valença. Citemos, primeiramente, o Marquês de Valença.
Marquês de Valença
Estêvão
Ribeiro de Resende nasceu em 20 de julho de 1777, na fazenda da “Cachoeira”,
no termo de S. João d’El-Rei, da comarca do Rio das Mortes, na província de
Minas Gerais. Era filho do coronel Severino Ribeiro e de Josefa Maria de
Resende, ambos falecidos naquela província.
Pronto
em latim, francês, italiano, retórica e filosofia, matérias que estudou
profundamente, seguiu para Coimbra onde, em 1782, formou-se em leis, e, nessa
ocasião, foi nomeado juiz de fora de Palmila, nas vizinhanças de Lisboa.
Em
1801, tendo noticia do falecimento de seu pai, veio ao Brasil; de volta a
Lisboa, recebeu o hábito da Ordem de Cristo, como recompensa pelos serviços,
que prestou seu pai, ao governo do Brasil. Com a invasão francesa, teve Estêvão
Ribeiro de Resende de fugir às perseguições do general Junot, por ser acusado
de não cumprir as ordens do governo francês. Junot mandava fuzilar os
rebeldes, facilmente; Estêvão Ribeiro de Resende conseguiu salvar-se dessa
melindrosa situação, graças ao seu amigo Gomes Freire de Andrade e à proteção
que lhe dispensava o general francês Degrandorge. Antes, porém, de pôr-se a
salvo, o Marquês de Valença ocultou os dinheiros públicos e os dos órfãos
debaixo do altar de S. Pedro (1808).
Partiu
depois, clandestinamente, para Lisboa, onde se conservou até 1810. Regressando
ao Brasil, sua terra natal, Estêvão Ribeiro de Resende, pela sua ilustração
e inteligência, foi, por D. João VI, nomeado para o cargo de juiz de fora da
cidade de S. Paulo. Diversas foram as funções que exerceu: em 1816, fiscal de
diamantes em Minas; em 1818. desembargador da Casa da Suplicação e da Relação
da Bahia; em 1823, deputado à Assembléia Constituinte, por Minas, e senador do
Império, cargo que exerceu por mais de 30 anos; em 1824, foi nomeado
desembargador do Paço; em 1825, deputado geral por Minas; em 1826, senador por
Minas e São Paulo; em 1827, ministro da Justiça; em 1844, foi eleito
presidente do Senado.
Em
1826, foi-lhe dado o título de Barão, com grandeza, e de Conde de Valença, no
reinado de Pedro I. Em 1848, foi agraciado com o título do Marquês de Valença
por D. Pedro II. Era grande do Império, Cavaleiro fidalgo, da Gran-Cruz da
Ordem Imperial do Cruzeiro e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, e muitos outros títulos com que se impôs à confiança do monarca
e à gratidão nacional.
Na política da Independência, “um dos seus mais estrênuos campeões“, tomando parte ativa nos sucessos políticos desses tempos, foi vulto de grande realce, especialmente quando da memorável viagem feita, em 1822, à província de Minas por D. Pedro, então príncipe regente, que o levara como seu ministro de tôdas as repartições. A história pátria, um dia, fará justiça de proclamar os seus grandes e valiosos serviços prestados à causa de Independência Nacional. Era o Marquês de Valença o decano do Senado brasileiro, e foi o último representante do Conselho de Estado e também o único membro do extinto Desembargo do Paço.
Marquesa de Valença
Até
1842, o Marquês de Valença “ocupou o primeiro lugar na antiga comarca de
Valença”. Provinha a fortuna de sua mulher d. Ilídia Mafalda de Souza
Queiroz, senhora paulista, filha do brigadeiro Luiz Antônio de Souza Macedo de
Queiroz, um dos homens mais opulentos do Brasil joanino, e o mais rico vassalo
da capitania de S. Paulo.
Em
1848, Pedro lI, em visita aos municípios fluminenses, recebeu fidalga
hospedagem do Marquês, na cidade de Valença, onde possuia magnífico palacete,
por detrás da atual Catedral.
Todas
as fazendas do Marquês de Valença se achavam no município de Valença.
Fundou, o Marquês, a conhecida fazenda das “Coroas”, vasta propriedade, tão
grande, que, em 1885, uma parte, constituindo fazenda, foi vendida por seu
filho, o Barão de Valença (Pedro Ribeiro de Resende) ao fazendeiro José Pedro
Martins, por setecentos e cinquenta mil cruzeiros. Arrependido, dava-lhe o Barão
a baixela no valor de cinquenta mil cruzeiros, para anular a venda, o que não
conseguiu — assim nos relata Taunay.
Fachada da sede da fazenda das “Coroas”
O
Marquês de Valença, além de 500 escravos, possuía inúmeros colonos portuguêses.
O
escritor fluminense Maia Forte, referindo-se ao Marquês de Valença,
declara que: “No
arquivo do Museu Paulista, no espólio documental do Marquês de Valença, doado
pela neta deste, a ilustre senhora d. Lídia de Sousa Resende, existem várias
cartas do barão de Aiuruoca ao Marquês de Valença, trocando idéias acerca de
projetos de utilidade pública, obras de benemerência e questões relativas à
cultura cafeeira”.
Do casamento do Marquês com d. Ilídia Mafalda nasceram 11 filhos. Além dos 11 filhos legítimos, vieram ao mundo quatro filhos naturais legitimados, nascidos muito antes do seu casamento com a Marquesa (Rev. n. 304, do Instituto dos Estudos Genealógicos, 1938 —pág. 99).
Faleceu
o Marquês de Valença aos 8 dias de setembro de 1856, com a idade de 79 anos,
deixando vários filhos ainda menores.
Brasões
do Marquês de Valença
O
brasão de armas do Marquês de Valença era constituido da seguinte maneira:
Escudo dividido, em azul e ouro: no primeiro, as armas de Damião Dias Ribeiro,
que são um leopardo de prata passante e chefe de ouro com três estrelas em
vermelho; no segundo, as armas dos Rezende, que são duas cabras de prata,
gobadas de ouro timbre: o leopardo das armas, com uma estrela de goles na espádua,
e, por diferença, uma bica com uma flor. Brasão passado em 29 de novembro de
1829 (Reg. no Cartório da Nobresa — Livro IV —— fl. 1).
VISCONDE
DO RIO PRÊTO
—
Um outro titular de grande realce no Império e que gozava de notável prestígio
na Corte, era o Visconde do Rio Preto, Domingos Custódio Guimarães, o grande
benfeitor de Valença. Nascido em 7 de setembro de 1802, em S. João d’El-Rei,
muito moço demonstrou acentuadas aptidões para a lavoura.
Conta-nos
Eloy de Andrade, em seus magníficos depoimentos sob o título “Da
grandeza da Província â decadência do Estado do Rio de Janeiro”,
o
seguinte: —
“Associou-se, no primeiro Império, a um dos mais ilustres brasileiros de seu
tempo, João Francisco de Mesquita (1790—1883), barão, visconde e afinal
Marquês de Bonfim, o banqueiro que tantas vezes acudiu com avultadas quantias
ao Tesouro Nacional. Trataram os dois sócios de abastecer o Rio de Janeiro de
carne, fazendo descer de Minas Gerais grandes rebanhos. E como tivessem um comércio
bem organizado ganharam largas somas. A malignidade e a maledicência públicas
acusaram D. Pedro I de compartícipe dos lucros da firma Mesquita & Guimarães.
A esse rumor malévolo davam asa às contínuas transações entre o Estado, então
em grandes apertos financeiros, e o rico banqueiro, que já era o Marquês de
Bonfim.”
Visconde
do Rio Preto
“Dissolvida
a sociedade —
prossegue Eloy de Andrade — pensou
Domingos Custódio Guimarães em fazer-se fazendeiro de café, encarregando a um
seu sobrinho e a um dos seus agentes, para a compra de duas pontas de gado, e de
lhe ver alguma propriedade, grande e em boa zona. E assim, em suas repetidas
viagens, para comprar gado, Joaquim Cândido Guimarães conheceu, a palmo,
terras feracíssimas, terrenos pouco acidentados, boas vias (naquele tempo!) de
comunicações pela velha estrada do Comércio.”
“Procurou
as margens do rio Prêto, caminhando de Santa Bárbara, e comprou, então, a João
Pedro Maynart, duas fazendas — “Flores do Paraíso” e “Loanda”, também
conhecida antigamente pelo nome de “Barra das Flores” — por Cr$
120.000,00, com duzentos cativos. Maynart deu as razões da venda: estava velho,
cansado e queria conforto, fugindo daquela solidão. Antes de realizar a compra,
quis Joaquim Cândido consultar seu parente, morador ali perto, o capitão
Domingos Antônio Ribeiro, com cuja filha se casaria mais tarde. Domingos Antônio
animou-o: podia comprar, terras boas, mas escravos insubordinados.”
“Realizada
a compra, mudou-se Domingos Custódio Guimarães para a fazenda da “Loanda.”
Teve
aí a ocasião de constatar a veracidade das asserções do cap. Domingos Antônio,
num incidente típico dos tempos, que o escritor Eloy de Andrade assim reproduz:
“Certa
manhã, muito cedo, viu chegar, amarrado, as mãos atrás das costas, o feitor
da roça, português e recém-chegado de Portugal. Acompanhavam-no os pretos:
justificavam aquêele ato de insólita rebeldia, afirmando que ele não sabia
mandar! Foi julgado necessário um exemplo de rigor. E era, então, tal o prestígio
do detentor da liberdade do mísero escravo, tal a degradação em que este
estava, que, silenciosos, sem protesto, sofreram os cativos da “Loanda” o
cruel castigo, que a segurança individual impunha”.
E
continua Eloy de Andrade:
“Grandes
centros agrícolas tornaram-se logo as recém-adquiridas propriedades de
Domingos Custódio Guimarães; dotado de prodigiosa atividade, o futuro Visconde
se achava em toda a parte, e a tudo superintendia, com rara competência.
Percorrera as grandes fazendas da época, observando, com atenção, o que nelas
havia de melhor. Fez infindáveis viveiros de cafeeiros; não quis imitar alguns
vizinhos que catavam, nas capoeiras e nos cafezais, as mudas necessárias.”
“Iniciou,
depois, derrubadas nas melhores pontas da mata virgem. Queimadas estas e após a
grande rega das primeiras chuvas de agôsto, vestiu as encostas e os planos de
cafeeiros. E, mais tarde, o que se viu era: canaviais a perder-se de vista,
simulando nas planícies, nos dias de ventania, ondas de encrespado mar.”
“Mais
de 500 escravos foram comprados nos anos seguintes e adquiridos sítios que
confinavam com o “Paraíso” — como os da “Criméia” “São Leandro”
e “Santa Vitória” — que trinta e cinco anos mais tarde, seu filho
venderia ao tio de sua mulher, o Barão do Pilar (José Pedro da Mota Sayão).
Novas fazendas e matas virgens foram adquiridas; entre as primeiras, contam-se
“S. Policarpo”, “Santa Teresa”, “Santa Bárbara”, “Aliança”,
“Monte Alverne” e “União”; entre as segundas, “Santa Genoveva”, além
de mais dois sítios em Covancas, em Minas.”
O
Visconde do Rio Preto era, em 1867, o primeiro fazendeiro não só da província
do Rio de Janeiro, como do Império, segundo afirma Eloy de Andrade. Mas,
Taunay, por outro lado, explica: — “parece-nos
que esta asserção de Eloy de Andrade é injustificada. Exportava para mais de
40.000 arrobas de café, mandava todos os sábados a tropa à Valença levar
produtos da pequena lavoura: araruta, polvilho, açúcar, farinha de mandioca e
de milho, etc. Para ser, em 1867, o maior fazendeiro do Império precisaria o
Visconde do Rio Prêto ter safras maiores do que as alegadas 40.000 arrobas.
Nessa época, os irmãos Breves, Joaquim e José, tinham colheitas muito
maiores. Em 1860, colheram — o primeiro, 204.000 arrobas, e seu irmão um
pouco mais de 100.000... Aliás dizer-se o primeiro
fazendeiro não só da província do Rio de Janeiro como do Império, é
perfeita redundância, pois não há quem imagine que, em 1867, e que em
qualquer das duas outras províncias cafeeiras, vivessem maiores fazendeiros de
café do que os fluminenses”.
“Quando
Mariano Procópio,
— escreve Eloy de Andrade — construiu
a estrada “União Indústria”, reclamou o Visconde do Rio Preto um ramal
para Porto das Flores, prometendo-lhe exportação superior a 100.000 arrobas,
somente daquela redondeza. Estudou, Mariano Procópio, o caso, e a estrada foi
construída, cuja inauguração teve lugar, por coincidência, na festa do
aniversário natalício do Visconde. Quis o Rio Preto comemorar condignamente
esse acontecimento, oferecendo ao mundo oficial, ao alto comércio do Rio de
Janeiro, uma festa representativa da grandeza da lavoura fluminense”.
E
conta-nos, então, Eloy de .Andrade: —
“Assim, convidou o Rio em peso. Conselheiros de Estado, senadores, deputados
gerais e provinciais, tanto fluminenses como mineiros, seu velho amigo e sócio
o Conde de Bonfim, o Visconde do Bom Retiro, o maior amigo do Imperador, médicos,
advogados, altas patentes militares de terra e mar. Iluminara, com lanternas de
variegadas cores, o caminho do Porto das Flores até à fazenda, toda a noite
anterior, enquanto duas bandas de música, alternando-se, executavam todo o seu
repertório.
“Firmara-se
o prestígio do Visconde nas duas pontes, que conseguiu construir ligando as
duas províncias. Cioso, o governo mineiro relutara em lhe fazer tal concessão.
A barca do Porto das Flôres funcionava, havia meio século. Mas, o Visconde do
Rio Preto insistira e triunfara. Então quisera mais: ligar as duas fazendas,
que pertenceram a Manoel Tomaz, à sua “Loanda” e, ainda, uma vez, alcançara
a vitória.”
“A
grande e interessante festividade teve um desfecho que, veio mais uma vez,
comprovar a inanidade das coisas humanas.”
“Rompia
a manhã, quando estrugiu o Hino Nacional, saudado por girândolas de morteiros.
Ao mesmo tempo, ouvia-se o rodar surdo de muitas carroças. Eram as da “União
Indústria”, conduzindo 500 sacas de café, com duas mil arrobas. Iam
embandeiradas, cobertas com grandes toldos, juncados de flores. Grandes turmas
de escravos acompanhavam-nas até ao leito de macadam, para remover qualquer
obstáculo. A tudo, o Visconde do Rio Preto prevenira. Às dez horas da manhã,
serviu-se o almoço. Depois, os convidados espalharam-se, tomando diferentes
rumos; uns penetravam no grande pomar do lado de cima da fazenda; outros, no
pequeno caminho da “Loanda” onde sabiam existir as mais raras frutas;
outros, finalmente, entretinham-se com o bilhar e outros jogos. Por toda a parte
viam-se jarrões com flores odoríficas. Às duas da tarde, parou em frente à
entrada do palacete, elegante carro a que estavam atrelados quatro cavalos do
Cabo. O Visconde desceu, então, a grande escada, a cujos lados, dois negros de
bronze, do tamanho natural, sustentavam nas possantes mãos, ricos candelabros.
Acompanhava-o Mariano Procópio, a quem ia mostrar a fazenda da “Barra”. Por
um requinte de gentileza, quis o Visconde bolear. Tomaram o caminho da “Loanda”,
margeando o rio Preto, em frente ao cemitério. No momento em que penetravam na
grande ponte, na foz do rio das Flores, os cavalos espantaram-se e o Visconde
teve grande dificuldade em contê-los. Sentiu, então, terrível angústia
seguida de indomável desfalecimento. Mas, já o cocheiro lhe retirara as rédeas
e continuava a viagem, dando volta aos esplêndidos cafezais que Mariano não
cessava de elogiar.”
“Na
velha casa da fazenda ofereceu o Visconde ao amigo licor e doces. E pouco depois
voltaram.”
“Corria
a tarde: eram quase seis horas. A apoteose, rapidamente organizada, devia dar-se
à sua chegada. Quando avistaram o carro, romperam as músicas em alegre
dobrado, e vivas, ao Visconde do Rio Preto, fizeram-se ouvir. Chegando em frente
à entrada do solar, caiu das janelas, uma chuva de pétalas de rosas. A banda
executou o hino, sempre pronto a ser ouvido nas horas de triunfo...”
“Naquele
momento, todas as moças do Rio de Janeiro, os conselheiros de Estado, os
parlamentares, lançaram flores sobre o Visconde; e, cá em baixo, junto ao seu
carro, estrugiam os brados vitoriando-o. Era muito, para um organismo combalido,
gasto por um trabalho incessante de longos anos. Novamente seu coração batia
forte, quando, havia pouco. Quisera parar, ao praticar violento esfôrço...
Muito pálido, desceu do carro. O Visconde do Bom Retiro correu a ampará-lo,
travou-lhe o braço e levou-o ao salão esquerdo. Abriram-lhe alas até ao sofá
onde caiu fulminado por uma síncope cardíaca!...
—
“Domingos, então, que é isto ?“... — interrogava o velho Mesquita,
admirado daquele desfalecimento. — “Um médico, depressa !“ — Havia
muitos. Cercaram o moribundo.”
—
“Não é possível!”... — gritou a Viscondessa, atirando-se sobre o corpo
já inanimado do marido.”
“Gritos,
soluços de parentes a quem protegia, lamentos de escravos que o serviam com
extraordinária dedicação, todo esse rumor confuso, que se dá nessas ocasiões,
troou nos ares do “Paraíso”.
“Depois..,
O silêncio dos túmulos. A disciplina severa que ele instituíra, reinava
agora, soberana, em derredor do seu corpo sem vida, como derradeira
homenagem.”
“Ao
longe, nos recantos dos quartos, viam-se, a cada passo, as pretas africanas, a
chorar. Ninguém pensou mais no banquete no salão de cima, profusamente
iluminado. Nas mesinhas espalhadas, aqui e ali, sentavam-se, a furto, alguns
convidados, outros velavam o cadáver até o amanhecer.”
“Trinta
anos havia decorrido desde o dia em que Domingos Custódio Guimarães fora
dormir pela primeira vez na casinha de José Pedro Maynart, hoje substituida
pelo palacete onde se encontrava reunida a fina flor da sociedade do Rio de
Janeiro.”
“Pequeno
canavial, um mandiocal maior, eis o que, então, vestia aquelas colinas e
planos, agora ocupados por lindos cafezais onde trabalhavam quatrocentos
cativos! Morria o Visconde do Rio Preto, naquela serena tarde de setembro, em
meio da maior grandeza com que pudera sonhar, deixando fortuna superior a dois
mil contos de réis.”
“Tão
grandiosa a sua principal fazenda que, dezoito anos mais tarde, um genro de D.
Pedro II, o Conde d’Eu, ali foi especialmente ter, lá pernoitou, recebendo a
mais brilhante acolhida. Recebia-o, como administrador de seu irmão, um neto do
regente do Império, Pedro de Araujo Lima (Marquês de Olinda), Joaquim Henrique
de Araujo, filho do Visconde de Pirassinunga. Veio de Valença, o príncipe
consorte em coupé, com mudas de dez
em dez quilômetros, de sorte que transpôs as cinco léguas do percurso em duas
horas e meia! Um banquete foi-lhe oferecido. Os principais fazendeiros da região
ali estavam. A rica baixela, as porcelanas de Sévres, os vinhos raros, as
flores em profusão; tudo o que a ardente imaginação e o apurado gosto de
Joaquim de Araújo podiam conceber, converteu-se em realidade”.
Relatando
um fato decorrente do passamento do Visconde do Rio Preto, escreve ainda Eloy de
Andrade “...que o crédito agrícola
desaparecido na madrugada de 15 de novembro, foi um dos maiores fatores da
grandeza da lavoura cafeeira no século passado, resultante da confiança inabalável
que comissários e bancos depositavam no fazendeiro, e a probidade invejável
deste, cimentando o pacto entre o produtor e o vendedor, base da prosperidade,
de antanho, dos grandes centros agrícolas.”
“O
crédito agrícola não se inventa” — comenta amargamente o nosso autor,
louvando o bom vieux temps.”
Referindo-se
ao prestigioso fazendeiro, escreve também A. C. de Araujo Guimarães, no
“Jornal do Comércio”, de 19/11/1933:
“De
todos, porém, foi o Visconde do Rio Preto, Domingos Custódio Guimarães, o
maior protetor da vila fluminense” —
ao referir-se à Valença.
“...
O Visconde do Rio Prêto foi o grande amigo de Valença. A sua bolsa estava
sempre aberta para atender às necessidades da Vila. Muitos melhoramentos foram
feitos sob a iniciativa do filantropo e quase que, exclusivamente, às suas
expensas. Era interessante a personalidade do Visconde do Rio Prêto. Possuidor
de uma brilhante inteligência, enérgico, vibrátil, impetuoso, tendo uma visão
clara dos homens e da sociedade, esse varão de têmpera antiga, compenetrava-se
do seu dever de aristocrata, na proteção das classes desprivilegiadas. E por
isso, dedicou-se em desenvolver o confôrto e o bem-estar do povo valenciano, O
seu temperamento ardoroso não podia sentir obstáculos à sua frente. Sabia
querer. Ainda criança, na solidão da fazenda paterna da “Russinha”,
entusiasmou-se pela gloriosa trajetória de Napoleão Bonaparte, na política
européia. Quando soube da prisão do Grande Corso, depois de Waterloo, fugiu da
casa paterna, para vir ao Rio, com alguns amigos, tentar a formação de uma
expedição, com o fim de arrancar de Santa Helena, o prisioneiro que definhava
na melancolia de Longhood. Comprende-se que a tentativa louca do menino
fracassou, mas esse fato prova o seu caráter incisivo, a sua energia pouco
vulgar, a beleza do romanesco que o acompanhou por toda a vida, Homem de
mentalidade grandemente progressista, foi, pode-se dizer, o introdutor do gás
no Brasil, importando da Europa os maquinismos necessários para a iluminação
de sua fazenda.
Fachada da
sede da Fazenda do “Paraíso”
“A
fazenda do “Paraíso” constituia a jóia de Valença. Na simples grandeza, a
casa da fazenda apresentava a placidez de um solar. Dentro, resplandecia o luxo,
no estilo dos mobiliários, na pureza dos cristais e dos espelhos, nos desenhos
das finas tapeçarias, na sobriedade dos damascos, nas pratarias lavradas.
Galerias de quadros de valor, museu de raridadas, capela, tudo continha a
fazenda do Visconde do Rio Prêto.”
“Conta-se
que um neto do Visconde, levando, um dia, à fazenda, um inglês amigo, recém-chegado
da Europa e que apenas se demorou na Capital, testemunhou a surpresa e o
entusiasmo do saxôníco, ante a soberania da entrada suntuosa daquêle edifício
quadrado, sôlto nos campos brasileiros...”
“A
Baronesa do Rio Preto, nora do Visconde, mandou rezar, um dia, na igreja matriz
de Valença, uma missa em ação de graças, fazendo-se ouvir, nessa solenidade,
a orquestra
particular da fazenda, composta de 80 escravos e um coro de pequenos escravos,
de 70 vozes.”
O
Visconde do Rio Preto, Comendador da Imperial Ordem da Rosa e da de Cristo,1o
Barão e 1o Visconde desse título, com grandeza, faleceu em
sua fazenda do “Paraíso”, no dia 7 de setembro de 1868, dia em que, também,
se comemorava o seu aniversário natalício.
Valença,
em peso, sentiu profundamente a sua morte. E razão tinham os valencianos de
sofrer a dor desse passamento, “porque
o Visconde era um dêsses homens que só vivem quando sabem que o seu dia não
foi perdido para os infelizes, as ruas da cidade de Valença calçadas a esforços
seus, o aformoseamento das praças, o benefício constante, e, pode-se dizer, diário
para com a Santa Casa da Misericórdia, de que era incansável provedor, todos
esses serviços relevantes, que prestava, devem gravar seu nome em letras
imortais nos corações dos valencianos”.
(Do Almanaque
de Laemert, de
1869 — pág. 56v.).
Uma
grande vida como a do Visconde do Rio Prêto não se comporta num estreito
perfil. Entretanto, aí fica, em traços rápidos, o esboço da existência
luminosa e agitada desse titular. Que os valencianos saibam fazer, um dia, a
devida justiça, glorificando-o no bronze, em praça pública. Bem o merece, a
memória do primeiro e um dos maiores benfeitores da cidade de Valença. Esta idéia
já foi concretizada pela deliberação municipal n.0 316, de 7 de
julho de 1922 — mas até hoje, não se efetivou.
Sua esposa, d. Maria das Dores de Carvalho Guimarães, Viscondessa de Rio Prêto, título com grandeza, faleceu em sua fazenda, na freguesia de Santa Teresa de Valença, a 12 de janeiro de 1873.
O
Barão do Rio Prêto, filho do Visconde, foi também figura de grande prestígio
em Valença. Soube honrar o nome de seu pai, na prática das mesmas virtudes
evangélicas. Moço ainda, veio a falecer, na fazenda do “Paraíso”, em 12
de fevereiro de 1876, deixando um padrão de bons exemplos.
CONDE
DE BAEPENDI
— Um nome que, também, ficou para honra dos anais da
história de Valença, é o do Conde de Baependi, aristocrata de excelentes
virtudes e de notável projeção na política do Império.
Braz
Carneiro Nogueira da Costa e Gama nasceu em 22 de maio de 1812, no Rio de
Janeiro, onde faleceu em 12 de maio de 1887. Era filho dos Marqueses de Baependi,
Manoel Jacinto Nogueira da Gama e de d. Francisca Mônica Carneiro da Costa e
Gama.
Foi
deputado geral e provincial pela província do Rio de Janeiro, de 1850 a 1864, e
de 1869 a 1872. Foi presidente da Câmara Municipal de Valença em várias
legislaturas.
Eleito
senador pela província do Rio de Janeiro e escolhido em 15 de maio de 1872,
presidiu o Senado nas sessões de 1885 a 1886. Presidiu a província de
Pernambuco, de 23 de agosto de 1868 a 11 de abril de 1869. Gentil-homem da Câmara
Imperial e grande do Império, gozava de dilatado prestígio. Era Comendador da
Ordem de Cristo e grande dignatário da Ordem da Rosa. Foi agraciado com o título
de 2o Visconde de Baependi, com grandeza, por decreto de 12 de
outubro de 1828, e de 2o Conde, por decreto de 2 de dezembro de 1858.
Conde
de Baependi
Casou-se
com sua prima, d. Rosa Mônica Nogueira do Vale da Gama. Foi fundador e primeiro
provedor da Santa Casa da Misericórdia de Valença. Em sua homenagem, foi seu
nome dado a urna freguesia da Glória, na Capital Federal. Da sua bibliografia
constam os seguintes trabalhos: “Notícia dos senadores do Império do Brasil
desde 1826”, relativa às ocorrências concernentes às respectivas eleições
e dos presidentes e vice-presidentes do Senado; das Regências e dos Regentes do
Império; dos ministros e secretários dos Estados, etc.
(Rio — Imprensa Nacional — 1886). Relatório dos trabalhos do Conselho
da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional da Vila de Valença,
desde sua instalação pública, no dia 17 de novembro de de 1831, até o dia 15
de agôsto de 1832”. (Rio — Tip. Nacional — 1832). “Discurso pronunciado
na sessão de 8 de julho de 1869, em resposta ao que o Marquês de Olinda
pronunciou no Senado na sessão de 22 de junho, por ocasião de discutir-se a
eleição para senadores de Pernambuco” (Rio — Timp. Imp. e Const de J.
Villeneuve & Cia. — 1869).
Usava
o brasão de armas de seu pai Marquês de Baependí, o qual tinha as seguintes
características: “Escudo partido em
pala, na primeira, as armas dos Nogueira — em campo de ouro uma banda
xadrezada de prata e sinople de cinco peças em faixa, com a ordem do meio
coberta toda de uma gótica de goles; na segunda, as armas dos Gama, dos que
descendem de D. Vasco da Gama, que são: o escudo xadrezado de ouro e sete em
vermelho, de três peças em faixa e cinco em pala, oito de ouro e sete em
vermelho, estas carregadas de duas faixas de prata; e no meio das armas um
escudete com as quinas de Portugal. Timbre: meio naire, vestido ao mundo da Índia
com urna trunfa e um bolante, que lhe cai pelas costas; braços nus e na mão
direita um escudo das armas dos Gama, e na esquerda um ramo de canela verde, com
rosas de ouro: a de Conde (“Arq.
Nobiliárquico Brasileiro” — de Barão Smith de Vasconcelos — 1918).
Possuía
o Conde de Baependí doze léguas quadradas de terras concedidas pelo Rei, nada
menos de 10.800 alqueires geométricos, ou cerca de 540 quilômetros quadrados.
Foi o Conde de Baependi um grande amigo de Valença, e daí, por espírito de justiça, o ter-se dado o seu nome a uma das praças da cidade de Valença — a praça Conde de Baependí — hoje desaparecida com a instalação de uma fábrica de tecidos e com prolongamento de ruas.
VISCONDE DE IPIABAS — Entre os aristocratas do café, foi, indubitàvelmente, o Visconde de Ipiabas o vulto de maior atração e prestígio na circunscrição valenciana. Peregrino José da América Pinheiro, primeiro Barão e primeiro Visconde de Ipiabas — é um nome, intimamente, vinculado ao passado de Valença. Filho mais velho do capitão João Pinheiro de Souza e de d. Izabel Maria da Visitação, nasceu em 21 de julho de 1811, na freguesia de Pati do Alferes, urna das mais antigas do município de Vassouras.
Visconde de Ipiabas
Tinha
apenas onze anos de idade, quando seu pai mudou-se para Valença, onde fundou a
fazenda de São João, à margem do rio Paraíba, em sesmaria concedida pelo
governo, a qual se estendia desde o “Poço do Rumo”, até em frente à
antiga estação do Comércio, da Central do Brasil. Data daí a invejável
prosperidade dos descendentes do capitão João Pinheiro de Souza, que revelou o
dom da previsão do futuro auspicioso da magnificência e pujança do solo ubérrimo.
Essa iniciativa foi por muitos considerada “intempestiva, senão temerária”.
Desbravar
matas, incendiá-las, construir, resistindo às depredações e invasões das
numerosas tribos de gentios, fora, sem dúvida, a prova inquebrantável da
energia do velho capitão. Foi ai, às margens do rio Paraíba, que floriu a
adolescência de Peregrino José da América Pinheiro, para quem, a fundação
da fazenda de S. João “fora
uma verdadeira escola prática, a mais eficaz e salutar”,
na opinião de Olivier de Serres, o patriarca da agricultura fazendeira. A desídia
e a incúria do poder público pela instrução primária eram, com efeito, a
grande preocupação da época. Graças ao seu tio Comendador Francisco das
Chagas Werneck, morador na fazenda dos “Pindobas”, à pouca distância, foi
o futuro Visconde de Ipiabas educado, segundo os recursos possíveis. Seus pais
se preocuparam com a sua educação moral, incutindo-lhe, no coração, os mais
puros afetos de família, que constituíram para os descendentes os mais belos e
fulgentes brasões de nobreza.
Aos
4 de fevereiro de 1834, na robusta e feliz idade de 23 anos, casou Peregrino José
da América Pinheiro com sua prima d. Ana Francisca de S. José, filha do
Comendador Francisco das Chagas Werneck e de d. Ana Joaquina de S. José.
A
nobre esposa do futuro Visconde de Ipiabas não levava para o lar somente um
nome, mas também um tesouro de virtudes, donde teria ele, de haurir os
elementos dessa felicidade doméstica, que gozou por espaço de quase meio século.
Peregrino, alistando-se nas fileiras da Guarda Nacional, foi, em 5 de janeiro de
1837, promovido ao posto de capitão de cavalaria do 1o corpo da Legião
de Valença. Ser oficial da Guarda Nacional, naqueles tempos, era uma grande
honra. Tão bons serviços prestou o futuro Visconde à Nação, que, em 23 de
novembro de 1842, foi promovido ao posto de major. Nessa ocasião, rompiam os
movimentos políticos de S. Paulo e Minas. Dias de tristezas e de lágrimas para
o Brasil, e o nosso honrado agricultor foi um dos primeiros a concorrer com sua
inteligência e sua fortuna para a causa da legalidade e da ordem. O governo
Imperial, por decreto de 19 de outubro de 1842, galardoou o ilustre fazendeiro
com o grau de cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, distinção, naqueles tempos,
que só era conferida ao mérito em remuneração pelos serviços relevantes
prestados à causa pública. Por decreto de 11 de dezembro de 1848, foi nomeado
cavaleiro da Ordem de Cristo.
Peregrino
José da América Pinheiro era, pela conduta irrepreensível, uma garantia e o
mais sólido apoio em favor da ordem e da justiça, no município de Valença.
Em 31 de janeiro de 1849, conferiu-lhe o governo Imperial, a nomeação de 1o
substituto do Juiz Municipal e de órfãos. A 16 de maio de 1849, foi promovido
ao posto de Coronel-chefe da 8a Legião da Guarda Nacional do município
de Valença. A 9 de julho de 1852, foi nomeado Comandante Superior da Guarda
Nacional dos municípios de Valença e Paraíba do Sul. Com o decreto de 27 de
março de 1855, elevando o Coronel Peregrino ao grau de Comendador da Ordem da
Rosa, deu o governo, mais uma prova, do alto apreço em que tinha o grande
agricultor de Valença. Com 23 anos de serviços à Guarda Nacional, foi o
Visconde de Ipiabas reformado, por decreto de 2 de junho de 1860, no posto de
Coronel, com honras de Comandante Superior dos municípios de Valença e Paraíba
do Sul.
Foi
também sócio fundador do Instituto Fluminense de Agricultura, importante
instituição criada em 1861, sob o influxo de Sua Majestade, o Imperador. A 26
de dezembro de 1866, foi agraciado com o título de Barão de Ipiabas e, a 23 de
abril de 1867, com as honras de grandeza ao mesmo título.
Por
serviços prestados à instrução pública, foi o Barão de Ipiabas nomeado
Comendador da Ordem de N. S. Jesus Cristo, em 29 de outubro de 1873. Finalmente,
em 17 de junho de 1882, foi o Barão agraciado com o título de Visconde de
Ipiabas.
Fundou
a fazenda do “Oriente”, que, há bem pouco, pertencia a seus descendentes,
irradiando dali toda sua influência como agricultor e como homem público.
Construiu, em 1876, no povoado de Comércio, atual Sebastião Lacerda, quando
ainda Barão, a igreja de Sant’Ana, doando, conforme consta da ata existente
em livro da mesma igreja, 12 braças, por 20 de fundos, de terreno, para a sua
edificacão.
Foi
presidente da Câmara Municipal de Valença em vários quatriênios. Provedor da
Santa Casa da Misericórdia de Valença, por longo tempo, prestou excelentes
serviços à assistência social. Libertou vários escravos quando concorriam em
seus atos para o bem público. Concorreu para obras públicas e de beneficência
com elevadas quantias. Foi um grande amigo do progresso de Valença.
Para
a estrada de ferro, entre Comércio e Porto das Flores, dispendeu avultadíssimas
somas, a par de sua influência pessoal, pois a sua presença à frente de
qualquer empresa era motivo bastante para o bom êxito. O nome do Visconde de
Ipiabas se acha ligado profundamente a todos os grandes empreendimentos da
cidade de Valença.
Como
político, o Visconde, agrupou em torno à sua respeitabilíssima individualidade
muitas simpatias. Jovem ainda, filiara-se ao Partido Conservador, de que foi,
nos últimos vinte anos, o seu mais ativo e solícito chefe local. Amigo do
Conde de Baependí, do dr. Souza Nunes e outros ilustres valencianos, o Visconde
de Ipiabas conseguira conquistar a posição que um chefe político local jamais
pode aspirar. Era benevolente para com os seus adversários, que o respeitavam
pela sua dignidade pessoal e maneiras cortezes. As cenas tumultuárías, que se
desenrolaram em 1863, manchando, por vezes, os anais eleitorais da política
valenciana, não tiveram o desfecho do derramamento de sangue, graças à moderação,
ao prestígio pessoal e à atuação pronta e decisiva do Visconde de Ipiabas,
que impediu o emprego da violência e do desacato à lei.
Peregrino
José da América Pinheiro tinha gestos nobilíssimos. Conta-se que o Visconde
exigira que, na noite de Natal, seu filho e filhas, nora e genros comparecessem
à sua vasta fazenda para um banquete de “reveillon“ e, nessa ocasião, sob
o prato de cada casal, colocara — e nisso tinha imenso prazer — um cheque
representando uma quantia importantíssima para a época.
Do
seu casamento com d. Ana Francisca de S. José, vieram dez filhos. Das nove
filhas, quatro casaram-se com titulares, tornando-se as Baronesas de Potengi,
das Palmeiras, de Almeida Ramos e da Aliança. O único filho era Francisco
Pinheiro de Souza Werneck, 2o Barão
de Ipiabas.
Faleceu
Peregrino José da América Pinheiro em 9 de junho de 1882, na sua fazenda do
“Oriente”, que fica próximo à antiga estação de Comércio, sendo seu
corpo sepultado no cemitério do “Riachuelo”, na cidade de Valença. À
beira do seu túmulo, usaram da palavra, por ocasião dos seus funerais, dr.
Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo e o vigário Luiz Alves dos Santos. Em São
José das Taboas, fizeram solenes exéquias, evocando a memória do ilustre
extinto o vigário Luiz Alves, assim como, também, em Santa Teresa, por ocasião
da missa de sétimo dia, pronunciaram discursos o dr. Braz Carneiro Nogueira da
Gama e um dos chefes políticos liberais, antagonista do Visconde de Ipiabas,
Fernando Pinheiro de Souza, em cuja alocução — “se observa a nobreza dos
adversários e o ideal comum do bem público”.
O
Visconde de Ipiabas foi um exemplo de trabalho e de bondade. E, porisso, sua
morte foi sentidíssima entre os valencianos.
O
dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo, por ocasião do sepultamento, em
Valença, dos restos mortais do Visconde de lpiabas, pronunciou, à beira-túmulo,
o seguinte, discurso:
—
“Na hora solemne das supremas reivindicações, quando os odios dão-se
tregoas e as paixôes emniudecem, para deixarem passar a sentença grave e calma
da Justiça, este grande vulto, que se chamou VIsconde de Ipiabas, desce á
terra, sem carecer de invocar os sagrados privilegios da morte, para rodear de
unanime acatamento sua memoria immaculada e obtør para seu pamsamento as geraes
condolencias de uma população inteira.
“Mas,
tambem raríssimos têm sido os espiritos que, como o seu, hajam possuido em gráo
tão elevado e na mais perfeita harmonia dotes tão notaveis.
“No
curso de sua existencia, as honras mundanas correram ao seu encontro sem jamais
alterarem a placidez de sua bella alma e por um momento perturbarem a humanidade
christã de seu nobre coração.
“O
Visconde de Ipiabas era, pela forte tempera de seu caracter, superior ás
fraquezas da vaidade.
“Collocado,
pela confiança illímitada de seus co-religionarios politicos, na incontestada
direcção do partido conservador deste municipio, máo grado as exacerbações
das paixões locaes e o ardor dos combatentes nessa ordem de peleja, elle soube
ser sempre o chefe — sem temor e sem stygma — fiel ao desempenho do dever e
observador esmerado das leis da lealdade pessoal e politica, merecendo de seus
proprios adversarios, por aquelle sentimento de justiça que Deus depositou no
fundo de todas as consciencias, as mais altas homenagens de respeito: homenagens
que ainda hoje se traduzem, com honra para todøs, na promiscuidade do pesar em
torno de seus restos mortaes.
“Não
é n’este campo santo, onde tudo quanto há de humano na creatura se nivela
pelas leis immutaveis da matéria, que se deve ouvir a voz dos interesses
transitorios da terra.
“Mas,
como calar a dôr vehemente de uma importante communhão politica, que contempla
na perda de seu prestigioso guia um grande infortunio para a patria, que elle
tanto amou e a que com inexcedivel dedicaçao serviu?
“Os
conservadores de Valença no desatino de sua inopinada calamidade, mal podem
aquilatar a extensão de sua desgraça: porque não é nos paroxismos do soffrímento,
que se medem a grandeza e as consequencias do damno.
“Entretanto,
senhores, fraqueza imperdoavel seria se, esquecendo o exemplo e a licção que o
Visconde de Ipiabas deixou-nos, fízessemos de sua mortalha a bandeira da
debandada.
“A
qui tout perd, Dieu reste encore” - dizia o inspirado de
Musset.
“A
nós, que muito e muito perdemos, resta ainda o amor da causa publica, para
entreter nossa coragem e reerguer nossos animos, abatidos pela enorme
desventura.
“Não
penso que este appello seja uma especie de sacrilegio nesta solemne despedida.
Se
das bordas do tumulo é dado ouvir pela ultima vez os gemidos dos amigos, o
Visconde de Ipiabas me applaudirá, pois que, como o valente general, que
mortalmente ferido, cahe no campo da batalha, levantando a gloriosa espada, para
mostrar a seu exercito o caminho da honra e da victoria, assim elle, se pudesse
com seu ultimo suspiro transmittir-nos a palavra de ordem, seria — avante! com
união e perseverança.
“Do
seio da immortalidade o Visconde de Ipiabas, pela recordação de suas altas
virtudes, de seus constantes sacrificios, de seus inalteraveis sentimentos de
abnegação e fidelidade politica, há de ser sempre a estrella, que nos mostre
o caminho do dever.
“Conservaremos
o culto de sua memoria, como o talisman de nossa solidariedade e firmeza.
“Imital-o
na elevação de vistas, no desprendimento de preocupações pessoaes e na
disciplina política, sem a qual os partidos tornam-se entidades inertes, ha de
ser o nosso primeiro cuidado, como para elle seria a unica recompensa que de nós
almejaria, se da mansão celeste pudesse ainda comunicar-se comnosco — seus
miseros e desolados discipulos.
“Muito
tinha a dizer-vos desse grande caracter, cujas faces lisas e pallidas,
reflectiam, como um espelho, a pureza de seus sentimentos.
“Cabe
a vozes mais auctorizadas recordar as virtudes do chefe de família, a caridade
do christão e os prestimos do amigo, mostrando o que havia de lhano e
“Sempre,
senhores, que eu me achava na presença do Visconde de Ipiabas, sua cortez
bonhomia, a correcção e gravidade de seu porte traziam-me á lembrança o typo,
quasi perdido, de um fidalgo de antiga raça.
“Calo-me;
no semblante de cada um de vós transluz a tristeza, que vos vai pelo coração;
e tão espontanea e geral manifestação resume melhor do que quaesquer phrases
o valor do cidadão, que pranteamos.
“Adeus,
nobre Visconde, adeus para sempre ! Como o valente Iuctador, em honra de Deus e
serviço da pátria, os homens vão dar-te a paz da terra, e o Omnipotente já
te concedeu a gloria do Céu.”
(Do livro O Visconde de Ipiabas, perfil — 1882)
O
seu filho, Francisco Pinheiro de Souza Werneck, 2o Barão de Ipiabas,
casado com a Baronesa de Ipiabas, d. Francisca Guilhermina de Almeida, foi feito
Barão após a morte de seu pai, e tornou-se prestigioso chefe polftico em Valença,
mais tarde, deputado à Assembléia do Estado do Rio de Janeiro.
BARÃO
DE JUPARANÃ
— Valença, mas, principalmente, a antiga Desengano,
muito deve ao Barão de Juparanã, Manoel Jacinto Carneiro Nogueira da Gama, um
dos maiores fazendeiros de sua época.
Barão
de Juparanã
Nascido
no Rio de Janeiro, em 4 de abril de 1830, filho dos Marqueses de Baependí, e
irmão do 2o Conde de Baependl e do Barão de Santa Môníca, foi
Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional de Valença; teve assento na
Assembléia Provincial do Rio de Janeiro, em 1858; presidiu a Câmara Municipal
de Valença, em 1869 e 1872; veador de S.M. a Imperatriz e Oficial da Ordem da
Rosa, tornou-se Barão por decreto de 21 de maio de 1874.
O
Barão de Juparanã pertencia a uma das mais altas estirpes do Brasil e “era
verdadeiro grand seigneur — escreve
Taunay — no dizer de quantos se exprimiam a seu respeito”. Bondoso, muito
indulgente para com os escravos, tinha gênio melancólico, e jamais quisera
casar-se, vivendo ao lado de sua mãe, a Marquesa de Baependí, na sua grande
fazenda de Santa Mônica”, em
Desengano.
Gaba-lhe
Eloy de Andrade a finura de maneiras, o agradável do trato e da palestra do
homem ilustrado, e as feições muito aristocráticas, embora afeiadas pelo
nariz volumoso, que lhe valera a alcunha de Tucano
do Paraíba. Faleceu em sua fazenda, a 25 de junho de 1876, e foi sepultado
no cemitério de Desengano.
Em
16 de agosto de 1876, fez-se-lhe a avaliação do avultado espólio de Cr$
473.130,16, correndo seu inventário pelo foro de Valença, município onde
tinha as suas propriedades. Do que escreveu Taunay sôbre o processo do inventário,
merecem transcrição algumas informações, pelo sabor da época:
“Deste
processo obtivemos uma súmula, graças à extrema gentileza do dr. Gilberto
Garcia da Fonseca, distinto advogado valenciano, grande erudito dos fatos de sua
região natal. E’ precioso documento para o estudo dos valores na indústria
agrícola cafeeira fluminense. Possuia o Barão de Juparanã sesmaria e meia de
terras à margem do Paraíba, em
Desengano, a 120 quilômetros do Rio de Janeiro, com cerca de 340 alqueires geométricos,
ou sejam, cerca de 1.660 hectares, avaliado em 45:000$000, ou 132$000 o
alqueire”.
“Além
das terras cansadas, possuia 208
alqueires em mata virgem, que foram avaliados em 55:466$528, pouco mais ou menos
de 200$000 o alqueire, ou seja, o dobro do valor das terras cansadas.
Possuía, ainda, o Barão, em “Santa Mônica”, metade de um cafezal de
380.000 pés, avaliados em 61:200$000, e 116 mil em “Sant’Ana”. Assim,
tinha um cafezal de 500.000 pés, pois ainda possuía 10.000 cafeeiros no
pequeno sítio do “Papagaio”.
Contava
“Santa Mônica” 256 escravos e 29 ingênuos,
que não entravam na avaliação. Êstes escravos foram computados em
221:800$000, o que dava, por cabeca, cerca de 866$000. Metade de “Santa Mônica”
pertencia ao Barão de Juparanã, sócio do seu irmão, o Barão de Santa Mônica.
A
grande fazenda, de que originara o título deste último, hoje propriedade da
União, e outrora, aberta pelo pai de ambos, — o Marquês de Baependl, cuja
esposa se chamava “Mônica”, de onde, por sua vez, proviera o nome da
fazenda — tinha vultosas benfeitorias, como o enorme prédio, com sobrado e
capela, esta avaliada, naquela época, em 17:000$000, além da dependência para
enfermaria e botica, avaliada em 4:000$000. O engenho para café, com as
respectivas tulhas, avaliado em 6:000$000; outro de cana, com alambique, em
5:000$000; outro de arroz e farinha, estimado em 3:500$000. Serra e moinho, em
1:600$000, senzala com 40 lances, em 2:800$000, e mais uma boa casa no sítio
“Rubim”, avaliada em 2:000$000. A mobília de “Santa Mônica” se avaliou
em 5:130$000. Isto mostra quanto devia ser esse mobiliário enorme, de vez que,
naquele tempo, os móveis pouco custavam. A prataria do Barão de Juparanã
subia a mais de 1:300$000, a sua roupa de cama a cerca de 300$000, e a louça,
perto de 400$000. A capela de “Santa Mônica” devia, estar bem alfaiada,
pois todos os seus paramentos foram avaliados em 1:200$000. O gado da fazenda
era considerável, estimado em 3:600$000, não se contando ovinos e suínos.
O
Barão possuía riquíssimas jóias, independentemente das que herdara de sua mãe,
valiosíssimas comendas, hábitos que pertenceram a seu pai, além de magníficas
carruagens. Tinha o Barão muitos títulos da dívida pública, como também
muitos terrenos na sede de Desengano. Herdara de seu pai, no Rio Doce quatro
sesmarias de uma légua em quadra, terras que D. João VI andara distribuindo
entre seus cortesãos.
Deixara
o titular de Juparanã ainda 3.600 arrobas do melhor tipo de café, em côco,
nas suas tulhas de “Sant’Ana”, calculadas em 8:400$000, ou seja, cerca de
2$400 por arroba.
Estes
eram, portanto, os principais bens deixados pelo Barão de Juparanã, cujo
inventariante foi o seu irmão e sócio Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da
Gama, Barão de Santa Mônica, a quem deixou o remanescente dos seus bens e que
teve por advogado o dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo. Para a velha
preta, que o amamentou, o Barão de Juparanã deixou a importância de 200$000,
recomendando que ela continuasse a residir na fazenda de “Santa Mônica”. Do
seu testamento, que foi escrito em 8 de abril de 1876, consta ainda a seguinte
declaração: — “Também declaro que fica de
nenhum efeito qualquer documento que prove alguém dever-me, considerando-se,
portanto, quite para comigo”.
Deixou
livres, sem condições, mas agregados à fazenda de “Sant’Ana”, 56 dos
seus melhores escravos, que, naquele tempo, valiam, uns pelos outros Cr$
2.000,00 cada um.
Ao
morrer, pediu o Barão que, por sua alma, fossem rezadas vinte e cinco missas.
Não
estaria, de certo, reservado ao Barão de Juparanã ser o homem perfeito. Mas não
é possível recusar-se-lhe qualidades afirmativas, nem pretender que ele, como
todo vulto de projeção acima do comum, não encontrasse quem não lhe atirasse
pedradas. Num opúsculo publicado em 1885, sob o título — “Testamento do
Barão de Juparanã” — apesar da violência do inimigo anônimo contra um
defunto, não lhe pôde o profanador de túmulos ocultar fatos conhecidos e
altamente recomendáveis, como a confirmação de haver o Barão perdoado a
todos os seus devedores; a liberdade que dera a 56 escravos; o aquinhoar, em
testamento, e muito bem, a 24 protegidos,
como, por eufemismo, chamava a esses mestiços, filhos naturais seus; o
patrimônio legado a Desengano, como seja o edifício da estação da estrada de
ferro, ainda hoje existente, a igreja de N. S. do Patrocínio, prédios para
escolas públicas, e outras iniciativas de interêsse coletivo.
BARÃO DE SANTA MÔNICA — O Barão de Santa Mônica, Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Gama, que era irmão do Barão de Juparanã, nasceu, no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1832. Era casado com sua prima, d. Luiza Loreto Viana de Lima e Silva, filha do Duque de Caxias. Residia o casal num belo solar, entre a fazenda e o antigo povoado de Desengano, onde, atualmente, se acha instalado um patronato de menores. Este palacete chegou a pertencer ao Duque de Caxías, por presente do Barão de Juparanã. Tanto este solar como a igreja de N. S. do Patrocínio foram construídos sob os planos e a direção do Coronel de Engenharia José Joaquim de Lima e Silva. Eram tão estreitas relações de parentesco, à ponto de, na Fazenda Santa Mônica, haver falecido Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, glória nacional e patrono do nosso Exército.
Barão
de Santa Mônica
Foi
agraciado com o titulo de Barão, com grandeza, por decreto imperial de 1o
de abril de 1882. Grande fazendeiro em Valença, desfrutava o Barão de Santa Mônica
acentuado prestígio popular.
A
“Santa Mônica” era uma das maiores fazendas de café da antiga província
do Rio de Janeiro, medindo cêrca de 580 alqueires de terras, o que, vale dizer,
mais da metade da área da vila de Desengano, à margem esquerda do rio Paraíba.
Essa
fazenda foi, em 24 de novembro de 1884, hipotecada como garantia de dívida do
Barão de Santa Môníca, pela importância de Cr$ 436.315,60, conjuntamente com
o palacete que pertenceu ao Duque de Caxias, sito à rua Conde de Bonfim n. 18,
no Rio de Janeiro.
Nela
vivera protegida pelos irmãos Nogueira da Gama a preta Izabel
Congo, liberta, que amamentou o Barão de Juparanã, como também ao Conde
de Baependi, a qual, depois, em 1885, com a morte daquele titular, vivia
“pelos cantos das senzalas da fazenda de Sant’Ana, abandonada, cheia de
bichos e quase cega e — como nos revela um documento publicado em 1885, “era
uma fidalga de sangue azul da raça de S. João d’El-Rei“.
A preta escrava Afonsina era outra protegida dos barões
de Juparanã e Santa Mônica, para cuja liberdade foi negada a concessão, sendo
preciso vir o caso para o Juízo de Valença.
Havia
na fazenda de Santa Mônica uma rapaziada afidalgada, cujas mães, pertencentes
ao Serralho, se chamavam: Manoela,
crioula retinta, bonitona e que teve 4 filhos; Floriana,
bem fula, que teve 10 filhos; Semiana,
crioula falecida depois de liberta, e que teve 3 filhos; Emilia,
crioula, meio fula, que teve 5 filhos; e Geralda,
cabocla ligeira e espevitada, levando vida folgada, dançadeira, e que teve
2 filhos, — todos vivendo na “Santa Mônica” para servir aos seus
senhores...
O
preto Pedro Henrique da Silva era
pernóstico e gozava da fama de “bamba” na zona. Filho natural do Conde de
Baependi e da preta africana Izabel
Congo, o crioulo Pedro Henrique morreu
afogado no rio Paraíba, precisamente no dia em que se celebrava, em Desengano,
a inauguração da igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, isto é, em 14 de
janeiro de 1881, com a presença de S. Majestade D. Pedro II.
Servia
também na fazenda de Santa Mônica a fula Amélia
Mateus da Costa, outra filha natural do Conde de Baependi e da preta velha Maria
da Conceição. Como remanescentes da descendência fidalga do Barão de
Juparanã, lá estão ainda, zelando por um passado memorável, na pacata
Desengano, a velha dona Sarah e
descendentes.
O
Barão de Santa Mônica faleceu em Caxambú, no Estado de Minas Gerais, a
17 de outubro de 1885, tendo sido seu corpo inumado no cemitério de Catumbí,
no Rio de Janeiro.
DUQUE DE CAXIAS — A fazenda de Santa Mônica, que era a maior do município de Valença, celebrizou-se por ter sido o solar histórico dos últimos momentos do grande vulto do Exército Nacional — Duque de Caxias, ali falecido aos 77 anos de idade, às 8:30 horas da noite do dia 7 de maio de 1880. À entrada do edifício da fazenda, no saguão, encontra-se uma placa de bronze, comemorativa ao passamento do inolvidável militar, cujos dizeres, da autoria de E. Vilhena de Morais, são os seguintes:
“Aqui morreu, aos 7 de maio de 1880, Luiz Alves de Lima, Duque de Caxias. Filho e neto de soldados, homem da lealdade e da honra, aliando a cruz à espada, foi guerreiro vencedor nunca vencido, obreiro da paz, da concórdia e da unidade nacional”. |
Sua
Majestade D. Pedro, sentindo profundamente o peso do lutuoso acontecimento
nacional, endereçou ao Barão de Santa Mônica o seguinte telegrama: —
“Eu
e a imperatriz sentimos profundamente a morte de Caxias. Pêsames a tôda a
familia. —
D. Pedro”.
Duque
de Caxias
Duque
de Caxías teve a sua última vontade, manifesta em 1874, inteiramente
satisfeita: não lhe foram prestadas honras fúnebres. No dia seguinte ao de sua
morte, às 9:30 horas, os seus restos mortais foram dados à sepultura no Rio de
Janeiro, com a maior simplicidade. O seu féretro foi conduzido por seis
soldados rasos. Os senadores, que representavam o Senado, no entêrro, foram o
Barão de Maroim, Condes de Baependi e Paranaguá, Visconde de Jaguaribe, Cândido
Mendes e o Visconde do Bom Retiro. Os deputados, que constituíram a comissão
representativa da Câmara, nos funerais, foram Martins Campos, Alves de Araújo,
Andrade Pinto, Souza Andrade e Costa Azeredo.
Uma
das mais lindas páginas que se têm escrito em memória do Duque de Caxias, é,
sem dúvida, aquela crônica formosa do poeta Afonso de Carvalho, intitulada —
“Duque
de Caxias em Santa Mônica”
-— da qual transcrevemos alguns trechoss:
“O
seu desejo é estar longe dessa gente, longe dos “casacas”, longe da Corte,
longe de tudo! Seu genro, o Barão de Santa Mônica, possuía no município de
Valença, em Juparanã, a fazenda de Santa Mônica, assim chamada em homenagem
à sua progenitora, a Marquesa de Baepeni. E’ um sítio aprazível, encostado
a colinas verdes, com o Paraíba a deslizar caudaloso e dolente a seus pés.”
“O
grande Luiz aceita o convite para aí passar algum tempo. A fazenda há de recebê-lo
com a calma e a hospitalidade dos velhos solares fluminenses. E’ retôrno
comovido à natureza, em cujos encantos e silêncios o homem sempre encontra um
pouco de paz e de consolo para o espírito, que se atribulou nas batalhas da
vida, bálsamo e remédio para as feridas, que se abriram ao atrito das ingratidões.
E’ a terra natal, recuperando, depois de quase oitenta anos, o filho querido,
que se afastara para os céus e terras distantes, reclamado pela Pátria. O
local tem até um nome, que vai muito bem com o estado de espírito do Duque
-— Desengano — mais tarde substituído ppelo de Juparanã.”
“Caxias é levado para a fazenda. Está muito alquebrado. E’ sensível a perda das suas resistências. A mudança faz-lhe bem. Desanuvia-se um pouco o semblante carregado, que se fechou em constante expressão de acabrunhamento desde que recebera a carta do Imperador.
“O
Duque volta a fazer os seus queridos passeios a cavalo. Um dia, ao passar a via
férrea, o animal assusta-se e dispara. E’ detido a muito custo, depois de
grande corrida. O velho Marechal é retirado da sela quase sem forças. E com
isso muito se ressente. A família passa por um grande susto. O Duque não deve
fazer mais esses passeios. Não tem mais forças para isso. Assim pensam os que
não lhe são íntimos; mas ele encontra singular prazer nesse passatempo. Dias
depois, restabelecido do acidente, manda novamente ensilhar o cavalo. Agora algo
de grave sucede. O Duque, que segura as rédeas, coloca o pé esquerdo no
estribo, e, por mais que se esforce para alçar o corpo, não o consegue.
Faltam-lhe as fôrças. O criado Manuel quer ajudá-lo. Êle recusa. Permanece,
por momentos, triste, pensativo, debruçado sôbre a sela. E chora. Bem
compreende que as suas fôrças o estão abandonando definitivamente. Não pode
mais montar. Sente que é o começo do fim.”
“O
depauperamento geral rápido se acentua. O ano de 1879 assiste ao crepúsculo
melancólico da vida do grande Luiz. No fim do ano, já não anda mais. E’
numa cadeira de rodas, que passeia pelos vastos salões da fazenda ou se deixa
ficar, na varanda, abstrato e sonolento, olhando para a paisagem cheia de
sol.”
“O
fim. O ano de 1880 não se faz anunciar com risonhas primícias. Sentem os íntimos
do Marechal que este não tem mais saúde para chegar aos setenta e sete anos de
idade. Está acabado. O mês de maio, apesar da claridade com que enfeita os
morros e o céu, apresenta-se ameaçador.”
“No
dia cinco, porém, aniversário da morte de Napoleão, Caxias amanhece melhor e
assim continua nos dois dias imediatos. Seu olhar cansado parece readquirir o
brilho antigo, que se foi esmaecendo com a cinza da saudade e da velhice.”
“Uma
súbita melhora no dia oito vem reanimar ainda mais a família, que o cerca
cheia de desvelos e atenções. O doente parece outro. O Duque chega a andar na
sua cadeira de rodas, percorrendo a casa. Vai até à varanda. Contempla a
natureza, que resplende num dia maravilhoso, enfeitada de douradas flamagens de
sol e crespos trinados de passarinhos.”
“Êle
nascera numa fazenda assim, num dia assim...”
“Às
seis e meia, porém, Caxias sente-se, de súbito, muito mal. E’ às pressas,
retirado para o seu quarto, ainda mais modesto que o de Bonaparte, em Santa
Helena — um quarto com uma simples cama de ferro e duas canastras de roupa.”
“Monsenhor
Meireles, chamado com urgência, ouve-o em confissão e ministra-lhe o
sacramento da morte. Não há mais dúvida quanto ao momento fatal, que se
aproxima. Poucas pessoas, de tantíssimas que cercavam o velho Duque, rodeavam
agora, a pobre cama de ferro, onde agoniza aquele que, com os seus próprios méritos
e a sua espada pacificadora, relampagueada de vitórias, ascende às culminâncias
do marechalato e às láureas de príncipe. Ali estão somente sete pessoas: os
Barões de Santa Mônica; o monsenhor, o seu neto, o Major Francisco Nicolau de
Lima Nogueira da Gama; o sr. Carlos Artur da Silva; o Coronel José Julião
Carneiro da Silva e o fiel criado Manoel.”
Sede da fazenda de Santa Mônica
“O
crepúsculo debate-se dentro do velho e silencioso casarão, como um pássaro
negro, agitando, ferido, suas asas de negrume. Chega ao quarto do moribundo o
eco tristonho do angelus da igreja do
Desengano - a morte, com pancadas de bronze, parece pedir aos céus que abram
depressa a porta para receber a alma de um justo e a glória de um santo, pois não
foge à santidade, o guerreiro, cuja espada nunca se tingiu de sangue inútil e
sempre enflorou o triunfo com as galas cristãs da tolerância, do perdão e da
magnanimidade.”
“O
Duque pressente que vai morrer. Seu olhar esgazeado, percorre todo o aposento
como à procura dos veteranos da guerra do Paraguai para dizer-lhes adeus. Não
está presente o seu corneteiro negro da batalha de Avaí para dar, agora, o
toque de silêncio...”
“Brasileiros!
Está morrendo o maior de seus generais!”
“Mas,
em lugar de um clarim, é o sino da igreja, que se ouve, pedindo uma oração.
E’ que Caxias não perece como um guerreiro. Morre como um santo.”
“Com
a maior tranquilidade, como se fosse partir para uma simples viagem, ele se
despede, um por um, de todos os que o rodeiam; beija a mão de sua filha; tira
da cabeça, completamente encanecida, o boné de seda; estende a mão ao criado
Manoel e, serenamente, fica esperando que a Morte o venha buscar.”
“Sêneca
e Lucano não morrem com mais elegância estóica...”
“Nunca
a vida, “flor entre duas eternidades”, se desfolhou com tanta grandeza e
humildade...”
“Já
é noite.”
“De
repente o corpo do moribundo sofre rápido estremecimento. Mas sua fisionomia
está serena; Seus olhos grandes, parados, não se desfitam de um ponto
indistinto no espaço onde, talvez, a sua adorada Anica lhe esteja fazendo um
aceno. Não há um escabujar de agonia. A respiração se acelera, torna-se mais
ofegante e, depois, vai cedendo lentamente, roucamente. Sua filha põe-lhe a
vela na mão e ajuda a segurá-la, transida de dor e debulhada em pranto.”
“Todos
ajoelham.”
“O
monsenhor murmura uma prece. A outra mão do moribundo, pousada sobre um
crucifixo no peito, cai, de súbito, para o lado. A respiração cessa, por fim.
Agora é a imobilidade absoluta. Sua filha fecha-lhe os olhos grandes e
parados.”
“O
enterro. No dia seguinte, celebrou-se, na fazenda de Santa Mônica, missa de
corpo presente. Da fazenda à estação do Desengano, o ataúde é conduzido à
mão. Às cinco e quarenta minutos da tarde do mesmo dia, o corpo chega à estação
da Central do Brasil. Aguardam-no o Visconde de Tocantins, o Visconde da Gávea,
ajudante general do Exército, com a oficialidade da Guarnição e algumas
figuras da política.”
“O
caixão é tirado do vagão por três soldados do 1o e três do 10o
de Infantaria e posto num carro...”
Foi o maior enterro da época. Repousa no cemitério do Catumbí o imortal soldado brasileiro, que escolheu Valença, para sob cujos céus tranqüilos, morrer — morrer na sua gloriosa repercussão histórica.
O
jornalista J. E. de Macedo Soares, escrevendo no “Diário Carioca”, assim se
refere à fazenda onde morreu o grande Duque de Caxias:
“A
Santa Môniea — tem o aspecto clássico
das velhas fazendas fluminenses. Seus tempos áureos foram quando recebia o
presidente Wenceslau Braz nos seus modestos veraneios. O patronato agrícola que
funcionou na fazenda, desaparecendo, deixou as salas vazias, e nos cantos o
entulho das carteiras e das camas quebradas. Os cômodos que o Duque de Caxias
ocupou nos últimos dias de vida não dizem nada ao visitante na sua nudez e
solidão. Entretanto, o grande soldado viveu, naquela paisagem bucólica, tempos
tristes de abandono e ingratidão.”
Outro
aspecto da fazenda de Santa Mônica
Foi
também Duque de Caxias fazendeiro no município de Valença. Da sua antiga
fazenda denominada “Caxias”, no 5o distrito, apenas resta um
paredão em ruínas.
BARÃO
DA VISTA ALEGRE
— Nasceu em Valença aos 3 de abril de 1849.
Foi
um grande produtor de café o Barão da Vista Alegre, Manoel Pereira de Souza
Barros, que teve, no município de Valença, uma larga projeção econômica e
social.
Barão
da Vista Alegre
Souza
Barros, 1o Barão desse título, por decreto de 17 de dezembro de
1881, era popular em Valença. Tendo sido atacado de moléstia grave, em sua
adolescência, abandonou o curso que estava fazendo na Faculdade de Direito de
S. Paulo, e seu pai viu-se obrigado a mandá-lo para Portugal, onde se submeteu
a rigoroso tratamento.
De
volta ao Brasil, perfeitamente restabelecido, seu pai fez pesá-lo em uma balança,
colocando em um dos pratos barras de ouro. O seu pêso em ouro foi o valor do
dote que lhe dera o seu velho progenitor. Daí, a alcunha — menino
de ouro — que lhe deram muito apropriadamente. Houve, por isso, grande
festa, em regozijo, na fazenda de Campo Alegre.
Mais
tarde, seu pai ofereceu, nas terras das fazendas de Campo Alegre e Vista Alegre,
ao futuro Barão, seu único filho, um trecho de terreno onde fez construir uma
casa e uma pequena chácara, como um princípio de vida para Manoel Pereira de
Souza Barros. Dessa pequena chácara surgiu a importante fazenda denominada
“Chacrinha”, graças à dedicação de Vista Alegre, a qual, distante da
estação do mesmo nome sete quilômetros, é, hoje, de propriedade da família
Oliveira Castro, dos maiores criadores da região.
Casara-se
o Barão da Vista Alegre com d. Rita Arnalda Pereira de Souza Barros – a
Baronesa da Vista Alegre.
Tinha
o Barão, em sua fazenda, uma banda de música, constituída de escravos, com
cerca de 40 figuras, a qual, envergando seu uniforme luzidio, executava, na
varanda, diariamente, durante as refeições do titular da Vista Alegre, as mais
variadas peças do seu escolhido repertório. A velha e popular banda de música
do preto Estanislau, outrora existente na cidade de Valença, era constituida de
remanescentes da banda de música da antiga fazenda de Chacrinha.
Fundou
e foi grande benemérito do Liceu de Artes e Ofícios, do Rio de Janeiro.
O
Barão era um grande apaixonado pelas corridas de cavalo. Era sócio fundador e
benemérito do Jockey Club e Derby Club, do Rio de Janeiro, para onde, em carro
especial e apropriado, mandava, depois de cotejados em sua fazenda, os seus
animais de corrida. Os favoritos do Barão da Vista Alegre eram Frinéa
e Bismarque, de cuja propriedade
se orgulhava, os quais alcançaram, na Capital Federal, o título de crack.
Tinha,
no Rio de Janeiro, a sua residência de inverno, o palacete da antiga rua Conde
d’Eu, onde funciona hoje o Hospital Hanseniano.
O
Barão da Vista Alegre era incapaz de ofender a seus escravos. Nunca os
maltratou. Cada filho que viesse do casal, o Barão libertava sempre dois
escravos: se fosse do sexo feminino, dava liberdade a duas escravas; se nascesse
um homem, tornava livres um escravo e uma escrava. A Baronesa da Vista Alegre
chegou a ter 15 filhos, que receberam educação aprimorada.
Com
a idade de 42 anos, mais ou menos, em 8 de janeiro de 1891, o Barão da Vista
Alegre falecia, repentinamente, no Rio de Janeiro. Seus restos mortais foram
inumados no cemitério de S. João Batista, naquela cidade. Deixou o Barão da
Vista Alegre uma fortuna — em prédios, fazendas e dinheiro — de mais de dez
milhões de cruzeiros.
A
Baronesa da Vista Alegre, quando residente no Rio de janeiro tinha o hábito de,
diariamente, vir ao centro da cidade, onde fazia suas refeições na
“Pascoal”. Cada vez que aparecia nas ruas do Ouvidor ou Gonçalves Dias se
apresentava com elegante e nova indumentária. Era muito comum ver-se a Baronesa
trajando o seu característico casaco, com uma grande rosa à lapela, de
colarinho e gravata preta, empunhando o seu guarda-chuva de ouro e madrepérola,
a passear ou fazer compras, pelas ruas cariocas. Em Valença, montando um fogoso
animal, era o seu maior prazer, pela manhã e à tarde, correr as ruas e os subúrbios,
em elegante montaria. Na Capital Federal, a Baronesa da Vista Alegre primava
pelas extraordinárias recepções que, em sua residência, dava às figuras de
destaque.
Depois
de algum tempo de viuvez, a Baronesa casava-se, de novo, com Camilo de Morais,
então negociante no Rio de Janeiro.
A
Baronesa da Vista Alegre faleceu na cidade de Valença em 13 de agosto de 1926,
no velho prédio de sua propriedade onde atualmente funcionam os Correios e Telégrafos,
e seu corpo foi sepultado no cemitério local — “Riachuelo”.
E’
notório que, da enorme descendência de Inácio de Souza Werneck, um dos
primeiros povoadores da região valenciana, advieram opulentos fazendeiros, que
elevaram bem alto, na política do café, o nome de Valença.
Araújo
Guimarães comenta com muita justeza:
“Formou-se
respeitável aristocracia rural, que, não satisfeita com o esplendor que
mantinha em suas fazendas, construía, na Capital do Império, magníficos
palacetes onde imperavam o mesmo luxo e a mesma grandeza e onde pululavam os fâmulos
enfarpelados de vistosos librés. E não era somente para os solares que
convergiam a atenção e a magnificência dos aristocratas. As sedes dos municípios
em que se localizavam as fazendas sofriam, também, rápido incremento. A vila
de Valença, por exemplo, progrediu, ativamente, na segunda metade do século
XIX, devido ao capricho e interêsse da elite.”
O
historiador Afonso Taunay escreve:
“Invejáveis gestos de prodigalidade tinham os homens de então. O dinheiro era-lhes fácil e com a mesma facilidade aplicavam-no com liberalidade nas benfeitorias das pequenas vilas fluminenses. Em Valença, o Visconde do Rio Preto, o Visconde de Ipiabas, o Visconde de Baependí, o Barão de Juparanã e tantos outros foram os pioneiros da disseminação do progresso econômico e social, e os mantenedores do prestigio de que então gozava o município na Corte. Muitas das fazendas de café, em Valença, tornaram-se célebres pelo conforto e luxo que ascendiam a centenas de contos de réis. Os Marqueses de Valença e Baependí figuram entre os mais antigos titulares do Império, como lavradores.”
O
SEGUNDO E TERCEIRO BARÃO DO RIO BONITO
2o Barão e Visconde Rio Bonito Terceiro Barão do Rio Bonito
Os
Faro eram fazendeiros cultos e possuidores de muitos escravos. Destacaram-se na
colonização da antiga freguesia de Nossa Senhora da Piedade das Ipiabas,
contribuindo assim para o surgimento da atual freguesia de Santana e do vizinho
povoado que um dia se chamaria Barra do Piraí.
Notável
projeção política, entre outros titulares que contribuíram para o
desenvolvimento agrário do município de Valença, como grandes fazendeiros de
café — teve João Pereira de Larrigue (*)
de Faro, 2o Barão e Visconde do Rio Bonito — o qual, por quatro
vezes, foi vice-presidente da Província do Rio de Janeiro, tendo exercido a
presidência no período de 2-5-1854 a 13-9-1854, em substituição ao
Presidente Luiz Antônio Barbosa, segundo se lê no “Anuário Genealógico”
— vol. III pág. 313.
(*)
Darrígue ou Larrigue
—Lê-se em vários documentos. Darrigue
— aportuguesamento de “de
Larrigue” (origem francesa).
O
2o Barão do Rio Bonito, que era filho do 1o Barão do Rio
Bonito — Joaquim José Pereira de Faro e da Baronesa Ana Rita de Faro, foi, em
Valença, a coluna mestra da numerosa família Faro, em cuja escola de requinte
e cultura foi educado o seu sobrinho José Pereira de Faro — 3o Barão
do Rio Bonito — a quem o vizinho município de Barra do Piraí deve a sua
emancipação política.
O Visconde do Rio Bonito, ao lado de outros titulares, teve destacada influência na idealização e construção da antiga Estrada de Ferro de Santa Izabel do Rio Preto, entre Rio Bonito as freguesias de Barra do Piraí e Santa Izabel do Rio Prêto, numa extensão de 85 quilômetros (*), cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto Imperial n. 7.549, de 22-11-1879.
(*)
Ao lado do Barâo de Juparanã, o 3o Barão do Rio Bonito foi, sem dúvida,
esforçado colaborador, na peleja vitoriosa, de 1858 a 1864, quando se
empenhavam ambos, contra o Barão de Vassouras, na passagem, pelo município de
Valença e pelo então povoado de Barra do Piraí, da antiga Estrada de Ferro D.
Pedro II (atual Central do Brasil).
O
seu sobrinho — 3o Barão do Rio Bonito, que nasceu, no Rio de
Janeiro, em 6-3-1832, e faleceu em Nova Friburgo, em 1o- 2-1899 —
foi também, no município de Valença, um notável cafezista, pois além de sua
afamada fazenda de Santana, possuía Aliança, Monte Alegre, S. Pedro e outras
propriedades. A fundação do “Engenho Central”, em 1855, põe em evidência
os méritos de José Pereira de Faro, que, já naquela época, visava dar ao
Brasil o exemplo da substituição imediata da monocultura (café),
substituindo-a por outras fontes de produção em regime industrial. A fundação
da notável e importante Companhia Lavoura, Indústria e Colonização, pelo 3o
Barão do Rio Bonito e pela firma Furquim, Joppert & Cia., teve a sua
organização autorizada pelo Decreto imperial n.0 9.547, de
16-1-1886.
Recorda
Eloy de Andrade que “...houvera
promoções, mas não muito numerosas. Como que os marqueses estavam novamente a
extinguir-se. Pensamos mesmo que, por volta de 1850, apenas existisse um no
Brasil — o de Valença, ao lado de quem veio, pouco depois, arrolar-se Caxias
(1852).”
Barão de Potengi
Foram
também cultivadores de café, em Valença: o Barão da Aliança (Manuel Vieira
Machado da Cunha); o Barão de Potengi (Inácio da América Pinheiro), ambos em
Comércio; o Barão de Santa Clara (Carlos Teodoro de Souza Fontes), na
freguesia de Santo Antônio do Rio Bonito (Conservatória); o Barão de Santa Fé
(José Rodrigues Alves Barboza), na freguesia de Santa Teresa; o Barão de
Guaraciaba (Francisco Paulo de Almeida) ; o adiantado agricultor Comendador
Domingos Teodoro de Azevedo Junior, genro do Visconde do Rio Preto, e Militão
Honório de Carvalho (Barão de Cajuru), fazendeiros em Conservatoria, todos
contribuindo para a grandeza de Valença.
Ainda,
dentro do município de Valença, foram, sem dúvida, centros de conforto e opulência,
as fazendas de Monte Alegre, de propriedade do 2o Barão do Rio
Bonito; da Independência e de São José, de propriedade do Barão do Rio das
Flores; e Nova, de propriedade do Barão do Pilar, entre os cafezistas
fluminenses, que usufruiam e distribuíam a mancheias o ouro colhido pelo braço
escravo.