Valença de Ontem e de Hoje

CAPÍTULO 5 

ASPECTOS ECONÔMICOS 

ESPLENDOR, DECADÊNCIA E RESSURGIMENTO

PARTE 1

  Clicar sobre os títulos a seguir para ir direto ao assunto:

A Cobiça do Ouro - Colonização

Período Agrícola

O Café - Grandeza e Fastígio

O Vendedor de Escravos

Estatística e o Preço do Café

A COBIÇA DO OURO - COLONIZAÇÃO

F. A. Noronha dos Santos, em seu trabalho histórico intitulado A Conservatória dos Índios, (31) dá-nos as seguintes impressões:

(31) Rev. da Sociedade de Geografia (tomo XXXIII) — 1928.                  

“Todas as povoações erguidas, aqui e ali, na vastidão das nossas terras, têm no inventário dos dias passados a evocação pinturesca do Brasil.

 

“Irradiada a obra de conquista dos Sás, no Rio de Janeiro, a colonização foi lentamente se operando a princípio na faixa litorânea, para depois alcançar o interior, organizando-se na Capitania de S. Vicente bandeiras ousadas que vadea­ram grandes rios e se embrenharam nas florestas.”

 

“A cobiça do ouro seduzia a alma dos conquistadores, à medida que a fama das riquezas era aumentada por notícias de caminheiros sertanistas. Quando a pacificação dos selvagens permitiu se localizassem os invasores portuguêses, a obra tranquila do progresso não ficou nos logarejos à beira-mar. A civilização transpôs a muralha de montanhas que separa o litoral do “sertão” e foi semear em fertilíssimas terras do vale do Paraíba a cana de açúcar, já conhecida na feitoria de Martim Afonso de Souza.”

 

“O Centro de gravitação econômica e social — escreve Oliveira Viana — da região fluminense se orienta progressivamente no sentido da montanha.”

 

E prossegue F. A. Noronha dos Santos: “Com os novos processos agrícolas surgiram outras lavouras, dentre as quais se tornou a mais próspera a do café, cujo bicentenário comemoramos em 1927. O mar continua a ser, no entanto, o ponto de contacto obrigatório entre o trabalho da gente de antanho e dos povoados da serra. Do vale do Paraíba e de suas cercanias, pode-se dizer que se iniciou a civilização interna, a demarcar a riqueza agrícola da Capitania do Rio de Janeiro, do norte de S. Paulo e de grande parte de vilarejos situados nas Minas Gerais. Daí a opulência conquistada por humildes curatos, erguidos sob a fé esplendorosa do Cristianismo. Em curto prazo de tempo transmudaram-se em vigararias coladas, comunicando-se por boas estradas e extensos caminhos vicinais aos centros produtores.

 

“Desse domínio e infiltramento da autoridade portuguêsa, advieram a tranqüilidade dos colonos e o adiantamento de aprazíveis sítios, dos arraiais pitorescos em que a abundância das colheitas e o trato comercial criaram vilas e cidades. Florescentes agrupamentos humanos, com vida própria e fartura de recursos econômicos, só decaíram quando lhes faltou o braço escravo — a obediência passiva e sofredora da infeliz raça negra.”

 

PERÍODO AGRÍCOLA

Desde 1801 que, se iniciara o trabalho da cultura das terras. Como tivemos ocasião de assinalar no início desta obra, o vice-rei D. Fernando José de Portugal ordenara, naquele ano, a João Rodrigues Pereira de Almeida que “se passasse às margens do rio Parahyba e assignasse aos índios terreno para cultivarem” — documenta Macedo Soares (anotação ao “Regimento das Camaras Municipaes”, de Cortines Laxe) — no que foi auxiliado por seu sobrinho e por Inácio de Souza Werneck, tendo este último se incumbido da abertura de caminhos que se dirigissem ao “sertão”.

 

Acentua o escritor Maia Forte: — “Santos e Avelar são, sem dúvida, os dois comerciantes do Rio de Janeiro, aos quais, segundo Saint Hilaire, se associara Rodrigues da Cruz, fornecendo os capitais necessários. Inteligente e laborioso, Rodrigues da Cruz preparou seus canaviais, acrescentou-lhes roça de milho, feijão e mandioca; fez pastos, instalou o engenho para o fabrico da farinha de mandioca. Feijão, fubá e farinha se figuravam nos repastos dos senhores de engenho, eram a base da alimentação da escravatura”.

 

E continua o escritor fluminense:

“Os canaviais forneciam abundante matéria prima e as demais lavouras aumentavam os lucros de exploração agrícola. Rodrigues da Cruz fora, ao que parece, o único senhor de terras que soubera captar as simpatias dos índios Coroados, que o visitavam em sua fazenda, sendo por ele obsequiados com aguardente produzida na sua destilaria.

 

“Por humanidade ou por instinto de defesa, preferindo tê-los por amigos a tratá-los como inimigos, Rodrigues da Cruz provou que se interessava pela sorte dos selvagens. Morrendo um dos sócios, ou por outro motivo, dissolveu-se a sociedade e Rodrigues da Cruz foi fundar uma outra fazenda em Ubá, a curta distância do Paraíba, em terras dominadas pelos seus vizinhos, os Coroados, e dedicou-se, como o fizera em “Pau Grande”, à cultura da cana, que já lhe era tão conhecida tanto quanto os segredos, se é que os havia, do fabrico do açúcar e da aguardente.

 

“Em 1798, animou-se Rodrigues da Cruz a solicitar o auxílio da Coroa para o aldeiamento dos índios, a cuja colonização se dedicava com os recursos naturais e os pecuniários de que dispunha. Neste propósito muito o auxiliou o capitão João Rodrigues Pereira de Almeida, e ambos foram a causa direta da edificação, em 1808, no local em que se fundou a cidade de Valença, da capela de Nossa Senhora da Glória.

 

“Pereira de Almeida, fazendeiro em Ubá, na vizinhança de seu tio, era, sem dúvida, homem de posses, também comerciante no Rio de Janeiro, de cuja Junta Comercial fez parte, entre outros anos, nos de 1811 e 1812, e foi mais tarde agraciado por D. Pedro I com o titulo de “Barão de Ubá”. Ubá é ainda uma valiosa propriedade sita no 39 distrito do atual município de Vassouras “.

“O viajante Luccok, prosseguindo suas viagens pelas montanhas, em direção à várzea do Paraíba — assinala Taunay — viu várias fazendas onde escravos pareciam bem vestidos e alimentados. Diziam que apesar de pouco habitado, não havia terras devolutas. Em muitos pontos se derrubava para a plantação do milho”.

Saint Hilaire, ao deixar, em 1822, o Caminho Velho das Minas para seguir pelo “caminho da terra” e passando por Ubá (lugar de gratas reminiscências), em direção a Valença, constatou que, às margens do Paraíba, perto de Ubá, havia canaviais, mandiocais e cafezais, e que Valença “não passava ainda de miserável aldeia de mesquinhas vendolas onde quase só se vendia cachaça”. O botânico francês, relatando o que vira em Valença, em fevereiro de 1822, refere a que “por ali encontrara dois franceses estabelecidos no lugar denominado Aldea das Cobras. Havia bastante tempo que habitavam o distrito valenciano de cujas terras gabaram muito a fertilidade. Tinham feito pelas próprias mãos considerável plantação de café, nas terras de um desembargador Loureiro, homem desmoralizado pelos seus costumes e falta de probidade, achando que não cumpria as cláusulas a que se obrigara para com eles e temendo alguma trapaça, venderam as plantações por duzentos mil réis antes que produzissem. E assegura-se que, nesse mesmo ano, o comprador ou o próprio Loureiro, que ficara em seu lugar, lucrara dois mil cruzados.”

 

O período esplendoroso da lavoura de Valença se caracteriza pela sua pujança cafeeira.

 

Segundo nos relata o historiador de renome E. Taunay, em seu artigo intitulado “Da cana e do trigo ao ouro e ao café”, publicado no “Jornal do Comércio”, de 29-8-1937, —. “emigrara para o Brasil, com o irmão mais velho, Manoel Leite Ribeiro (falecido em S. João del-Rei em 1773) teve José Leite Ribeiro lavras de ouro no Rio das Mortes, lavouras de cana e cereais e fazenda de criar. Foi algum tempo sócio do Capitão Francisco José Teixeira (1750-1787) também português. Em 1799 ainda minerava como “mineiro da fábrica avultada”, tendo como seus sócios seu filho o Capitão Manoel Ferreira Leite e o Tenente Joaquim do Rêgo Barros. Requereram naquele milésimo sessenta datas no veío do rio Prêto e no de diversos ribeirões deste afluente, com quadras e sobre quadras, o que lhes foi deferido pelo Guarda-Mór do Distrito do Rio do Peixe”.

 

“Do seu consórcio com D. Escolástica vieram treze filhos, dos quais muitos sobressaíram na primeira fila dos maiores promotores do grande rush no vale do Paraíba, no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Constituíram família, tendo hoje largas descendências dentre os filhos José Leite Ribeiro, o moço (n. em 1764); Manoel Ferreira Leite (1767); Joaquim Leite Ribeiro (1772); Antônio Leite Ribeiro (1776); Francisco Leite Ribeiro (1780); Custódio Ferreira Leite, Barão de Aiuruoca (1782); Anastácío Leite Ribeiro (1787); Floriano Leite Ribeiro (1790). Além destes, tivera ainda o casal, o padre João Ferreira Leite Ribeiro (n. em 1769) e Domingos Ferreira Leite (n. em 1783)”.

 

Informa-nos ainda Taunay, no mesmo artigo, que “desses irmãos, cinco foram dos primeiros mineiros a abrir as lavouras nas terras do vale do Paraíba, na “mata do Rio”, como, então, todos diziam. O grande promotor deste êxodo de família foi o Barão de Aiuruoca que teve larga atuação como propagandista da lavoura cafeeira, nas terras de Barra Mansa, Piraí e Vassouras. Em seguida, passou depois a frequentar Valença “onde se afazendaram seus irmãos Floriano e Anastácio (este em Conservatória) “. Atrás deste Leite Ribeiro vieram numerosíssimos primos-irmãos como os Azevedo, filhos dos dois irmãos portuguêses Francisco e Domingos de Azevedo, casados com suas duas tias Ana Maria e Margarida, estabelecidos sobretudo no vale do Rio Preto — em Santa Izabel, Porto das Flores, Santa Teresa de Valença, ou em Minas, no vale do Paraibuna.

 

“Todos êles se prendiam pelo mesmo patronímico Leite, constituindo grande quantidade de ramos fluminenses, mineiros e paulistas: Leite Ribeiro, Teíxeira Leite, Ferreira Leite, Leite Guimarães, Leite de Barros, Leite Pinto, Leite de Abreu, Paula Leite, Gonçalves Leite, Vidal Leite Ribeiro, Araujo Leite, Aquino Leite, Almeida Leite, Almeida Magalhães, Ribeiro de Almeida, Ribeiro do Valle, Martins de Almeida, Martins Ferreira, Martins de Andrade etc. Em Valença, Antônio Leite Pinto, José Leite Ribeiro, João Batista de Araujo Leite; em Conservatória, o Comendador Anastácio Leite Ribeiro e seu irmão Floriano Leite Ribeiro, Francisco Leite de Magalhães Pinto, Francisco Leite Ribeiro, José Ferreira Leite, Manoel Ferreira Leite e seu irmão; em Santa Izabel do Rio Preto, Francisco e João Lopes de Araújo, José Pedro Martins de Almeida, a viúva e os filhos de Vitoriano Martins de Almeida, d. Maria Ribeiro do Valle etc., todos iniciaram importantes lavouras de café em terras de Valença. Muitos dos filhos do fazendeiro José Francisco de Azevedo, bem como sobrinhos, vieram para as lavouras de café fluminenses, sobretudo no vale do rio Prêto”.

 

Na interessante obra intitulada O esplendor fluminense, de Alberto Carlos de Araujo Guimarães, depois de recordar o autor que, em 1820, Pati do Alferes passava de freguesia a vila e que vila também fora Valença em 1823, assim como, em 1833, Paraíba do Sul, frisa que “os sesmeiros que se radicaram nesta regiao, no começo do século XVIII constituíram os troncos das grandes famílias que, no áureo período da opulência fluminense, tiveram os seus nomes, ou ligados à política imperial, ou respeitados pelos empreendimentos progressistas que levassem a efeito, e os seus brazões dourados pela cooperação que prestaram à então província brasileira.”

 

Recorda, então, os descendentes do desbravador Inácío de Souza Werneck que inauguraram, na região, o período sedutor da fartura.

 

“Aos engenhos de cana — escreve A. Guimarães — datados da era colonial e formadores da abastança fluminense, de certo em pouco sobrepujavam as fazendas cafeeiras”. Em algumas regiões mesmo, abandonaram-se os belos canaviais, na “febre intensa pelo grão arábico”. Ao “ciclo do açúcar” que tanto contribuira para enriquecer a capitania do Rio de Janeiro, sucedeu o “ciclo do café”.

 

“À aristocracia dos canaviais e dos engenhos sucedeu a nobreza do cafezal. O “senhor de Engenho”, tão prestigioso na capitania do Rio de Janeiro, como em todo o Brasil, cercado pela respeitabilidade que despertava esse título de grandeza, ficou mais ou menos esquecido, quando começaram a surgir, com as grandes farturas brotadas em cerejas rubras das terras fertilíssimas do vale do Paraíba, os títulos nobiliárquicos que viriam doirar, ainda mais, a grandeza e a opulência dos senhores dos grandes latifúndios fluminenses.”

 

E prossegue A. de Araujo Guimarães: — “Em Valença, como em outras cidades fluminenses, o progresso foi vertiginoso. Os descendentes dos primeiros povoadores da região, requerentes de sesmarias, em pouco tempo, tornaram-se os grandes proprietários rurais, prestigiados pela grandeza das fortunas, o vulto das escravaturas, e celebrizados pelo fausto, que os cercava. Deles proviria o patriciado fluminense, nascido na proliferação dos cafezais. Com a fortuna rápida, começou a dominar o espírito dos proprietários dos grandes latifúndios, a febre pela grandeza social, bastante justificável, nesse período de fastígio fluminense. Na região antigamente florescente de Valença, Vassouras e Paraíba do Sul, onde havia a opulência, onde milhares de escravos formigavam pelas lavouras, no trabalho dos cafezais, onde imensas extensões de terras representavam, pode-se dizer, o campo doirado dos brazões dos aristocratas rurais, hoje trabalha uma população de pequenos proprietários que rememoram ainda a grandeza perdida.”

 

Já em terras pertencentes a Valença que pareceu a Ríbeyrolles “uma das mais encantadoras cidades da província do Rio de Janeiro” se havia estabelecido grande número de famílias oriundas de Minas Gerais, como os Resende e os Nogueira da Gama.

 

Oliveira Viana, referindo-sé ao tempo dos baronatos, assim se exprime —“Na tranquilidade agreste dos seus solares, êsses barões, viscondes e marqueses sentem-se na obrigação de assumir modos e maneiras aristocráticos, condignos da alta posição e tornam-se graves, porque a gravidade é para êles a atitude heráldica por excelência.”

 

Do “Jornal do Comércio”, de 25 de março de 1945, extraímos os seguintes trechos de “Velhas Casas Grandes”, de autoria de Afonso de E. Taunay:

“Mas já aparecem um ou outro sobrado e até uma casa de dois andares! De Vassouras, foi Walsh ter à margem do Paraíba a que atravessou entrando nos grandes e ricos domínios do Marquês de Baependi.”

Acerca dêste titular expende o nosso viajante uns conceitos que bem revelam a sua ignorância das coisas do Brasil:

 

“Penso que se trata de um dêstes recém-enobrecidos, que, como já notei, obtiveram títulos decorrentes de seu enriquecimento como handlords e agricultores.”

 

“Nem sabia o nosso inglês quem era Manoel Jacinto Nogueira da Gama, doutor em matemáticas pelas Universidades de Coimbra, lente da Real Academia da Marinha de Lisboa, Marechal de Campo, deputado à Constituinte, Ministro da Fazenda em 1823, senador do Império e Presidente do Senado em 1826! Viera-lhe a fortuna do casamento com a filha do ríquissimo Braz Carneiro Leão.”

 

“Por ali possuía Santa Môníca, Santa Rosa e Sant’Ana, fazendas enormes”.

 

“Basta lembrar que D. João VI lhe concedera sesmaria cobrindo nada menos de 10.800 alqueires geométricos ou perto de 540 quilômetros quadrados.”

 

“E Baependí realizara fartos proventos vendendo grande parte desta principesca concessão contra a qual muito se murmurava na época por excessiva” — no dizer de Saint Hílaire.

 

“À margem esquerda do Paraíba, por aquelas alturas de 1828, os grandes latifundiáríos eram os marquêses de Baependí, Lages e Valença, o comendador José Ignácio Nogueira da Gama, o guarda-mór Manoel do Valle Amado, o desembargador José Loureiro, que Saint Hilaire duramente trata, como aliás ao Intendente da Polícia, Paulo Fernandes Viana, concunhado do Marquês de Baependi. Nada aliás mais lógico do que essas comentadas concessões territoriais a homens de largas posses. Eram os que se achavam em condições de comprar escravos.”

 

“E como se plantaria café sem o emprego do braço africano?”

 

“Deixando as margens paraibanas rumou a estrada para o Rio Preto, cortando larga floresta povoada de rica fauna, conta Walsh, estrada de tropas e boiadeiros”.

 

“Valença lhe surgiu ao cabo de três horas de marcha — primeira coleção de casas que desde o Rio me aparecia”, anota.

 

“Este depoimento mostra que a vila era mais considerável então do que a sua futura rival de além Paraíba: Vassouras”.

 

"— Eis aí a prova notável da lenta progressão do povoamento neste país!"— exclama o inglês. “Passado um decurso de três séculos não há dentro de um raio de cem milhas da capital uma única cidade”.

 

“Já, no distrito, existiam fazendeiros de suas cem mil árvores mas não conhecemos nenhuma iconografia da vila valenciana, antiga aldeiada de quatro tribos purís, onde se erguiam de cincoenta a sessenta casinhas humildes em tôrno de uma igreja. Em Valença encontrava-se confortável hospedaria, com sala de jantar adornada de cortinas e espelhos, mas onde só se oferecia aos hóspedes sabão de cinza. Nem nela se conhecia leite e ainda menos manteiga”

 

    O CAFÉ - GRANDEZA  E FASTÍGIO

“Indo Saint Hilaire — escreve Taunay — de Valença a Rio Preto, em 1822, em demanda das terras mineiras, viu enormes extensões de esplêndidas matas que estavam sendo derrubadas para dar lugar a cafezais. A tal propósito observa o grande botânico que, a seu ver e saber, houvera grande injustiça e até real inércia nas distribuições de terras. A Coroa em vez de as doar gratuitamente e por pequenos prazos, as havia dado por sesmarias, alcançáveis somente após mil formalidades e despesas. Daí a especulação com as concessões dessas terras. Deste modo, tinham alguns personagens, de grande influência, obtido enormes áreas. Neste caso estavam Paulo Fernandes e Manoel Jacinto, alto funcionário de fazenda, que, em torno de Valença, recebera doze léguas de terras, da munificência régia. Manoel Jacinto Nogueira da Gama era o futuro Marquês de Baependí, Paulo Fernandes, o intendente de polícia — Paulo Fernandes Viana, a quem D. João VI, dedicava grande simpatia e D. Pedro I verdadeira aversão. Manoel Jacinto Nogueira da Gama e Paulo Fernandes Viana foram talvez os mais aquinhoados da família. Nada mais natural nem mais justo e inteligente, por parte do Rei, aliás. Queria D. João VI promover, sob a maior escala, o plantio do café. Fizera vir sementes da África e as distribuía às mancheias aos lavradores, já em 1817, segundo um depoimento do Conde de Baependi, filho de Manoel Jacinto (Marquês de Baependí).

 

“Para plantar grandes cafezais só havia um recurso: a aquisição de escravos; não bastava a posse das terras. Ora, a compra de uma, duas, diversas centenas de africanos vinha a ser coisa accessível apenas a grandes capitalistas, pois os escravos se mercavam a 250 e 300 cruzados, custavam de 25 a 30 esterlinos. Era preciso, pois, forte empate de capitais em mão de obra. Daí, o fato de estarem naturalmente indicados os homens de largos recursos para esta obra de devastamento do hinterland fluminense, por intermédio do cafezal.

 

“As terras eram infindáveis e não tinham preço. Até há pouco era o recesso das tribos de Purús e Coroados que vagueiavam pela mataria do vale paraibano. Alguns outros latifundiários viram-se senhores de enormes extensões, quer por aquisiçoes, quer, sobretudo, por herança, como no caso recordado por Eloy de Andrade, do Coronel José Inácio Nogueira da Gama, irmão do Marquês de Baependí, que herdou do sogro, Coronel Manoel do Vale Amado, infindáveis terras no vale do rio Peixe, afluente do Paraibuna.”

 

Na obra intitulada História do café no Brasil, de Afonso E. Taunay, encontramos os seguintes trechos do estudioso valenciano — bacharel Gilberto Fonseca:

 

—“Cientes da fertilidade das terras valencianas, inúmeros plantadores ali se estabeleceram depois de 1820. Grandes sesmarias foram demarcadas. Daí, começou a opulência dos Leite Ribeiro, Nogueira da Gama e Resende de Carvalho”.

 

“Pensa o dr. Fonseca que o primeiro cafeicultor da zona, haja sido Manoel Luiz Areia, que deixou, em 1810, cinco mil cafeeiros. Joaquim Rodrigues da Cruz, filho de José Rodrigues da Cruz o fundador de Valença, tinha, em 1819, também, cinco mil pés. Mas, já em 1821, havia fazendeiros de quase cem mil pés.”

 

E o dr. Gilberto Fonseca registra: — “Já em 1830, o cafezal cobria uma área enorme de terras valencianas onde a abastança se fazia bem promissora para o grande surto do período áureo.”

 

“E realmente — conclui Taunay — tornou-se Valença uma das mais notáveis regiões produtoras de café no Brasil. Como índice de tal, temos a cifra de sua escravatura que, ainda em 1883, era de 25.344 pessoas.”

 

Relativamente ao antigo município de Santa Teresa, atual Rio das Flores, outrora parte integrante do município de Valença, escreve Alberto Ribeiro Lamego em sua obra O Homem e a Serra, pág. 132:

 

“Nesta parte oriental da mesopotânia valenciana, entre o rio Preto e o Paraíba é que, do contínuo tráfego das tropas de café entre o antigo arraial de Desengano, à margem deste rio, e Porto das Flores, à beira daquele e na divisa de Minas, em 6 de outubro de 1851, nascia o curato de Santa Teresa, elevado a freguesia no seu quarto aniversário, em 1855.”

 

“A marcha dos cafezais por esta estrada foi das mais apressadas e, em 26 de julho de 1874, já tão avultado era, o transporte em lombos de muares, que é dada pelo governo a concessão de uma linha de carris, entre o rio Paraíba e Santa Teresa de Valença, onde chega em 1883, em breve, atingindo o Porto das Flores.”

                     

“Nas elevadas altitudes desta zona salientada pela serra das Abóboras, vai o café encontrar um optimum para a sua proliferação. Grandes fazendas abatem a floresta, e a rubiácea, com a pujança que lhe permite o clima e o solo virgem, desenvolve-se numa expansão extraordinária. Imensas fortunas são extraídas da terra, nas encostas dessas serranias, indo multiplicar a prosperidade do velho município de Valença e fulgurar em coroas e brasões de titulares entre os mais ilustres da aristocracia agrária imperial.”

 

“São ali entre outras, as propriedades dos barões de Rio das Flores, de Santa Justa, de Santa Clara, Monte Verde, do conde de Baependi. Até ali se espalham os vastos domínios do barão de Ipiabas, senhor de terras em várias freguesias valencianas, e, não longe de Porto das Flores, fica o afamado solar do Paraíso do visconde do Rio Preto.”

 

“Com o novo arraial sempre a crescer, Valença tem a sua integridade territorial ameaçada. Com o seu prestígio no Império consegue, ainda, evitar o desmembramento. Mas, debilitada com a Abolição, não pode impedir que a fragmentação dos municípios, iniciada logo após a proclamação da República, arranque dela, em 17 de março de 1890, o de Santa Teresa, com 14.282 habitantes, sendo 4.300 na vila criada.”

 

Ao contrário de várias outras entidades municipais, originadas naquele tempo de puros interesses políticos, Santa Teresa justificou o seu desejo de autonomia com a herança de uma sólida economia da sua fase dos “barões do café”.

 

“Malgrado o seu diminuto centro urbano e o encarecimento do custeio das lavouras com o fim do cativeiro, Santa Teresa, por vários decênios republicanos, continua como um dos grandes produtores de café na Serra. Em 1910, além de 45.000 sacos de milho, exporta 4.050.000 quilos de café, o que se torna espantoso em vista do enorme desflorestamento de que falamos, parecendo essa produção, em sua maioria, provir de antigas plantações.”

 

“Mas, dir-se-ia que, a partir de então, como sucedera com os demais municípios serranos, a integralização do ciclo do café saturou as possibilidades de maior crescimento da população. Podemos, assim, notar que, em 1920, os dados censitários anunciam uma estabilização demográfica com 14.389 habitantes para o município e 4.100 para a cidade.”

 

“Ao mesmo tempo, não obstante a sua extraordinária fertilidade, o esgotamento das velhas terras já tão exploradas desde o Império seria fatal. E, em 20 anos apenas, iremos registrar um dos mais notáveis exemplos do despovoamento de uma zona serrana pela transformação das atividades agrícolas”.

 

“Com o solo a se exaurir, Santa Teresa entrega-se à pecuária. Nos seus rebanhos bovinos em 1920 contavam-se 13.462 cabeças. A exportação de laticínios e uma fábrica de tecidos de malha que utilizavam energia hidráulica, ajudam a atenuar o descalabro econômico subseqüente à derrocada do café. Em Taboas, há grandes plantações de árvores frutíferas nacionais e européias, no gasto solo, mas, cientificamente, salitrado, numa esplêndida mostra das novas possibilidades que nos aponta, na Serra, a policultura, modernamente, planejada com todos os recursos da técnica.”

 

“A respeito, porém, destes primeiros sintomas de rejuvenescimento, o problema demográfico é alarmante. O abandono da velha gleba dos barões valencianos, tão intensamente povoada no Império, é de uma visibilidade insofismável. Sem um fator agrícola que enraíze o homem ao solo, e sem a maior partilha da propriedade atraindo o pequeno lavrador, também assiste, Santa Teresa, ao fatal êxodo da sua população.”

 

“Sendo um dos municípios serranos relativamente mais habitados ainda em 1920, viu reduzida à metade a sua população em 1940, quando, apenas totalizava 7.832 almas para o município inteiro e, apresenta a insignificante parcela de 1.119 habitantes para os núcleos urbanos, não contando a sede municipal mais de 557.”

 

“Santa Teresa é hoje o município de menor população do Estado do Rio, e os motivos responsáveis por esse extraordinário declínio demográfico deveriam ser para o governo objeto de cuidada vigilância, não só para corrigir as falhas de um regime agrário que conduz ao despovoamento, mas também, e sobretudo, para que, as mesmas causas não venham igualmente atingir outros municípios fluminenses, onde outrora se verificava um elevado número de habitantes, alimentados pela economia agrícola dos cafezais.”

 

O VENDEDOR DE ESCRAVOS  

O maior e o mais popular negociante de escravos, que frequentava o município de Valença, em 1888, foi, sem dúvida, José da Costa Feijó, sócio da antiga firma comercial Marques & Silva, estabelecida em Aliança.

 

José da Costa Feijó                                                       

 

O mercador Feijó era um homem enérgico e ativo, e a sua palavra não voltava atrás, Conhecia sobejamente, a palmo e palmo, as terras de Valença e suas redondezas.

 

Segundo ainda Taunay — “Valença era a mais elevada da Província nos distritos cafeeiros” — relativamente ao número de escravos, pois, logo abaixo vinham Cantagalo com 21.621, e S. Fidélis com 18.994 escravos. Fazendas havia em Valença, como por exemplo a de Manoel Antônio Esteves, com 1.100 escravos.

 

Segundo Eschwege, em 1817, o preço de um negro adulto era, em média, 128$000 (Cr$ 128,00); de um moleque de dez anos de idade, 104$000, (Cr$ 104,00), e de um menor de dez anos, 64$000 (Cr$ 64,00).

A título de curiosidade, extraímos da História do café no Brasil, de A. Taunay, a seguinte avaliação estatística das escravaturas nos municípios cafeeiros da província do Rio de Janeiro, em 1883:

 

Municípios     Escravos     Municípios Escravos
Valença  25.344 Piraí        11.360
Cantagalo   21.621 Barra Mansa 11.246
S. Fidélis 18.994 Resende 8.240
Vassouras  18.630 Sapucaia 7.377
Paraíba doSul   15.369   Nova Friburgo  4.937
Sta. Maria Madalena 12.891    
 
ESTATÍSTICA E O PREÇO DO CAFÉ

O café era a sedução, era o ouro verde que fazia a grandeza de Valença, e a sua elite gozava de grande prestígio na Corte, onde os valencianos desfrutavam a maior simpatia e o melhor conceito.

Eloy de Andrade, comentando o fausto da província do Rio de Janeiro, nos dá a seguinte impressão: — “O progresso dos centros agrícolas chegara a ponto de os fazendeiros ostentarem frutos em uma linda manhã de maio e dois dias depois êsses frutos, despolpados, sêcos, correrem nos vagões da “Pedro II”, em demanda dos armazéns do Rio.”

 

Pelo recenseamento de 1920, verifica-se que, no município de Valença, havia 256 propriedades cafeeiras, com cêrca de 5.768.555 pés de café; segundo levantamento realizado pelo Departamento Nacional do Café, havia, em 1936, 82 propriedades e 8.732.900 cafeeiros; e, no período de 1940 a 1942, havia 37 propriedades cafeeiras, com 3.385.300 pés de café.

Atualmente, a produção de café no município é, manifestamente, insuficiente para atender ao consumo local. Nota-se grande indiferentismo pela cultura da rubiácea, motivado por circunstâncias diversas.

 

O estoque de café em côco, em 1944, em Valença, em poder dos produtores, era calculado em 18.000 arrobas. Não obstante, presentemente, o município chega até a importar café...

 

Para se ter uma idéia da cotação do café, em diversas épocas, na província do Rio de Janeiro, quiçá em Valença, extraímos da História do Café no Brasil, de Taunay, algumas cotações máximas do café colonial:

 

ANO COTAÇÃO ANO COTAÇÃO ANO COTAÇÃO
1798 3$000 1808 1$700 1816 2$600
1801 2$400 1809 2$900 1817 4$000
1802 2$400 1810 3$300 1818 5$700
1803 3$000 1811 3$000 1819 4$800
1804 3$000 1812 2$000 1820 6$400
1805 3$000 1813 2$300 1821 6$800
1806 3$000 1814 2$600 1822 5$300
1807 3$000 1815 - 1823 3$800

Devemos considerar que, em 1808, o preço caiu de 50%: variou entre 1$400 e 4700. Entretanto, em 1809, houve reação: oscilou entre 2$000 e 4$900. Nos anos de 1810, 1811, 1812, 1813 e 1814, os preços variaram de 3$000 a 3$300, de 2$200 a 3$000, de 1$200 a 2$000, de 1$200 a 2$300 e de 2$300 a 2$600, respectivamente.

 

Atualmente, em Valença, o café em grão (beneficiado) é vendido pelo preço médio de Cr$ 20,00 o quilo, — quanto pedem os produtores.

 

 

 

 

 

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