Valença
de Ontem e de Hoje
CAPÍTULO 4
VALENÇA CIDADE
(1857-1952)
C
Desenvolvimento da Freguesia de N.S. da Glória
A
Propaganda Republicana em Valença
Glaziou e o Urbanismo em Valença
A
vila de Valença foi elevada à categoria de cidade pela lei n. 961,
de 29 de setembro de 1857, cujos termos são os seguintes:
“O
Comendador Francisco José Cardoso, presidente da Assembléa Legislativa
Provincial do Rio de Janeiro. Faço saber a todos os seus habitantes que a mesma
Assembléa Legislativa Provincial decretou a lei seguinte:
Art.
1o
—
Ficão
elevadas á categoria de cidade as vilas de Valença e Vassouras e a povoação
de Petropolis.
E
porque o presidente da Provincia recusou sancional-a, em conformidade do art.
19, da carta de lei constitucional de 12 de agosto de 1834, manda a Assembléa
Legislativa Provincial a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução
da referida lei pertencer, que a cumprão e fação cumprir tão inteiramente
como nella se contem. O secretario desta Provincia a faça imprimir, publicar e
correr.
COMO RIBEYROLES DESCREVE VALENÇA
O
escritor francês Charles Ribeyrolles, visitando Valença, em 1859, teve
ocasião
de escrever as mais interessantes páginas sobre a velha cidade fluminense. —(Brasil
Pitoresco, vol.
1 —
págs.
192 / 7)
Vista
parcial de Marquês de Valença - 1950
“Valença
—
comenta
o cientista francês
-—
é
uma das pequenas cidades mais encantadoras da Provincia do Rio. Assentada num
plano onde as colinas ondulam, vê-se-lhes a casaria desgarrada, alinhada em
platôs, escalavrada nos declives; e, aqui e alli, edificios burguezes de dois
andares ou, em contraste, alguns palacetes por acabar.
O
hospital da Mísericordia, a Camara Municipal, a Matriz são os monumentos
publicos. A ultima não tem torres. O sino vigilante vae tocando vesperas numa
guarita, no chão, como uma sentinella.
Conquanto
Valença eleja deputado, mantem a sua legião da Guarda Nacional, o seu lugar no
Conselho da Provincia, não se dá ares de cidade banqueira. E’ modesta,
ativa, commerciante. Está mais em relação com as suas fazendas do que as
outras cabeças de municipio. Sente-se que os negócios são sua alma, sua vida.
Ha alli todas as industrias necessarias. Possue até um collegio, coisa tão
rara nos paizes novos, de aluvião portugueza.
Uma
venda em primeiro lugar, senão duas, uma igreja no meio de algumas cabanas, eis
o esboço dessas cidades. Como na Inglaterra, onde o public
house se instala sempre antes do templo, e a escola vem depois do mercado, O
“Collegio de Valença”, dirigido pelo dr. Nogueira de Barros, está
admiravelmente situado numa elevação que fecha a cidade a leste. E’
arejado, com vastas sallas e bellas paysagens. O programa annuncia serios
estudos preparatorios. Por que não tem concorrencia? Por que tantos espaços
vasios? Ah ! vós que queimaes as terras para desembaraçal-as, não deixeis
que a sarça atinja os muros de vossa casa.
Valença,
com os seus suburbios, encerra mais ou menos cinco mil habitantes de todas as
classes, de todas as cores, e a população do Municipio, um dos mais ricos em
terras novas da Provincia do Rio, avalia-se em quarenta mil, entre livres e
escravos.
Como
todas as metropoles, Valença tem a sua Camara Municipal, organizada por eleição,
composta de nove vereadores. Como attribuições, confiam-se-lhe a policia
local, as reformas, os melhoramentos materiaes, todo o programma das cidades
comunaes. Não exerce funções politicas, e os municipios, no Brasil, têm
perdido
muito a este respeito.
O
circulo de Valença comprehende cinco freguezias, ou paroquias, que são:
Cada
paroquia dispõe de pessoal administrativo, sua pequena familia oficial. E’,
antes do mais, um vigario sobre o qual recaem os encargos e deveres do culto.
Em segundo lugar, o juiz de paz, magistrado de eleição popular, que resolve
pequenas causas não excedentes a cinquenta mil réis, Nas contestações e nos
litigios, onde ha valor maior, elle tenta a conciliação, independente de
julgamento.
O
primeiro juiz de paz eleito nas comunas ou paroquias de municipio desempenha
outras funcções importantes como sejam as de presidente das eleições primarias,
e seus colegas, por ordem de votação, exercem depois delle o mandato de um
anno cada um. Ha mais um sub-delegado de policia, encarregado da vigilancia e
das capturas, alem de salvaguardar as propriedades e as pessoas. E’ nomeado
pelo presidente da Provincia e obedece diretamente ao delegado, o qual, por sua
vez, está sob as ordens do chefe de policia. Tal é a hierarquia do poder.
Sobre
a administração de justiça, quanto ao contencioso, ha no municipio ou termo
um juiz de direito e de orphãos a quem tambem se outorgam algumas atribuições
policiaes.
Este
magistrado julga em processos civis, comerciaes e tudo o que diz respeito aos
orphãos. Quanto aos processos ordinarios, dependendo de conselho de jurados
(juizes de fato), nomeados pelo povo, que funcciona duas vezes por anno, sob a
presidencia do juiz de direito da Comarca. Em materia eclesíastica, é o
vigario da freguezia que conduz a formação de processo, limites das suas
attribuições.
As
rendas publicas, formadas dos impostos do municipio, dividem-se em trez partes.
Uma, que tem o nome de taxas geraes, está afeta ao serviço publico e
diretamente percebida por um coletor, em proveito do Estado. Outra, dita
provincial,
confiada ao mesmo funccionario, vae para os cofres da Provincia. A ultima
(municipal) fica para a Camara do municipio. Sobre esta divisão, em Valença,
revertem ao Estado de quinze a vinte contos de réis, á Provincia de vinte a
trinta e ao municipio de dez a quinze. O que é pouco.
Estas
classificações são as mesmas por toda a parte. Se as sommas recolhidas
variam de provincia a provincia, de municipio a municipio, isso turba a organização.”
Relativamente
ao progresso da cidade — Ribeyrolles escreveu:
“Graças
á energia dos primeiros colonos, á fecundidade das terras e aos estrangeiros
ahi estabelecidos, Valença tem prosperado. Villa, desde 1823, ella progride
sobre a matta virgem que ainda circunda do lado do cemiterio. Suas estradas são
bellas e a ligam a outros pontos da Provincia. Em sessenta annos, o pequeno
burgo fez-se uma cidade.
Valença
não dispõe apenas de instrumento municipal, da atividade commercial e do
espirito de negocios. Ella comprehende e sabe praticar a vida politica. Não se
deixa subjugar nem pelo Banco nem pelos ricos proprietarios. Procura a idéa
pelo candidato, a coisa pelo nome, e suas eleições municipaes são por vezes
agitadas, embora sem sedição nem desordem. Alguns, que se dizem homens de
Estado,
costumam condenar esses animados escrutinios. Veem em todos os movimentos uma
doença. E quer se trate de um povoado nacional ou das metropoles
revolucionarias,
elles proclamam o anátema, desde que pressintam a alma das multidões e o
sopro das idéas. Seu somno se perturba ao menor vento das ruas. Receiam e
deploram o espirito democrático, esses dignos consulares.
Os
pequenos deuses querem dormir.
Não
fui educado nessa escola do orgulho e da materia. Aprecio em Valença, como em
Londres, a pratica desassombrada do direito pelo simples, sem violencia e sem
desanimo. E’ assim que se formam os costumes publicos e se temperam os
caracteres. Sobrevenha uma crise, e as massas se levantam, e os legionários, ás
vezes obscuros, sahem das fileiras pela palavra ou pela espada.
Que
não sacrifique aos temores. Que conserve vigilancia e sua liberdade. Para as
instituições e para os povos, está nisso a lei da vida.
Seria
opportuno esclarecer neste momento as successivas formações deste municipio,
suas primeiras luctas contra os selvagens, as angustias dos desbravamentos, as implantações de suas culturas e riquezas naturaes. Mas não se encontra nos
registros da municipalidade, uma só página histórica, um apontamento, um
detalhe. As camaras, erigidas em pleno seculo XIX, emudecem quando se lhes
interrogam
as origens, seus compromissos e desenvolvimentos, como nascidas do feudo, nas
trevas da Idade-Media.
Em
França, na Inglaterra, na Allemanha, na propria Itália, terra do esbirro e da
sombra, existem em cada provincia, municipio ou distrito, sociedade de geologia,
historia e botanica, onde, segundo a especialidade, cada qual estuda a planta,
a ruma, o sólo, a flor, o monumento. Ora, em todo o universo, qual o paiz que
poderia oferecer mais completo inventário de historia natural, como o Brasil?
No
Rio, comprehendeu-se o interesse poderoso de semelhante obra e nomeou-se uma
commissão que deve, de accordo com o programma estabelecido, iniciar e seguir o
grande estudo do territorio. Todavia, fosse essa commissão composta dos
Humboldts e dos Aragos, era tarefa para mais de um seculo. Era mistér, ao mesmo
tempo, a divisão das especialidades e dos terrenos. Em cada municipio, haveria
homens, dotados de noções essenciaes, que pudessem agrupar, estudar,
classificar sem despesas e sem prejuizos? Será que Vassouras, Valença, Campos
não comprehendem que hão de ser um dia, se não abandonarem a si mesmas,
grandes cidades ao redor da metropole? Na America do Norte, Baltimore, Nova
Orleans, New York e Filadelfia attenderão, para a pesquisa e para a descoberta,
ao programma e ao commando de Washington?
Ah! não tendes avoengos, nem historiadores, como Roma ou Pariz. Não
possuis
ruínas como Nínive ou Palmira. O que existe, sob vossos pés, em vossa sombra,
sobre vossas cabeças, são árvores, flôres e plantas que valem todos os
muzeus
de Napoles e são ainda o segredo de Deus.
Explorae
vossa mina de ouro, que é a terra. Estudae os calices das flores que valem mais
que camafeus. Lembrae-vos que em toda a terra, reino ou republica, se os municípios
nada conseguem, o Estado menos conseguirá.
Não
são homens que faltam em Valença, onde o espírito geral é de boa altivez
burgueza. Lá encontrareis cultivadas intelligencias. O deputado da Provincia,
Saldanha Marinho, occuparía dignamente seu lugar nas melhores assembléas da
Europa. Eloquencia e disinteresse, estudos profundos, probidade severa não são
qualidades communs, mesmo no Brasil. Que os pequenos nucleos, como Valença, não
confiem ao Rio toda a iniciativa. Elles representam muito para o paiz. E fiquem
sabendo que, de uma cidadesinha na Allemanha, como Heidelberg, tem partido idéas
mais arrojadas do quê das mais orgulhosas capitaes do mundo.
O berço tem suas forças”.
O
aldeiamento das localidades além do rio Paraíba muito contribuiu para o
desenvolvimento da freguesia de N. S. da Glória de Valença, bem como das terras
que se lhe seguiam para além da margem do rio Prêto, na capitania de Minas
Gerais. A cidade de Valença era a passagem forçada das tropas mineiras, em
demanda
à Côrte do Rio de Janeiro.
O
escritor fluminense José Matoso Maia Forte escreveu: “Era
o curso do ribeirão das Mortes que orientava as tropas vindas da freguesia de
N. S. da Glória de Valença para Sacra Família, ganhando daí, ou as
estradas, na direcão de Iguassu, ou o atalho, que já começava a ser trilhado
para o rancho dos “Mendes” e Rodêio, na direção da serra dos Macacos,
para se dirigirem, já na planície, rumo de Itaguaí.
Vinham,
por êsse lado, viajantes e tropas das zonas mineiras, na direção das
proximidades de Juparanã (antiga estação do Desengano) para fazerem, rio acima,
a travessia para a margem direita do rio Paraíba, indo ter às vizinhanças do
ribeirão das Mortes, na atual estação de Barão de Vassouras, evitando o
percurso mais longo que lhes oferecia o caminho de Comércio. A travessia de
uma para outra margem do Paraíba fazia-se lentamente, em improvisadas, barcas
de passagem, espécie de balsas ou jangadas carregadas de mercadorias e
de animais que não atravessavam a nado, e em canoas”
Relativamente
às tropas fluminenses e mineiras, comenta Calógeras — “Cada
lote contava sete, nove ou doze bestas; os de sete eram mais comuns na antiga
provincia do Rio de Janeiro; os de nove, em geral, caracterizavam a tropa
mineira;
os de onze, a tropa goiana. O “arneiro”, usualmente, ia montado, e os camaradas
a pé. Quando vários grupos se juntavam, costumava haver um capataz. Cada grupo
de muares tinha “madrinha”, que é ou um cavalo ou uma besta, mais segura, a
servir de guia, na marcha, e centro de reunião dos animais no apascentar
noturno”.
E
pelos montes e vales, a tropa mineira demandava a Corte, passando pelos caminhos de Valença.
(Des.
de Joaquim Alves)
“O
tropeiro era a figura sempre benvinda e alviçareira. “No conjunto dos
sistemas
de veiculação — carros de bois, barcos, muares — o tropeiro e seus auxiliares
representavam uma aristocracia.
Não
viajava com seus animais: o capataz de confiança, escravo por vezes, guiava e
cuidava dos lotes,
enquanto
o dono, com uma “comitiva” escolhida de
bestas de estimação, com numerosas mudas à dextra, arreios faiscantes
de prataria
e mesmo com peças de ouro, partia dias ou semanas depois, e seguindo mais
rapidamente, ia alcançar os primeiros
já
próximos ao seu destino...”
O
tropeiro era o “mensageiro da civilizacão”. Era o homem que havia ido à
Côrte, ou, pelo menos, a lugares, nos quais se tinha notícia do que se passava
na capital do Império... Naqueles tempos não havia casa bancária, nem meios
de remessa de dinheiro senão por “positivos”, próprios portadores ou
mensageiros especiais. Era o tropeiro o intermediário de tais operações de
confiança. Hóspede nas fazendas, querido e ansiosamente esperado, trazia as
novidades, aviava as encomendas femininas, geria interêsses financeiros do
chefe da casa. As donzelas tinham o coração a saltar ao anunciar-se a chegada
do tropeiro. Todos lhe votavam amizade; até os escravos, os quais o
recompensavam por pequenos serviços prestados.
Beco
da Mangueira, antigo ponto de estacionamento dos tropeiros
mineiros que se destinavam à Corte.
A
missão progressista do tropeiro era aproximar os povos. Pioneiro da civilização,
desempenhava funções de relêvo, e “não há a extranhar com que, na
literatura da época, são descritos pelos melhores romancistas, como
Bernardo Guimarães, entre outros.
Tropas
de mulas! Nessas tropas revive tôda a poesia do Brasil colonial.
Os
tropeiros são os verdadeiros reis das estradas. Transportam as mercadorias de tôda
a espécie e propagam as novidades, levam e trazem recados e formam assim o
elo de ligação com o mundo desconhecido. A caravana, uma infinidade de
coisas.
Nos grandes cestos, que balançavam aos flancos das mulas, havia carregamentos
diversos: farinha, milho, querozene, etc. E transportava a caravana mais de uma
tonelada de mercadorias... À frente dela ia uma mula com um pequeno sino
dependurado ao pescoço. Carrega os utensílios necessários à vida de todos:
objetos de acampamentos, tais como cobertores, panelas, tripé de ferro, etc. Os
tropeiros usam botas de couro macio, calças de couro e camisas de lã. Por sôbre
o corpo desce o ponche, uma coberta simples, com um orifício para a entrada
da cabeça, no centro.
Ao
longe, o chiar de um carro de bois. Nunca lhe engraxavam os eixos para que o
carro chiasse. Era o “chic” dos carreiros essa melodia melancólica, que se
adaptava perfeitamente à paisagem rural. Como desviar a tropa do carro de bois,
e vice-versa? Não há possibilidade de abrir caminho. Mas quando o carro se
aproxima, os muares trepam pela encosta das ribanceiras, e as mulas passam, uma
a uma, pelos bois, com agilidade espantosa. E começa um virar e balançar, um
recuar e avançar tão forte, que os grandes cestos parecem atirar fora, por
terra, tôda a mercadoria. O carro passa, o barulho do saculejar das mercadorias
perde-se nas distâncias, e a tropa segue o seu caminho. A estrada se alarga,
raramente, mas, de repente, a caravana pára. Difícil a pasagem, novamente. A
estrada está transformada em grande lago. Os tropeiros não se incomodam e
deixam aos animais o cuidado de encontrarem o caminho seguro. A mula, que conduz
a caravana, pára e volta a cabeça, hesita, como si compreendesse a situação
e atira-se de repente ao lamaçal, num passo lento e seguro. Tôda a caravana
segue-a. E os animais, calmamente, e com segurança, atravessam a lama, sem
tropeços, afundando-se, por vezes, até a barriga.
Acampamento. Descarregam as mercadorias, e cuidam dos animais, imediatamente. Em fila, as mulas esperam as suas rações. Cada qual recebe um bornal com milho. O chefe da caravana prepara o café, depois de ter fincado no chão o tripé de ferro”.
E
os tropeiros mineiros, na sua árdua missão, entravam, assim, triunfalmente, na
velha cidade de Valença, cuja população, transbordante de alegria imensa,
os recebia com festas e aplausos. Que dia magnífico para a cidade.
E, ali, no coração de Valença, as tropas, com suas mulas enfeitadas de
fitas de variadas côres e bandeirolas coloridas nas extremidades de
hastes a prumo, pousavam e descansavam para, no dia seguinte,
seguirem rumo à Côrte, que elas iam abastecer.
Rua Saldanha Marinho (antiga rua dos Mineiros), vendo-se ao fundo a Catedral - 1925.
No
canto da rua dos Mineiros, esquina da Nilo Peçanha, precisamente no local
onde se ergue o edifício da extinta e tradicional Casa Sampaio, (atualmente um
bar), um grande rancho se levantava à maneira de mercado, e aí os mineiros
pousavam, tanto na ida como na volta.
Rua
Saldanha Marinho (antiga rua dos Mineiros), vendo-se, ao fundo,
a Catedral, e à direita, o então, grupo
escolar de três andares que
se
incendiou na noite de São Pedro, em 1901.
Rua
dos Mineiros! Reflexo vivo da antiga Valença sonhadora. Ei-la, na sua tradição
histórica, revivendo uma época, um passado, que é a sua própria vida. Em
homenagem aos tropeiros de Minas, os valencianos a batizaram, em 1838, com esse
nome, que nunca morreu. Marco de progresso, aí está a rua dos Mineiros, o
então caminho para a Corte do Rio de Janeiro, subindo a Serra Velha ou do
Mascate. Tornou-se, consequentemente, a artéria principal da cidade. E’ a preferida
pelo comércio, a mais freqüentada, a mais limpa e a mais colonial. Com os seus
velhos casarões entre edifícios, uns assobradados, outros acachapados e poucos
de construção moderna, a rua dos mineiros mergulha-se na tristeza de sua pobre
arquitetura, suportando o imenso peso das telhas de canal, com suas janelas a
devassarem o interior das residências. Nela palpitam o comércio, a industria
e a sociedade. Trânsito obrigatório dos que entram e saem, e dos que vêm dos
arrabaldes. Ponto de reuniões de toda espécie, a velha rua dos Mineiros guarda
ainda as reminiscências dos colonos portugueses e dos mineiros, que ali
animaram o comércio e a indústria, deixando a prova irrefutável do seu espírito
progressista. Antigamente, a rua dos Mineiros se estendia desde a atual praça
Visconde do Rio Preto até às fraldas da Serra Velha, passando pela antiga rua
da Polícia, a denominada Domingos Mariano.
Vista da rua dos Mineiros em foto da década de 1950
Rua
dos Mineiros! Quem não lhe quer bem? Sedutora na política de outras épocas,
nas futilidades mundanas, nos “flirts“, nas intrigas e nos mexericos de
todos os tempos, ei-la agasalhando carinhosamente um passado, que nela é a própria
alma da cidade. Lutas e conquistas, empreendimentos e ideais foram alí as vozes
de épocas memoráveis. Rua dos Mineiros de ontem e de hoje!...
Por
ela passa a meninice gorgeante e também passa a mocidade sonhadora, como
por ela passaram e vão passando os anciãos cheios de saudade!... Trabalhando
ou cantando, por ela passa o provinciano, que a revê diariamente na sua atração
instintiva. Rua dos Mineiros — a velha amiga dos velhos de olhos cansados,
mas que não se cansam de olhá-la e de sentí-la
“Saldanha
Marinho” — foi o nome com que mais tarde a denominaram oficialmente, em
honra do grande tribuno do Império — dr. Joaquim Saldanha Marinho, grande
amigo de Valença.
Saldanha Marinho
De
1861 a 1873 não houve nome mais conhecido nas lutas políticas do Brasil.
Nenhum político — dizem as crônicas da época — o excedeu na bravura, na
intrepidez, na impetuosidade e na veemência, quando defendia as suas idéas.
Natural de Pernambuco, onde nasceu a 4 de maio de 1816, bacharelou-se em
direito aos 21 anos de idade. Senador pelo Ceará, Saldanha Marinho mostrou
grande versatilidade de talento, mesmo diante dos seus rivais de então — Justiniano
José da Rocha e F. Otaviano, entre outros.
Tendo-se
dissolvido, em 1849, a Câmara dos Deputados, os acontecimentos da época o
impossibilitaram de seguir para o Norte. Estabeleceu-se, então, Saldanha Marinho,
em Valença onde, durante doze anos consecutivos, exerceu advocacia, não
esquecendo todavia os interesses municipais de Valença, de que era ardoroso
defensor e grande entusiasta. A cidade muito deve ao seu prestígio. Grande
tribuno e jornalista que foi, Saldanha Marinho, na Corte, propugnava pelas
coisas da política valenciana. Pelos seus serviços prestados à coletividade,
a cidade, agradecida, gravou-lhe numa das ruas o seu nome — a histórica ruas
dos Mineiros que ele também amou.
Em
trabalho de larga repercussão, publicado em La
Nacion, de Buenos Aires, a 7 de outubro de 1928, diz Manuel Galvez: — “Lopez,
segundo conta Varela, estava um tanto espiritualizado,
com animo alegre, os olhos brilhantes, a palavra facil, a inteligência à
flor da pele, situação pouco distante da embriaguez. (...) Que faltava, pois,
para que a guerra estalasse ? Um pretexto qualquer, como disse Lopez a Varela.
E o pretexto apareceu”.
Nas
“Efemérides Brasileiras”, na data de 26 de janeiro de 1865, informa o Barão
do Rio Branco: — “Circular-manifesto,
dirigida ao ministro das Relações Exteriores da República Argentina e ao
corpo diplomático residente em Buenos Aires pelo enviado brasileiro, em missão
especial, conselheiro Paranhos (depois Visconde do Rio Branco), anunciando que,
em consequencia do aprisionamento do vapor Marquez
de Olinda e da invasão de Mato Grosso, pelos paraguaíos, o Brasil
aceitava a guerra, começada sem prévia declaração pelo ditador Solano Lopez:
— “Á vista de tantos atos de provocação, a responsabilidade da guerra
sobrevinda entre o Brasil e a República do Paraguai pesara exclusivamente sôbre
o Governo de Assunção. O Governo de Sua Magestade repelira pela força o
agressor; mas, ressalvando, com a dignidade do Imperio, os seus legitimos
direitos, não confundirá a nação paraguaia com o Governo que assim se expõe
aos azares de uma guerra injusta, e saberá manter-se, como beligerante, dentro
dos limites que lhe marcam a sua propria civilização e seus compromissos
internacionaes”.
O
aprisionamento do vapor brasileiro Marquez
de Olínda foi o primeiro ato de selvageria do ditador Solano Lopez. Ocorreu
a 14 de novembro de 1864, de surpresa e contra todas as regras do direito e da
decência, quando de passagem pelo porto de Assunção, onde entrara na tarde do
dia anterior, em demanda de Mato Grosso. Levava a seu bordo o ilustre Coronel
Frederico Carneiro de Campos, engenheiro militar, de relevantes serviços à pátria,
que seguia para aquela província a fim de assumir o posto de governador.
Todos sabemos os insultos e humilhações, relho e fachina, fome e sêde,
grilhões e martírio, que padeceram os nossos patrícios. Um a um, foram
morrendo todos, à força de incríveis maltratos; Carneiro de Campos foi dos últimos.
Sobraram apenas dois, milagrosamente, para relatar aquela odisséia.
Carneiro
de Campos era conhecido e estimado em Valença; a êle se deve a primeira carta
urbana da cidade, datada de 1836.
Este
fato deve, de certo modo, ter excitado ainda mais o patriotismo de toda a população
do município. Na sessão da Câmara Municipal, de 18 de dezembro de 1866, foi
apresentada uma relação circunstanciada de tôdas as pessoas que auxiliaram
o governo, até àquela data, com serviços de toda ordem, donativos e conquista
de voluntários.
Dêsse
documento extraimos o que se segue:
“Pessoas que, além dos seus relevantes serviços, concorreram com donativos para o Govêrno do Estado: Coronel Peregrino José da América Pinheiro - 1:000$ de réis, Coronel Manoel Jacintho Carneiro Nogueira da Gama - 1:000$ de réis, Joaquim Gomes Pimentel - 500$ réis, Tenente Coronel Nicoláu Carneiro Nogueira da Gama - 500$ réis, Capitão Manoel Pereira de Souza Barros - 500$ réis, Jacintho Martins Pimentel - 550$ réis, Major Antonio Carlos Ferreira - 200$, Major Herculano Furtado de Mendonça - 200$ réis, Manoel Antonio de Andrade - 200$ réis, João Gualberto da Silva - 200$ réis, Dr. Francisco Antonio de Souza Nunes - 200$ réis, Joaquim Diniz Costa Guimarães - 200$ réis, Sebastião Soares Leite - 200$ réis, Anastácio José Gonçalves Figueira (portuguez) - 100$ réis, José da Silva Souza Brandão - 100$ réis, Capitão Antonio da Silveiraa Vargas - 100$ réis, Major João Damasceno Ferreira - 100$ réis, Pedro Moreno de Alagão - 100$ réis, Augusto Luiz Machado - 100$ réis, Custódio Alves de Souza Machado - 100$ réis, Dr. Manuel Antonio Fernandes - 100$ réis, Lucio José Cardoso - 30$ réis, Manuel Valerio de Souza Lobo - 30$ réis, Fernando Pinheiro da Silva Morais - 30$ réis.
A
importância desta subscripção, que orçou em 6.040$000 réis foi entregue
pelo thesoureiro da mesma, dr. Manuel Antonio Fernandes ao Thesoureiro da Comissão
Central, o Exmo. Barão de Mauá.
Freguezia
de Santo Antonio do Rio Bonito - concorreram a bem da defesa do Estado os
senhores: - Tenente Coronel Francisco Leite Ribeiro com 500$ réis, Tenente Custódio
Ferreira Leite - 300$ réis.
Freguezia
de Santa Thereza —concorreram os senhores: - Barão do Rio Preto - 1:000$ de réis,
Conde Baependy - 600$ réis, Tenente Coronel José Vieira Machado da Cunha -
400$ réis, Dona Maria Izabel de Jesus Vieira - 250$ réis, Major João Vieira
Machado da Cunha - 250$ réis, José Rodrigues Alves Barbosa - 250$ réis, José Luiz Garcia
- 200$ réis, Capitão Ignácio Pinheiro dee Souza Werneck - 200$ réis, Francisco
Carlos Correa Lemos - 200$ réis. José Gonçalves Portugal - 200$ réis,
Eleuterio Gonçalves de Oliveira - 150$ réis, José Vicente Cesar - 100$ réis,
Dr. Manuel Jacintho Nogueira da Gama - 100$ réis, Silverio dos Santos Paiva -
100$ réis, Matheus Gomes do Val - 100$ réis, João Venancio de Carvalho (fallecido)
- 100$ réis, Manoel Antonio da Silva - 1100$ réis, Dr. João Baptista Soares
de Meirelles - 100$ réis, Francisco Gonçalves Portugal - 100$ réis, João José
Vieira - 100$ réis, Estevão de Souza Pimenta - 70$ réis, José Borges de
Carvalho - 50$ réis, Joaquim Sebastião Jorge - 50$ réis, Joaquim Ribeiro do
Vai - 50$ réis, Antonio Gomes Cardoso - 50$ réis, Manoel Correa de Amorim -
50$ réis, Joaquim Militão Cesar - 50$ réis, Manoel José da Costa (portuguez)
- 50$ réis, Genuino Julio do Nascimento - 50$ réis, e Manoel de Souza e Silva
- 50$ e outros muitos subscriptores de ttrinta mil réis e quantias menores”.
Também
concorreram com donativos: João Maximiano de Azevedo - 500$ e Gabriel Ribeiro
do Vale - 500$.
“Pessoas
que contribuiram para o Asilo de Inválidos da Pátria: Barão do Rio Prêto -
4.000$, Tenente-coronel José Vieira Machado da Cunha - 200$, José Luiz Garcia
- 200$, Silverio dos Santos Paiva - 100$$, Matheus Gomes do Val - 100$, Maria
Izabel de Jesus Vieira - 50$, João José Vieira - 50$, José Rodrigues Alves
Barbosa - 50$, Manoel de Souza e Silva — 50$, Josué Borges de Carvalho - 50$,
dr. João Batista Soares de Meirelles - 40$ e outros subscritores de quantias
inferiores a 30$. Os súditos portugueses, residentes na antiga freguesia de
N. S. da Glória angariaram 1.920$ para o referido Asilo. Também prestaram seu
auxílio os cidadãos João Maximiano de Azevedo — com 100$ e Domiciano José
Alves — com 200$.”
Quanto
ao voluntariado obtido no município, vale destacar os seguintes tópicos
extraídos da “História de Valença” (pág. 262), de Luiz Damasceno:
“Durante
a guerra com a República do Paraguay que excitou o patriotismo de tôda a
população d’este municipio sobresahio-se no começo do movimento de voluntários
o Dr. Joaquim José do Amaral, então Delegado de Policia d’este Termo,
promovendo o alistamento de voluntarios, aquartelando-os e dando-lhes sustento,
seguindo-se depois o 1o Substituto do mesmo Delegado, o Commendador
João Baptista de Araujo Leite, que quasi sempre tinha estado em exercicio. prestou
relevantes serviços á causa publica, enviando, em poucos mezes, grande numero
de recrutas e de voluntarios.
“No
desempenho de seus deveres o Commendador Araujo Leite houve-se com prudencia,
zelo e muita dedicação, sendo coadjuvado por muitos cidadãos d’esta
freguezia, em cujo numero estava o Dr. Joaquim José do Amaral, Juiz Municipal
do Termo, que prestou-lhe auxilio valioso”.
“O
Coronel Manoel Jacintho Carneiro da Gama, Commandante Superior da Guarda
Nacional do Municipio, provou, exuberantemente, o seu reconhecido patriotismo,
prestando serviços importantissimos á causa nacional”.
“Logo
no começo da guerra nomeou uma comissão militar, para angariar voluntarios
da patria, e no fim de poucos dias essa commissão apresentou-lhe trinta
voluntarios, sendo alguns por elle proprio obtidos”.
“Essa
Commissão era composta do Dr. Luiz Alves de Souza Lobo, Major Herculano Furtado
de Mendonça e Major Custodio da Silveira Vargas”.
“Foi
incansavel essa commissão na obtenção de voluntarios, aquartelando-os e
vestindo-os, cujas despesas recusou receber do digno Commandante Superior, que
as havia authorisado”.
“Esses
trinta voluntarios foram conduzidos com os angariados pela Camara Municipal, a
Capital da Provincia pelo Tenente Coronel Francisco Nicoláu Carneiro Nogueira
da Gama”.
“O
Tenente Coronel Francisco Leite Ribeiro, auxiliado pelos cidadãos Joaquim
Leite Ribeiro, Dr. Joaquim Alexandre de Siqueira, Capitão João Ferreira Leite,
Tenente José de Souza Pires e Custodio Ferreira Leite, angariou cincoenta e
quatro voluntarios, que, sendo gratificados e aquartelados por todos estes senhores,
foram conduzidos para a Corte pelo referido tenente Coronel Leite Ribeiro”.
“Além
d’estes serviços o Tenente Coronel Francisco Leite Ribeiro prestou outros
importantes como Commandante do Corpo de Infantaria da Guarda Nacional na
designação e prisão dos Guardas remissos”.
“O
Conde de Baependy, antigo e incansavel servidor do Estado, não quiz deixar
de, nessa occasião, dar mais uma prova do seu acrysolado patriotismo, unindo-se
ao Barão do Rio Preto, Domingos Theodoro de Azevedo Junior, José Luíz Garcia,
Tenente Coronel José Vieira Machado da Cunha e ao prestante cidadão
Subdelegado de Policia da Freguezia de Santa Thereza, Joaquim Sebastião Jorge,
contribuindo com trinta e dois voluntarios, que foram pelos mesmos senhores
gratificados e remetidos para a Corte”.
“O
Major Antonio Carlos Ferreira libertou um escravo seu e o apresentou á Camara
Municipal, como voluntário da Patria e deu mais um voluntario. João Maximiano
de Azevedo apresentou dois voluntarios, fazendo-lhes as despesas até a Côrte.
O alferes Marcelino Rodrigues de Avelar Barbosa deu dois voluntarios e prestou
relevantes serviços, não só na obtenção de voluntarios, como tambem na
designação de guardas e na prisão que efetuou, com risco da propria vida, daqueles
que não se apresentaram depois de designados”.
“A
Camara Municipal agenciou, gratificou, aquartelou e fez seguir para a Capital
da Provincia do Rio de Janeiro 12 voluntarios, fornecendo-lhes cavalgaduras até
á Estação do Rodeio da Estrada de Ferro Dom Pedro II”.
“O
Vereador Simeão Gomes de Assumpção, além dos serviços, acima mencionados,
apresentou mais um voluntário para a Armada, que foi remettido pelo Delegado
Araujo Leite”.
“O
Dr. Guilherme de Almeida Magalhães, além dos serviços supra mencionados,
como Vereador, prestou outros muito importantes, como fosse o de convocar a
Camara em sessões extraordinarias, com o fim exclusivo de obter-se voluntarios,
espalhando proclamações ao povo do município, etc”.
“O
Vereador Manoel Antonio de Andrade, além dos serviços prestados, deu mais um
voluntario. A Camara Municipal nomeou uma commissão composta dos senhores,
Dr. Luiz Alves de Souza Lobo, João Vieira das Chagas Werneck e José Francisco
de Araujo Silva, para receber e aquartelar os voluntarios, que por esta cidade
passassem, cuja commissão teve occasião de exercer seu encargo, recebendo e
tratando com a decencia compativel com o logar os voluntarios mandados do Rio
Preto”.
“Antonio
Norberto de Azevedo deu um voluntario e fez-lhe as despesas até á Côrte. José
Pinheiro de Souza, 1o Juiz de Paz da freguezia da Gloria, agenciou e
remetteu por intermédio do Delegado de Policia quatro voluntarios para o Exercito”.
“O
Capitão Manoel Pereira de Souza Barros deu quatro voluntarios e o Tenente José
Antonio Cortines Laxe, secretario d’esta Camara e Subdelegado de Policia da
freguezia da Gloria prestou relevantes serviços.”
São
igualmente assinaláveis os seguintes fatos constantes do aludido documento:
— “Auxiliaram ao Governo por diversos modos os senhores: — Dr. Jorge Antonio
de Souza Lima, Coronel Peregrino José de America Pinheiro, Antonio de Abreu e
Silva, Jeronymo Francisco Ferreira, Francisco José Ferreira Braga, Simeão
Gomes de Assumpção, José Ignacio Machado, Camilo da Silva Ferreira, Fernando
Pinheiro de Souza, Dr. Joaquim de Almeida Ramos, Padre Luiz Alves dos Santos,
José Francisco de Araujo Silva, Vigario Custodio Gomes Carneiro, Antonio
Leite Pinto, José Theotonio Sayão de Miranda Ribeiro, Capitão Floriano Leite
Ribeiro, Tenente Antonio José da Costa Machado, Vicente de Paula Seabra,
Francisco Olympio do Carmo, Dezembargador Antonio Joaquim Fortes de Bustamante,
Antonio Teixeira da Nobrega, Francisco Carlos Correa Lemos, Vicente José de
Araujo e Silva, Manoel Francisco de Carvalho, Matheus Gomes do VaI, José Alves
da Cruz, Joaquim Ribeiro do VaI, Duarte Gomes de Assumpção, José Pereira de
Faro, José Gonçalves de Moraes e Ignacio Pinheiro de Souza Werneck”.
Diz Gustavo Barroso: “Quando Lopez foi justamente linchado à margem do Aquidabanigui, pagou as suas crueldades sem limites, O que êle fez com êsse nobre brasileiro (o respeitável ancião Carneiro de Campos) e com tôdas as outras vítimas de sua fereza tornou-o um indivíduo fora da lei. Não era mais um chefe de Estado, nem um comandante de Exército. Não passava dum bandido feroz e errante, que deveria ser justiçado onde seus perseguidores o encontrassem”. — E Valença se ufana de haver concorrido com a modestia dos seus recursos e a riqueza do seu entusiasmo para a glória das nossas armas e a desafronta à nossa Pátria.
A
propaganda republicana encontrou em Valença grande número de adeptos, pois as
vozes de alguns de seus filhos repercutiram bem alto os seus ideais de
liberdade, respondendo aos sentimentos da Nação. No velho Teatro da Glória,
que se erguia onde hoje se encontra o moderno Cine Teatro Glória, fez-se, um
dia, ouvir uma voz nacionalmente inflamada, numa sessão cívica de grande
gala. Era Silva Jardim que se dirigia aos valencianos, falando-lhes sobre os
seus ideais republicanos.
O
velho teatro se achava à cunha e vibrava delirantemente. A sua palavra era
ouvida entre aplausos e vivas retumbantes. Mas, fora, na praça fronteiriça, um
grupo de monarquistas revoltados, munidos de armas e de bombas, ameaçava
interromper a conferência do grande republicano. Entre algazarras e vaias, uma
bomba estourou próximo à porta do teatro, que regorgitava do que havia de mais
seleto. Correrias. Gritos. Populares que se precipitavam para fora, pelas
janelas dos fundos do velho casarão... O grupo, cada vez mais exaltado, forçava
invadir o teatro, mas, a polícia impedia-o, com energia. Silva Jardim estava
impassível. Pedia calma. E finalmente, tudo se resolveu como ele próprio
relata, em carta, datada de 22 de julho de 1888, a um seu amigo:
“Em
Valença, quando falava no salão do teatro, no primeiro andar, interrompem-me
em baixo com uma algazarra de vivas contrários. Não me perturbo e exclamo:
—
Vêde bem, cidadãos! quão necessitado está o povo da liberdade republicana! Vêde
como ele impede a liberdade de pensamento! E’ assim que a monarquia o tem
educado! Tinha razão o poeta patriota quando dizia que o povo estava no alto,
mas que a multidão estava em baixo! Tenhamos a generosidade de perdoar-lhe, e
elevemos a multidão até o Povo.
Aplausos
gerais e simpatias, que contêm o tumulto. Peço calma, e continuo. Ao sair,
dois libertos se postam ao nosso lado. O comendador Benjamin de Sales Pinheiro,
voltando-se para eles:
—
Rapazes! Que é isto! Dão licença... Sigamos, doutor. E impelia-os, docemente.
Passamos. Nada mais.
João
Barcelos estava indignado com o caso, e sabia a quem atribuí-lo. Barcelos era
o chefe republicano local; advogado, muito moço, mas de grande mérito, um
trabalhador valente pela causa”...
Cel.
João Rufino
Valença
é uma das poucas cidades fluminenses que possuem tão grande número de praças.
A sua extranha topografia exigia grande esfôrço administrativo para o seu
embelezamento. Desaterros e melhoramentos se faziam continuamente. As antigas
praças da Câmara e da Constituição, aquela em 1868, e esta em 1869, sofriam
radicais transformações. Para o embelezamento urbano muito concorreu o então
presidente da Câmara, coronel João Rufino Furtado de Mendonça. que, em sessão
de 11 de março de 1884, conseguia autorização para ajardinar as atuais
praças
Visconde do Rio Preto e D. Pedro II. Um gradil de ferro era, então, colocado em
torno à antiga praça da Câmara (atual Visconde do R. Preto).
O
gradil e o ajardinamento, que datam de 1884, custaram 13:000$000. Mais tarde,
isto é, em 1919, desaparecia o gradil, que era então substituído por um
passeio feito de cimento que circunda toda a praça. No centro do “jardim de
cima”, como um dos seus antigos ornamentos, ergue-se um coreto de ferro
fundido, construido em 1916, pela importância de 5:050$000. O jardim da praça
Visconde do Rio Preto tem uma área de 8.075 metros quadrados.
Fotos do Jardim da Praça Visconde do Rio Preto - Jardim de cima
No
ano de 1884, o cidadão Clarimundo Marques Faria firmava contrato para a
construção de um gradil de ferro e ajardinamento da praça D. Pedro II, pela
quantia de 115:000$000. Nesse mesmo ano, a Câmara providenciava sobre a aquisição
de exemplares vegetais para o ajardinamento das praças, graças ao interesse
do dr. Oliveira Figueiredo junto ao diretor do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro.
Trecho
da antiga praça do Comércio (atual
D. Pedro II), antes de ser ajardinada — 1860
No
“Jardim de Baixo” havia um curioso tanque com repuxo, com peixinhos
dourados, que a petizada sabia respeitar... Em 1915, desaparecia o tanque, para
dar lugar ao busto do construtor comendador Antônio Jannuzzi. As praças
Visconde
do Rio Preto e D. Pedro II eram arborizadas desde 1865, em seus contornos, por
mangueiras, que estão desaparecendo.
O
“Jardim de Baixo” — denominação que o povo dera antes — é um dos
logradouros mais pitorescos e aprazíveis da cidade. Beleza e majestade, as
suas velhas árvores empolgam. Outrora mais fechado por arvoredos e arbustos,
o jardim da praça
D. Pedro II se
apresentava como um parque de irresistível atração urbana. Ainda hoje,
conservando traços de sua beleza antiga, desperta, contudo, a curiosidade dos
que visitam a cidade. E’ o maior, dentro da maior praça de Valença. Mede
cerca de 16.800 metros quadrados.
Mosaico de fotos do parque D.Pedro II (Jardim de Baixo). Década de 1940.
O
traçado desses jardins foi efetuado pelo francês Glaziou, o mesmo que
levantou a planta do jardim da Praça da República, antigo Campo de Sant’Ana, no Rio de Janeiro.
(*)
(*)
“O
Jardim de Baixo como o Jardim de Cima foram construídos —
escreve
o jornalista vaIenciano Mário Domingues
—
pelo talvez maior artista europeu de seu gênero na época em que viveu: Augusto
Glaziou. Contratado por Dom Pedro II para a construção no Rio de Janeiro dos
parques do Campo de Santana e da Quinta da Boa Vista, trouxe, em 1860, uma nova
concepção de arte arquitetônico-paisagística. E’ a que os franceses
chamam de gênero “grandiose”, jardim “d’agrément”, completamente
diferente do jardim de utilidade do Mestre Valentim”. E
depois de outros comentários sôbre os jardins de Valença, conclui o
jornalista:
“Há ainda os acidentes do terreno, que, no nosso Jardim de baíxo, são
naturais, e que Glaziou, com tanta inteligência, soube aproveitar quando em
1884 o construiu depois de uma longa permanência de 24 anos rio Brasil,
sentindo, nessa época, perfeitamente, a natureza brasileira, o que lhe permitiu
fazer, com mais alma, duas grandiosas obras de arte em Valença.” (D’ “O
Estado”, de Niterói, em 24-5-50).
O
pequeno jardim da antiga praça Marechal Deodoro, atual Balbina Fonseca, foi
construido, em 1912, pelo então presidente da Câmara, coronel Frederico de la
Vega. Em 1938, por ocasião das comemorações do centenário da Irmandade da
Santa Casa da
Misericórdia, sofreu essa praça completa transformação, graças ao então
prefeito dr. Oswaldo Augusto Terra, que fez nele executar, além de
ajardinamento, a construção de um tanque com repuxo. Sua área é de 1.875
metros quadrados.
O
jardim da praça “Dr. Frontin”, nome perpetuado no bronze como gratidão
aos benefícios inestimáveis que prestou à cidade o ilustre engenheiro,
foi construido, em 1913, pela Estrada de Ferro Central do Brasil, em terrenos
foreiros, por ela adquiridos a Anastácia Batista Cardoso e a Izabel das Neves.
É circundado por um passeio de cimento. Cedida à Câmara Municipal, a praça
onde se encontra esse jardim fronteiriço à estação da Central, a
Municipalidade tornou-a logradouro público pela Deliberação N. 141,
de 15 de maio de 1913, dando-lhe a denominação de “Praça Dr. Frontin”. Êsse
jardim mede cerca de 4.250 metros quadrados e é um dos mais pitorescos
recantos da cidade.
Vista do "Jardim da Glória"
O “Jardim da Glória”, em honra à padroeira da cidade, é o mais novo.
Em frente à Catedral, e junto ao “Jardim de Baixo”, foi construido em 1923,
por iniciativa do então prefeito coronel Manoel Joaquim Cardoso, cujas obras
foram suspensas em 23 de agosto desse ano, em virtude do decreto do Interventor
federal no Estado, que dissolveu as prefeituras municipais. A sua reconstrução
só teve lugar em março de 1924, sob os auspícios do então prefeito interino
dr. Fernando de Castro Correia de Azevedo, importando a obra em 35:000$000. O
jardim, que está dentro da praça da Bandeira, foi inaugurado a 15 de junho
de 1924 e mede 2.750 metros quadrados, mais ou menos.