Valença de Ontem e de Hoje

LEONI IÓRIO

CAPÍTULO 2

VALENÇA ALDEIA

PARTE 2

 

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Catequese e Civilização

Assistência Religiosa aos Coroados

A Influência Religiosa na Formação da Aldeia

 

CATEQUESE E CIVILIZAÇÃO

 

Em 23 de outubro de 1798, o Ministro dos Negócios Ultramarinos, Dom Rodrigo de Souza Coitinho, escrevera a José Rodrigues da Cruz, informando-o de que Sua Majestade o considerava um grande agricultor, e digno, portanto, de acatamento e aplausos pela sua notável dedicação, tão útil ao Estado, e o felicitava pelo muito que vinha realizando em prol da civilização dos indígenas, guiando-os com as luzes do Progresso e, com efeito, pelas suas descobertas e explorações ao longo do rio Paraíba.

 

“Sendo presente a s. m. que vm. não só é um grande agricultor e tem com as mais Iouvaveis fadigas sido muito util ao Estado, mas tambem que vm. tem concorrido muito para promover a civilisação dos indíos, para que elles se disponham a abraçar as sanctas luzes do Evangelho, e que igualmente se tem esmerado em fazer descobrimentos ao longo do rio Parahyba do Sul; é a mesma senhora servida que vm. informe a s. m. por esta secretaria de estado dos negocíos da marinha e dominios ultramarinos dos meios que possa ter descoberto: 1o , para facilitar e ampliar a civilisação dos indios ao longo do sobredito rio Parahyba do Sul; 2o , para tentar estabelecer ou a navegação do mesmo rio ou ao menos a fluctuação de madeiras em jangadas ao longo de todo o seu curso até á sua embocadura no mar; 3o, para poder estabelecer córtes de madeiras por todo o seu curso; 4o, e finalmente para segurar todas as suas margens de qualquer invasão de indios bravos, ainda antes de serem civilisados. E a mesma senhora que confia que vm. se distinga em procurar-lhe todos os precisos e interessantes conhecimentos que se desejam em simelhante materia, não deixará de dar-lhe as mais decididas provas do seu real reconhecimento, mostrando-se vm. digno da confiança que tem inspirado a informação que ha do que vm. tem até aqui obrado.

Deos guarde a vm. Palacio de Queluz, em 22 de Outubro de 1798. D. Rodrigo de Souza Coitinho. Sr. José Rodrigues da Cruz.” (15)

       (15) Revista do Inst. Histórico e Geogr. do Brazil No. 15 pág. 503.

 

Não tardou Rodrigues da Cruz a responder à Corte, em termos bastante claros, como o fez, em cumprimento àquelas respeitáveis ordens, por intermédio do Ministro, remetendo-lhe uma carta, datada de 31 de outubro de 1798, cuja exposição, sensata e minuciosa, causou vivo entusiasmo no espírito de Sua Alteza, a ponto da Corte deliberar, com particular e especial recomendação, sobre o urgente aumento dos meios e elementos de catequese e tratamento dos índios, povoando, por meio de sesmarias, as margens superiores do rio Paraíba.

 

                                             Índios “Coroados” atravessando o Paraíba.  

                                                                                                                             (Des. de Joaquim Alves)

 

Pela recomendação da Ordem Régia, de 7 de março de 1800, iniciou-se a civilização dos índios Coroados, tendo por objetivo principal o chamamento deles ao seio da Igreja católica.

 

Pelo Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza foi incumbido dessa nobre missão o maneiroso fazendeiro José Rodrigues da Cruz, cidadão intrépido e filantrópico, muito respeitado pela Nação, que de suas mãos vinha recebendo constantes e incalculáveis benefícios. Esse fazendeiro, assaz hábil e corajoso, e decidido empreendedor, era proprietário da fazenda denominada Pau Grande, situada nessas vizinhanças, e de muitas outras enormes porções de terra, em toda a região. De mãos dadas com o então capitão Inácio de Souza Werneck, não faltariam pois, a Rodrigues da Cruz elementos que pudessem habilitá-lo para o eficaz domínio da turba bravia de índios criados à lei da Natureza. Era necessário, pois que, nestas circunstâncias, de conformidade com os termos da Ordem Régia, designasse um sacerdote idôneo para instruir os índios, administrando-lhes santos sacramentos da Igreja.

 

Em 25 de agosto de 1801, o Ministro D. Rodrigo de Souza Coitinho louvava a José Rodrigues da Cruz pelos feitos de suas diligências na civilização dos indígenas em outras regiões, o que foi levado ao conhecimento de Sua Alteza.         

 

Nessa ocasião, foram, conseqüentemente, remetidos àquele fazendeiro gêneros de primeira necessidade para serem distribuídos aos índios, ficando deliberado nada lhe faltar para o desempenho desembaraçado de sua missão.

 

Elogiado foi, também, a esse tempo, o seu sobrinho João Rodrigues Pereira de Almeida, notável pelo zelo e dedicação com que atuava no serviço de educação dos índios. Esse cidadão, que mais tarde substituiu seu tio na direção de suas fazendas, foi agraciado, por fim, com o título de Barão de Ubá.

 

Não obstante todas as vicissitudes e a ferocidade de alguns índios, Rodrigues da Cruz pôde, a muito custo, e com sacrifício da segurança de sua própria mulher e filhos, levar à Corte quatro selvagens, com o fim de apresentá-los ao Vice-Rei, no Rio de Janeiro.

 

Desdobrava-se um programa de catequese perfeito e ininterrupto. Mas a epidemia da varíola assolava a região, e assolava tanto que Rodrigues da Cruz se viu na contingência de abandonar seus trabalhos, para, apenas, dedicar-se ao tratamento dos indígenas atacados. A região muito sofreu com a epidemia. Os mandiocais e os bananais ficaram logo esgotados e a sua safra se reduzia a uma terça parte. Ante tal situação, Rodrigues da Cruz chegou a apelar para Sua Alteza, solicitando-lhe imediata assistência, em virtude de já sentir-se exausto pelos dispêndios, em onze anos consecutivos, de somas consideráveis, acima, portanto, de suas possibilidades financeiras. Necessitava, por isso, de recursos mais eficientes para não abandonar a lavoura e poder viver em boa harmonia com os índios.

 

Em 18 de abril de 1801, José Rodrigues da Cruz requeria, entre outros objetos, 400 anzóis, grandes e pequenos, 20 maços de linha de oeiras, 150 mantas, 400 foices, 200 machados, 200 enxadas, 500 facas, 100 tesouras, 200 chapéus ordinários e 2 melhores para os caciques, 1 barril de pólvora, chumbo, fumo, etc., bem como mantimentos para um ano, tempo suficiente para se efetivar, entre os índios, a colheita de suas plantações. Solicitava, ainda, em abril de 1802, à Sua Alteza, dinheiro para sustento dos escravos empenhados na abertura de caminho para a aldeia dos Coroados, medida urgente para povoar o sertão e fazer o aldeiamento dos índios, no que foi logo atendido com a remessa da quantia de 600$000. (16)   

          (16) Rev. Inst. Hist. e Geogr. do Brazil pág. 510 — No. 15 — 1854.

   

ASSISTÊNCIA RELIGIOSA AOS COROADOS

 

O Vice-Rei D. Fernando José de Portugal, depois Marques de Aguiar, nomeava, pela Portaria de 5 de fevereiro de 1803, para o cargo de Capelão, com a côngrua anual de 150$000, o padre Manoel Gomes Leal, que, estando paroquiando a igreja de Sacra Família, e tendo acompanhado as expedições anteriores contra os índios bravios, promovia uma série de serviços úteis à Igreja e ao Estado. À vista dessa nomeação, o bispo D. José Joaquim Justiniano designava, por despacho de 2 de março de 1803, o referido Capelão para “construir, edificar ou levantar altar em sítio convenientemente escolhido, com poderes para benzer capela ou igreja que erigisse, podendo ainda administrar aos índios os sacramentos, inclusive do matrimônio, e, finalmente, com autorização para construir e benzer cemitério”.

 

Ao lado do capitão Inácio de Souza Werneck e José Rodrigues da Cruz, ambos animados de verdadeiro sentimento de fraternidade cristã, o padre Gomes Leal pôde impor-se pela sua obra civilizadora, e tudo correu e concorreu para que o fim almejado fosse satisfatoriamente colimado, no dizer do escritor monsenhor Pizarro: .... . chamar ao grêmio da Igreja tantas almas perdidas e agregar ao Estado tão numeroso povo, lançando-se mão das terras por eles ocupadas sem o menor benefício para a lavoura”.

 

José Rodrigues da Cruz era um cidadão notável e abastecido. Possuía, anteriormente, uma légua de terras incultas que ele transformara em extensos canaviais na fazenda de Pau Grande, de que era proprietário. Para sua exploração, associara-se a dois negociantes do Rio de Janeiro, de nomes Antônio Ribeiro de Avelar e Antônio dos Santos, que lhe forneceram o necessário capital para o completo desenvolvimento do engenho. A fazenda do Pau Grande era um estabelecimento de grande importância regional, a que se refere, com vivo entusiasmo, o cientista francês Saint Hilaire, declarando ser o mais importante engenho que vira no Brasil”.

 

Rodrigues da Cruz, ao lado do padre Gomes Leal, catequizava com doçura: a suavidade de sua maneira de doutrinar e a compostura das atitudes religiosas do padre Gomes eram-lhes a grande força atrativa. Ambos se caracterizavam pelas suas virtudes cristãs. Procuravam com exemplos de bondade converter à Igreja tantas almas pagãs embrenhadas nos imensos sertões desconhecidos onde não havia o conhecimento do verdadeiro Deus.

 

Rodrigues da Cruz só se entendia com os índios por acenos, que, de certo modo, os escandalizavam... Persuadia os gentios de maneira que eles o acompanhavam, com sua gente, pelo sertão em fora, indo encontrar-se com os habitantes pacatos de Rio Preto, na Capitania de Minas Gerais, onde os mineiros viviam em paz. Não demorou muito que desses encontros nascesse uma sólida amizade entre eles.

 

O esforçado desbravador era, em sua propriedade Pau Grande, muito visitado pelos índios, aos quais oferecia alimentos e aguardente, cativando-lhes a simpatia. Os indígenas chamavam-no o grande capitão, que os conquistava mais pela elegância de seu trato que pelo terror das armas. A estima que lhe devotavam os selvagens era tão intensa que não tardou Rodrigues da Cruz ser por eles induzido a estabelecer-se em suas terras, do outro lado do rio Paraíba.

 

Segundo nos informa o saudoso historiador José Matoso Maia Forte, Rodrigues da Cruz deixara a sociedade da exploração do engenho de Pau Grande, para ir montar outro estabelecimento do mesmo gênero em terras contíguas que, mais tarde, passaram a constituir a grande fazenda de Ubá, sita no lugar hoje denominado Andrade Pinto, a uns três quilômetros, mais ou menos, da respectiva estação, à margem direita do rio Paraíba.

 

Efetivamente, José Rodrigues da Cruz, que depois se via só, em virtude do falecimento de um dos seus sócios, e, contrariado pelos embaraços de um inventário demorado, abandonou a fazenda Pau Grande e resolveu aceder ao convite dos indígenas, para, então, fundar, como fundou, a nova fazenda de Ubá. Essa fazenda tornou-se logo um importante centro comercial. Rodrigues da Cruz chegou a fabricar 4.000 arrobas de açúcar por ano, tendo construído aí um engenho de açúcar, um outro de serra e um moinho de fubá. Era nessa fazenda que Saint Hilaire fazia seu repouso quando de suas viagens pelo interior fluminense.

 

Extremoso e afável, Rodrigues da Cruz sabia cativar os índios, aos quais se dedicava de maneira fraternal. Foi ele, segundo reza a história, o primeiro a ocupar-se diretamente da civilização dos índios Coroados. Procurava os selvagens em suas próprias choças e os recebia em sua própria casa. E, para inspirar-lhes confiança, abria sua bolsa generosa, gastando com eles grandes somas. Chegou a abrigar 154 índios, entre homens e mulheres, construindo para eles um hospital, por causa da epidemia das bexigas, sustentando-os por espaço de quatro meses e promovendo plantações de mandioca e banana. Alimentava tão intenso desejo de agradar aos índios que, de uma feita, — assim nos relata Saint Hilaire — comeu, com eles, o milho que lhe ofereceram e que fora antes mastigado por velhas índias.

 

Joaquim Norberto de Souza, na sua Memória Histórica de Aldeias de índios da Província do Rio de Janeiro (tomo XVII, da Rev. do Inst. Histórico), fez destacada referência aos serviços prestados por José Rodrigues da Cruz, o moço (como o chamavam), o qual, com sacrifício de seus haveres e sua comodidade, se dedicava lealmente aos índios do vale do Paraíba.

                         

                                            E ali, na pequena colina, os índios “Coroados"

                                                     tinham a sua capelinha de palmito.

                                                                                                  (Des. de Joaquim Alves)

 

Moreira Pinto nos informa que o governo de Portugal lhe dirigira honroso ofício em que lhe eram solicitados interessantes esclarecimentos sobre a civilização dos selvagens nesta região.

 

Saint Hilaire conta-nos que o Conde Linhares, então Ministro de Estado, conhecedor da importância da Fazenda de Ubá, tratou logo de tirar proveito das terras férteis da região, encarregando a Rodrigues da Cruz de dividí-las.

 

Como tivemos ocasião de assinalar, era o fazendeiro possuidor de várias sesmarias, entre as quais se destacava aquela que, partindo do antigo sítio da Passagem, ia confinar com a Aldeia de Valença, na atual Praça Visconde do Rio Preto, canto da antiga rua dos Mineiros.

 

A princípio, não era notada, nessa região, a existência de brancos, e Rodrigues da Cruz, às vezes só, outras vezes acompanhado do padre Gomes Leal, atravessava as matas mais fechadas, para levar aos índios ensinamentos, víveres, instrumentos de trabalho e remédios. Em companhia do pároco, entrava o fazendeiro em suas choças e aproveitava a confiança que nele depositavam para fazer batizá-los.

            

                              E, ainda verde, o milho era todo devorado pelos “Coroados”...

                                                                                                   (Des. de Joaquim Alves)  

 

O    padre Gomes Leal, por consulta da Mesa da Consciência e Ordens, pela resolução de 16 de agosto de 1810, obtivera, pela Provisão de 23 de janeiro de 1812, a faculdade de erigir capela ou templo, o que, de fato, realizou, fazendo erguer sobre uma das meias colinas, que se levantam na área ocupada pela cidade de Valença, no ponto justamente onde hoje se ergue a parte posterior da Catedral, uma humilde capela; simples e pequena, sob a invocação de Nossa Senhora da Glória, capela essa que era sustentada por toscos esteios de madeira, com paredes de palmito e ripas, ligadas por cipó imbé e emboçadas por ligeiras camadas de barro, e cujo teto era então formado de ramos de palmeiras.

 

Ao lado direito da capela, o padre Gomes Leal fez construir um cemitério, numa pequena área de terreno, situada ao fundo, justamente onde se encontram os terrenos do reservatório de água, (começo da rua Domingos Mariano, esquina da rua dr. Ernesto Cunha).

 

Esse cemitério era protegido por uma cerca de baraúna, amarrada por cipó, em cujo centro se erguia um modesto cruzeiro feito de madeira tosca. Era o campo santo destinado ao enterramento dos índios e dos colonizadores portugueses. Rodeavam a capela miseráveis choupanas dispersas, e, em toda a Aldeia, viam-se, pelo chão, tocos de madeira e grossos troncos de árvores, resultantes da derrubada que se iniciava, e em grande parte carbonizados pelas queimadas, que se alastravam por toda a região, para dar lugar ao desenvolvimento da lavoura.

 

O padre Manoel Gomes Leal mostrava-se incansável na tarefa de catequizador da Aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença, fundada com esta denominação em homenagem ao então Vice-Rei D. Fernando José de Portugal, descendente na nobre estirpe dos Marqueses de Valença.

 

Por outro lado, José Rodrigues da Cruz tomava decididas providências no sentido de que se fizessem “plantações de roça”, destinadas aos índios, que, imprevidentes e impotentes para poder suportar os ímpetos de sua voracidade, devoravam todo o milho ainda verde.

 

O bispo D. José Caetano da Silva Coutinho, visitando a região de Valença, e verificando a necessidade de uma assistência religiosa direta, e, portanto, mais eficaz, em benefício dos novos colonos (não índios), então dependentes dos párocos das freguesias de Sacra Família, Conceição do Pati do Alferes e Conceição da Paraíba Velha, cujas matrizes se achavam muito distantes da região valenciana, deliberou criar uma freguesia que viesse concorrer para o aumento da população, bem como, dada a fertilidade do solo, o desenvolvimento da lavoura.

                                                                                                                     

O mesmo bispo, por Provisão de 15 de agosto de 1813, criou a freguesia de Valença (data que ficou consagrada à comemoração da tradicional festa de N. S. da Glória), assinalando-lhe os limites, desde o rio Paraíba até ao rio Preto, e desde a freguesia de Sant’Anna do Piraí até à de Nossa Senhora da Conceição, e de S. Pedro e S. Paulo da Paraíba Velha (Paraíba do Sul).

 

Escreve monsenhor Pizarro: — “Para dirigir e servir a nova paróquia foi nomeado o mesmo Capelão curado por aquela Provisão de 15 de agosto, para a qual requereu à Sua Majestade sua confirmação, e, tendo por Aviso, de 15 de dezembro de 1813, informado o bispo, em 31 de janeiro de 1814, a favor da perpetuidade da igreja e do provimento dela no então Capelão; outro Aviso, de 21 de março de 1814, foi mandado ao Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens consultar esse negócio que a Real Resolução de 19 de agosto de 1817 confirmou e autorizou dando à Paroquialidade antiga a natureza do Benefício Coletivo e Perpétuo”.

 

 

A INFLUÊNCIA RELIGIOSA NA FORMAÇÃO DA ALDEIA

 

Para criação da Aldeia de Valença concorreram muitos colonos, contando-se, na Quaresma de 1814, 119 fogos (*), com 688 indivíduos, sem entrarem nesse número os índios aldeiados e os 1.000 e muitos povoadores portugueses.

(*) fogos — residência familiar.                                                 

 

Circundava todo o contorno da Aldeia fechada e sombria mata que mal dava passagem ao caminho, pouco antes aberto, que punha a zona em contacto com outros pontos vizinhos.

 

A influência religiosa, num bem elaborado programa de catequese, se alastrava e, dia a dia, aumentava o número de convertidos que se achegavam ao grêmio da Igreja, tal a dedicação do padre Manoel Gomes Leal e do fazendeiro José Rodrigues da Cruz.

 

Atrair à comunidade cristã e civilizar os índios bravios que erravam embrenhados no sertão; fazê-los participar dos benefícios da vida social para que, deste modo, pudessem contribuir com o seu trabalho para a prosperidade coletiva, — era, sem dúvida, contribuir para a monumental obra humanitária em prol da felicidade nacional.

 

Era preciso que se olhasse com carinho para essa malfadada raça, destinada ao extermínio, à difamação e ao desprezo, espoliada de suas terras e tida como feras, escravizada e explorada. Mas, só o amor ao próximo, a brandura e a generosidade podiam encaminhar, naquela gloriosa jornada, verdadeiros milicianos de Cristo, que arraigavam no espírito dos indígenas os básicos princípios do Cristianismo que se lhes transformavam em benefícios e conquistas compensadoras.

 

Não obstante as atrocidades de toda espécie, a traição e a má fé que eram os únicos meios que possuíam os invasores, no domínio dos gentios, os índios tiveram a sua recompensa moral e material.

 

As violências, as injustiças praticadas contra os indígenas, chegavam ao indescritível: arrancavam-se-lhes, por meio de engodo, as mulheres; e os filhos eram distribuídos às pessoas afeiçoadas. O terror, os tormentos e os castigos obrigavam os índios mansos a trabalhar para o estrangeiro. Os índios eram suscetíveis de sociabilidade e civilização. Certos autores refutam a ferocidade e o caráter intratável dos indígenas.

 

Si assim fosse, por certo, os missionários não se teriam aventurado a ir, sós e inermes, aos mais bravios sertões sem que aí sofressem violências de toda a sorte, arrebanhando-os, aos milhares, como eles próprios declaram em suas crônicas, para ensinar-lhes as puríssimas doutrinas do Evangelho. Si eram feras, como descrevem certos cronistas portugueses, como, pois, recebiam e agasalhavam com alegria os primeiros desbravadores?

 

Não obstante a sua índole sanguinária, havia neles o respeito e o carinho com que acolhiam os padres missionários, que os procuravam. E’ inegável que alguns missionários no Brasil foram trucidados por mãos de indígenas, mas o foram em represália às barbaridades dos invasores.

 

A catequese era um meio lento, penoso e cheio de desenganos; mas a paciência e o sentimento de caridade dos catequistas tornaram-na segura e eficaz, transformando os índios em indivíduos dóceis, no gozo de seus direitos, sob a proteção que lhes conferiam as nossas leis liberais.

 

Há no arquivo da Catedral de Valença, o primeiro livro de registro de batizados, datado de 1809, no qual se constata que, nesse mesmo ano, foram batizadas 59 pessoas, dentre as quais 42 índios, servindo de padrinhos, a muitos deles, o finado capitão Inácio de Souza Werneck e Ana Joaquina, irmã do padre Gomes Leal. Curioso é que, nele, também se encontra o assentamento de batismo do cacique Tanguará, chefe dos índios Coroados, o qual recebera, na pia batismal, o nome de — Hipólito. (17)

(17) — História de Valença — pág. 9.

                                 

                                                         À luz dos Santos Evangelhos,

                                        os “Coroados’ recebiam as bênçãos da catequese.

                                                                                                       (Des. de Joaquim Alves)

 

Estava, pois, inaugurada a civilização dos selvagens de Valença. Ribeyroles nos dá a seguinte explicação sobre os índios civilizados:

“No Brasil, apelidam-se índios civilizados os que andam nus e freqüentam a igreja. Os bugres da Aldeia de Valença andavam, ultimamente, quase vestidos e tinham, sob um teto de colmo, um oratório, em forma de armário, em que oficiava o vigário do lugar — padre Gomes Leal. Já se vê, portanto, que eram civilizados.”

 

Os primeiros povoadores da Aldeia eram todos agricultores, na sua maior parte antigos moradores das freguesias do Pati do Alferes e de Sacra Família do Tinguá, os quais vinham montar seus estabelecimentos nas primeiras sesmarias distribuídas no sertão de Valença. As terras dos arredores começaram a povoar-se com a entrada de inúmeros portugueses para o seio dos índios, que se sentiram logo prejudicados nos seus interesses, perturbando-lhes a paz que lhes proporcionava o trabalho tranqüilo e profícuo. Perseguidos e maltratados, seria loucura obrigá-los ao trabalho. Os índios se opunham a isto e mostravam-se revoltados com a invasão e a posse indébita de suas terras. Algum dia havia de acontecer um desastre: mataram-lhes o cacique! Os selvagens reagiram com a vingança e os brancos iniciaram, então, a caça ao índio. Formavam cercos e matavam friamente todos os indígenas que encontravam. Às vezes grupos inteiros eram trucidados. E mais profundo se tornava o ódio do índio contra o branco, à medida que se lhe aumentava a perseguição.

 

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