Queria saber de onde vêm algumas idéias.

            Senti vontade de comer um doce, hoje. Sonho de Valsa. Vasculhei armários, gavetas e todos os lugares onde houvesse a possibilidade de encontrar algum guardado ou esquecido. Procurei por tudo. Nem notícia do dito cujo em casa.

            Procurei disfarçar o pensamento e a gula com outros afazeres. Fracasso. Tentei uma barganha alimentar e outras artimanhas para me livrar da vontade compulsiva. Nada. Comecei a ficar irritada. Em plena síndrome de abstinência, indignada com o bombom que não havia, surgiu no pensamento a palavra "ameaça".

            Ameaça.

            Elaborei, mentalmente e com detalhes, a minha. Imaginei uma cena cuja vítima era
o bombom em falta. Visualizei meu objeto de desejo em sua embalagem colorida, sentindo-se o maior, o único, o gostoso, o exclusivo. Bombonzinho presunçoso. Saí apontando mentalmente o dedo em direção a ele, dedicando-lhe olhares intimidantes e balancei a cabeça como quem diz: me aguarde!

            Ameaça. O Código Penal Brasileiro define o crime em questão como a "conduta de  ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave". E prevê pena de detenção ou multa.

            Com certeza, não corro o risco. Porque não gesticulei nem disse. Só pensei. E comer um bombom não pode ser considerado um “mal injusto e grave”. Esta é a sua razão de ser e estar. Então, devia estar.

            De qualquer forma, o tipo de ameaça que elaborei é bem menos penal. É mais sutil. É mais doce. É ameaça de perda de preferência. De perda de exclusividade. É aquela que acena a possibilidade de troca, de substituição.

            Claro que adoro Sonho de Valsa. Mas às vezes, como hoje, sua falta me induz a substituí-lo. Essa compensação pode me levar a descobrir qualidades e sabores no novo doce que eu desconhecia e passar a preferi-lo. A embalagem pode ser mais atraente. O sabor pode ser mais refinado. A doçura pode ser maior. Enfim, o novo doce pode ser bem mais correspondente às minhas “glicídicas” carências.

            Dessa forma, o bombom negligente e faltoso pode considerar-se ameaçado. E terá razão em tornar-se inseguro, porque corre o sério risco de ser rebaixado na minha lista de preferências. E ser colocado num insosso segundo plano. E quem sabe, com o passar do tempo, ser relegado, finalmente, a um amargo esquecimento.
           
            . . .

            Pensando, ri sozinha. Doidas idéias. Acho que sei de onde elas vêm. De uma mente hipoglicêmica. Por falta de sonho (de Valsa).
Crônica de uma ameaça declarada
Helena C. de Araujo

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