Se eu me demorar muito olhando "para você" (como a tela de Paul Klee) nunca mais poderei voltar atrás.

Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante.

Assusta a visão talvez irremediável e que talvez seja a da liberdade.

O hábito de olhar através das grades da prisão, o conforto de segurar com as duas mãos as barras, enquanto olho.

A prisão é a segurança, as barras o apoio para as mãos.

Então reconheço que a liberdade é para bem poucos.

De novo coragem e covardia se jogaram: minha coragem, inteiramente possível, me amedronta, porque sei que minha coragem é possível.

A possibilidade, que é verdadeiramente realizada, não é para ser entendida.

E à medida que a pessoa quiser explicar, ela estará perdendo a coragem, ela já estará pedindo.

"Você" não pede.

Pelo menos calculo o que seria liberdade.

E é isso que o torna intolerável a segurança das grades; 

o conforto dessa prisão me bate na cara.

Tudo o que eu tenho agüentado,

só para não ser livre...

Clarice Lispector 



 
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