E eis que de repente nós paramos e mudos, graves, espantados nos olhamos nos olhos: é que nós sabíamos que um dia iríamos nos amar.

Acompanhei-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a mesa e o joelho, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Ele não foi mais forte que eu. 

Fiquei espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. 

Havia-nos um  espanto, e uma saudade. Saudade de que? Ah... Saudade de uma outra vida, de tantos anos sem se encontrar... uma saudade secular.

Nossos olhos se fitavam profundos, entregues, ausentes do mundo.

Depois deste dia nunca mais paramos de nos olhar.

Nunca nos cansamos de nos olhar.

Nunca desistiríamos de nos olhar.

Mas ambos somos comprometidos.

Eu com minha infância impossível, ele com sua natureza aprisionada.

E como se não bastasse nos perdíamos em nossos olhares... 

Tanto que nos entregamos um dia e fomos proibidos.

E tivemos que continuar a nos amar nos olhando quase escondidos.

 Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Saudade contra saudade.

Saudade de que? Do que não vivemos ainda. 

A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente dos nossos olhos.

Não era um quente de pele, mas de olhos... sabe lá o que é isso?

É um tudo. Um tudo.

Quanto tempo?... O tempo nunca se esgotará.

 Sabe-se apenas que nos comunicamos avidamente, pois não temos o nosso tempo. 

Sabe-se também que nos falarmos nós nos pedimos.

 Pedimo-nos, com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tantas vagas impossibilidades e de tanto sol, tanta lua, ali estava a solução para nós... a insustentável leveza de nossos olhares.

A loucura era vizinha da mais cruel sensatez. As vezes, como todo vizinhos, elas não se falavam. A loucura ...  ela me alucina calmamente. E ela desencadeava uma criatividade que em si mesma era uma forma de dizer perdão.

Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal.

 Tenho que falar pois falar salva.  Mas não tenho uma só palavra a dizer.

 As palavras já ditas me amordaçaram a boca.

Um dia não  suportaremos mais essa felicidade clandestina.

 E no meio de tantas ruas nossos olhares deixarão se casar.

 

(Frases diversas de Clarice Lispector)

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