VICTOR HUGO (VICTOR MARIE HUGO) : 1802-1885

RESUMO BIBLIOGRÁFICO:

"Logo mais, na restauração,
Uma bandeira tremulará em toda parte, ao lado de todas: A da Paz;
Um idioma se falará junto aos demais: O da Fraternidade;
Um ideal se fará presente no meio dos outros: O do progresso;
Uma Religião única estabelecerá a ponte de união
entre o Homem e Deus: A do Amor Universal...." (Vitor Hugo)

Victor Hugo (1802-1885), poeta, novelista e dramaturgo francês cujas volumosas obras constituíram para um grande impulso, possivelmente o maior dado por uma obra singular, ao romantismo da França.

Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802, no Besançon, e foi educado com muitos tutores particulares e também em escolas privadas de Paris. Era um menino precoce, que com idade muita curta decidiu converter-se escritor. Em 1817, a Academia Francesa lhe premiou um poema, e, cinco anos mais tarde publicou seu primeiro volume de poemas, "Odes e poesias diversas", que fez muito sucesso. No prefácio de seu extenso drama histórico, Cromwell (1827), Hugo expõe uma chamada à liberação das restrições que impunham as tradições do classicismo. Esta chamada se converteu muito em breve no manifesto do romantismo. A censura recaiu sobre a segunda peça teatral de Hugo, Marion do Lorme (1829), apoiada na vida de uma cortesã francesa do século XVII. Isso aconteceu porque a obra era muito liberal. Hugo se ressarciu da censura em 25 de fevereiro de 1830, quando sua peça teatral em verso, Hernani, teve uma tumultuosa estréia que assegurou o êxito do romantismo. Hernani foi adaptada pelo compositor italiano Giuseppe Verdi, e deu como resultado sua ópera, Ernani (1844). O período 1829-1843 foi o mais produtivo da carreira de Victor Hugo. Sua grande novela histórica, Nossa Senhora de Paris (1831), um conto que se desenvolve em Paris, no século XV, fez-lhe famoso e lhe conduziu à nomeação de membro da Academia Francesa, em 1841. Em outra novela desta etapa, Claude Gueux (1834), condenou eloqüentemente os sistemas penal e social da França de seu tempo. Escreveu vários volumes de poesia líricas, que foi muito bem recebida. Entre elas se destacava: Orientais (1829), Folhas de outono (1831), Os cantos do crepúsculo (1835) e Vozes interiores (1837). Peças teatrais de grande êxito : O rei se diverte (1832), adaptado pelo Verdi em sua ópera Rigoletto (1851), o drama em prosa, Lucrecia Borgia (1833) e o melodrama Ruy Blas (1838). Em troca, sua obra, Os Burgraves (1843) foi um enorme fracasso.

Com o desgosto de Hugo pelo fracasso desta obra, nesse mesmo ano acontece a morte de sua irmã maior e do marido dela, ambos afogados. Afastou-se da poesia e se dedicou de um modo mais ativo à política. Ele, em sua juventude, tinha sido monárquico. Em 1845 foi renomado par da França pelo rei Luis Felipe, mas quando se produziu a revolução de 1848, Hugo já era republicano. Em 1851, depois do fracasso da revolta contra o presidente Luis Napoleão, mais tarde imperador com o nome do Napoleão III, Hugo teve que emigrar para a Bélgica. Em 1855 deu começo ao seu comprido exílio de quinze anos na ilha de Guernsey.

Durante estes anos, Hugo escreveu a feroz sátira, Napoleão o pequeno (1852), os poemas satíricos, Os castigos (1853), o livro de poemas líricos, As contemplações (1856) e o primeiro volume de seu poema épico, A lenda dos séculos (1859-1883). Em Guernsey completou sua mais extensa e famosa obra, Os miseráveis (1862), uma novela que descreve vividamente, ao tempo de condenação, a injustiça social da França do século XIX.

Hugo retornou a França depois da queda do Segundo Império, em 1870, e reatou sua carreira política. Foi eleito primeiro para a Assembléia Nacional, e mais tarde para o Senado. Entre as obras mais destacáveis de seus últimos quinze anos, se contam, O noventa e três (1874), uma novela sobre a Revolução Francesa; e A arte de ser avô (1877), conjunto de poemas líricos a respeito de sua vida familiar.

As obras do Víctor Hugo marcaram um decisivo marco no gosto poético e retórico das jovens gerações de escritores franceses, e ainda é considerado como um dos poetas mais importantes deste país. Depois de sua morte, na época de 22 de maio de 1885, em Paris, seu corpo permaneceu exposto sob o Arco do Triunfo, e foi deslocado, segundo seu desejo, em um mísero carro fúnebre, até o Panteão, onde foi enterrado junto a alguns dos mais célebres cidadãos franceses.


Reflexões de Victor Hugo

" Seja como os pássaros que,
ao pousarem, um instante,
sobre os ramos muito leves,
sentem-nos ceder, mas cantam!
Eles sabem que possuem asas ".

"O artista, retirando do universo as formas e as cores, com sua sensibilidade em sua arte, procura traduzir-nos as realidades invisíveis essenciais que estão presentes e que nossos olhos acostumados com as aparências, muitas vezes, não conseguem captar e admirar."

"Colocar formas e cores naquilo que sente, é sublime revelação de sua capacidade de enxergar o invisível aos olhos, portanto, o essencial. Um grande artista é um grande homem ... uma grande criança..."

"O Romantismo é o liberalismo em literatura";
"A liberdade literária é filha da liberdade política";
eis-nos libertos da velha forma social;
e como não nos libertaríamos da velha forma poética?
A um povo novo, uma nova arte".


POEMAS DE VICTOR HUGO

OS CANTOS DO CREPÚSCULO

Desde que eu meu lábio levei ao copo plenamente cheio ,
Desde que eu minhas mãos coloquei em minha fronte pálida,
Desde que eu respirei às vezes o sopro suave
De tua alma , perfume de tua sombra enterrada,
Desde que me era dado ouvir um ao outro me chamar
As palavras que se derramam no coração misterioso,
Desde que eu vi chorar , desde que eu vi sorrir
Sua boca em minha boca e seus olhos em meus olhos;
Desde que eu vi brilhar em minha cabeça encantada
Um raio de tua estrela, ai! sempre escondida ,
Desde que eu vi desabar nas ondas de minha vida
Uma folha de rosa arrancou os teus dias,
Eu me coloco agora a contar os rápidos anos :
- Passam! Passam sempre! Eu não tenho mais a idade !
Vou partir para que tuas flores desbotem todas;
Eu tenho na alma uma flor que ninguém pode colher!
Suas asas batendo não farão que nada se derrame
Do vaso d’água que bebo e que eu bem enchi
Minha alma não tem mais fogo do que vós possuis em cinzas!
Meu coração não tem mais amor do que vós possuis esquecimento!

APARIÇÃO

Eu vi um anjo branco que passou sob minha cabeça;
Seu vôo brilhante aliviou a tempestade,
E não disse nada sobre o mar cheio de ruídos longínquos.
- Que você vem fazer, anjo, nesta noite?
Diga me. - Ele respondeu: - Eu venho levar sua alma
- E eu tive medo, porque eu vivo para uma mulher;
E eu contei isto, tremi e lhe ofereci meus braços:
- Isso ficara para mim ? porque você partirá .
- Ele não respondeu; o céu que as trevas sitia
Morrerei ... - Se você levar minha alma, eu exclamei,
Aonde você a levará ? Mostre-me em que lugar
- Ele estava sempre quieto. - Oh passageiro do céu azul,
Você é a morte? Diga me isto , ou você é vida?
- E a noite aumentou em minha alma encantada,
E o anjo ficou negro , e disse : - Eu sou o amor.
Mas sua fronte escura era mais encantadora que o dia,
E eu vi, aonde a sombra brilhava seu discípulo,
Estrelas como penas de suas asas.

A FONTE

Da espalda de um rochedo, gota a gota
límpida fonte sobre o mar caia,
Mas, ao vê-la tombar em seu regaço:
" O que queres de mim?" O mar dizia.
"Eu sou da tempestade o antro escuro;
"Onde termina o céu aí começo;
"Eu que nos braços toda a terra espreito,
"De ti, tão pobre e vil, de ti careço?...
No tom saudoso do quebrar das águas
Ao mar, serena, a fonte assim murmura:
"A ti, que és grande e forte, a pobre fonte
Vem dar-te o que não tens, dar-te a doçura!"

AS CONTEMPLAÇÕES VEM !
- Uma flauta invisível

Vem ! - Uma flauta invisível
Suspire perto dos vergéis
- A canção mais tranqüila
É a canção de pastores.
O vento sopra, debaixo dos galhos ,
O espelho escuro das águas.
- A canção mais feliz
É a canção de pássaros.
Aquele cuidar atento não te atormenta.
Nos amamos ! amamos sempre!
- A canção mais encantadora
É a canção de amores.

DESEJO
“ OS VOTOS - Sergio Jockymann”

Desejo primeiro, que você ame,e que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde magoa.
Desejo pois, que não seja assim, mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos, que mesmo maus e inconseqüentes,
sejam corajosos e fiéis, e que em pelo menos num deles você possa confiar sem duvidar,
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos;
Nem muitos, nem poucos, mas na medida exata para que, algumas vezes,
você se interpele a respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil, mas não insubstituível.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada,
essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante;
não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
mas com os que erram muito e irremediavelmente,
e que fazendo bom uso dessa tolerância, você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais,
e que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
e que sendo velho não se dedique ao desespero.

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
é preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste;
não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra que o riso diário é bom;
o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra, com o máximo de urgência,
acima e a despeito de tudo, que existem oprimidos,
injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
alimente um cuco e ouça o João-de-barro
erguer triunfante o seu canto matinal;
porque assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
por mais minúscula que seja, e acompanhe o seu crescimento,
para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo outrossim, que você tenha dinheiro,porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano coloque um pouco dele
na sua frente e diga "Isso é meu",
só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum dos seus afetos morra, por ele e por você,
mas que se morrer, você possa chorar sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo um homem, tenha uma boa mulher,
e que sendo uma mulher, tenha um bom homem
e que se amem hoje, amanhã e no dia seguinte,
e quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer, não tenho nada mais a te desejar.

ERRATA: esta poesia, de autoria de Sergio Jockymann, publicada em 1980 no Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre-RS, circula na internet como sendo de autoria de Victor Hugo, e assim foi publicada originalmente em nosso portal, com o título 'Desejos'. Contactados pelo verdadeiro autor, com muito prazer desfazemos o equívoco, estabelecendo os créditos a quem de direito.

( Sergio Jockymann - 'Biografia' - 1978/*** )

O HOMEM E A MULHER

O homem é a mais elevada das criaturas;
A mulher é o mais sublime dos ideais.
O homem é o cérebro;
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz;
O coração, o AMOR.
A luz fecunda, o amor ressuscita.
O homem é forte pela razão;
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence, as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece, o martírio sublima.
O homem é um código;
A mulher é um evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é um templo; a mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
Ante o sacrário nos ajoelhamos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter , no crânio, uma larva;
Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher é um lago.
O oceano tem a pérola que adorna;
O lago, a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa;
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
Cantar é conquistar a alma.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;
A mulher, onde começa o céu.

A LENDA DOS SÉCULOS
-
Booz Endormi

... Um fresco perfume saiu dos tufos do asphodele
Os suspiros das flutuações noturnas em Galgala.
... Uma imensa bondade tombou do firmamento,
Era a hora tranqüila onde leões vão beber.
Tudo descansou em Ur e em Jérimadeth,
As estrelas esmaltaram o céu profundo e sombrio ;
O crescente fina e clara surgiu entre as flores da sombra
Brilhando a oeste, e Ruth desejou saber,
Imóvel, abrindo o céu debaixo de seus véus
Que deus, que ceifara do verão eterno,
Tendo, de si mesmo surgido , negligentemente lançando,
Esta foice dourada no campo das estrelas.

O ANO TERRÍVEL
Em uma barricada

... Alguém gravaria seu nome em discos de bronze;
E tu serias esses que, debaixo do céu sereno,
Passam perto do poço escurecido pelo salgueiro,
Faça o que a menina que carrega no ombro
A urna onde beberá os búfalos cansados ,
Pensativo, se vire e observe por muito tempo.

A CONSCIÊNCIA

Caim, fugindo a Deus, carregando seus filhos
lívido, desgrenhado, após mil empecilhos,
certa noite alcançou a paragem estranha
de uma enorme planície, ao pé de uma montanha
A mulher fatigada e seus filhos exaustos.
"É melhor que se durma aqui"- disse ele, então.
E, apenas, não dormiu o assassino do irmão
que, sob o jugo atroz de temores cruciantes,
viu surgirem no céu dois olhos vigilantes,
que o fitavam por entre a escuridão noturna
"É demasiado perto." acordou com a soturna
voz, filhos e mulher, já mortos de cansaço,
e a fuga continuou, sinistro, pelo espaço.

Trinta vezes andou a vagar, noite e dia,
pálido, a estremecer quando um ruído ouvia,
sem sono, sem descanso, umedecido e triste,
até que viu, por fim, uma praia que existe
em longínquo país. "É seguro este abrigo
Fiquemos" disse "Aqui não pode haver perigo,
pois os confins do mundo alcançamos agora!"
E, ofegante, parou. Porém, na mesma hora,
idêntica visão no céu viu desenhada...
Um tremor sacudiu-lhe a carne amaldiçoada!
"Escondam-me!" gritou, e ao formidável brado,
o bando circunda o avô alucinado.
Esse disse a Jabel, cuja estirpe ainda agora
nomademente vai pelo deserto em fora:
"Estende deste lado o pano de uma tenda!"
E, enquanto procurava encontrar qualquer fenda
na muralha da lona, a meiga Tsila, linda
como a aurora, inquiriu-lhe: "Ó meu avô, ainda
vês qualquer coisa agora." E apontando coa a mão
respondeu-lhe Caim "Sim! Os olhos lá estão !"
Foi aí que Jubal, pai dos soldados, vendo
a angústia do infeliz, acalmou-o dizendo:
"É melhor se fazer uma muralha." E, assim,
um brônzeo muro ergueu-se em torno de Caim
"Inda os vejo! Inda os vejo! este, porém, lhes disse...
Depois falou Enoc: - "E se alguém erigisse
um abrigo perfeito e dispusesse em volta
compacta multidão de torres como escolta.
Façamos uma forte e grande cidadela
e encerremos Caim conosco dentro dela!"
Então Tubalcaim, o ancestral dos ferreiros
empregou nessa empresa os seus dias inteiros,
ao passo que os irmãos, pela planície em frente,
vigiavam. E, ao encontram alguém, barbaramente
atacavam, com raiva os olhos lhe vazando;
levavam toda a noite o céu trevoso olhando,
e, assim que viam nele uma estrela brilhar
lançavam-lhe uma seta, ansiosos de a cegar!
E a lona deu lugar a moles de granito
presas com nós de ferro. O recinto maldito
ficou sendo um primor de cidade infernal,
desenrolando a sombra, além de um modo tal
que um derredor reinava uma noite infinita;
da rígida muralha a grossura inaudita
somente uma montanha a podia igualar;
na porta alguém gravou: "Vedado a Deus entrar".
A torre mais central, a mais fortificada,
foi que elegeu Caim para sua morada.
"Ó meu pai! disse Tsila Agora certamente,
te sentirás seguro! E Caim, já descrente
e a tremer de pavor, respondeu: - Maldição!
Ainda me persegue a maldita visão! ...
Só me resta tentar o negro insulamento
de um tétrico sepulcro! O meu padecimento
há de acabar então! Nessa nova morada
ninguém mais me verá e não verei mais nada!"
E ei-lo, então, encerrado em um fosso, por fim.
... Mas os olhos lá estão a interrogar Caim!...

ÊXTASE

Eu estava só perto do rio, numa noite estrelada .
Não havia nuvens nos céus, em oceanos sem véus.
Meus olhos mergulharam mais longe que o mundo real.
E bosques, e montes, e toda a natureza,
Parecia interrogar-se num sussurro confuso
Rio de oceanos, os fogos do céu.
E estrelas d'ouro, legiões infinitas,
Em voz alta, em voz baixa, com mil harmonias,
Dizendo, enquanto inclinavam suas coroas de fogo;
E os rios azuis que nada governa e nunca param,
Dizendo , enquanto a cristas de suas espumas dobravam :
- É o Senhor, o Senhor Deus!

O SEPULCRO DA ROSA

O sepulcro diz à rosa
Que fazes tu flor mimosa
Do orvalho da alva manhã?
Diz a rosa à sepultura:
Que fazes feia negrura
de tanta forma louça?
Negra tumba, segue a rosa
Eu, dessa água preciosa
Faço aroma que é só meu.
Diz-lhe a tumba com afago
De cada corpo que trago
Ressurge um anjo no céu.

PALAVRAS SOBRE A DUNA

Agora que meu tempo encurta como um facho,
Que meus labores terminei,
Agora, quase assim do sepulcro debaixo,
Pelo que vivi e o que chorei.
Quando, ao fundo do céu pelo meu vôo sonhado
Vejo fugir na escuridão
Tal como um vendaval arrastando o passado,
As horas boas de então
Agora, que já digo, - um dia o sol inunda,
Mas amanhã chega a descrença!
Sinto-me triste e vou junto a água profunda,
Curvado como alguém que pensa.
Olho, para além do monte e do vale, na extensão,
E dos mares que atiram espumas
Erguer vôo e fugir do abutre aquilão
Toda a cabeleira das nuvens;
Ouço, o vento no ar, o mar sobre o recife,
Homens, na seara madura,
E escuto, ao confrontar na mente pensativa,
O que fala e o que murmura,
E às vezes, sobre a duna, eu fico meditando
Por entre a erva rala e nua,
Até a hora em que vejo aparecerem sonhando
Os olhos sinistros da lua
Ela ascende e projeta um longo raio dormente
Do abismo, no insondável poço;
E olharmo-nos então, nós os dois, fixamente,
Ela que brilha e eu que sofro.
Onde iriam assim meus dias dissipados?
Sabe alguém quem eu sou?
Tenho ainda o clarão, nos olhos deslumbrados,
Da juventude que passou?
Então tudo se foi? Estou cansado e sozinho,
Clamo, sem que ninguém responda;
Vento e vagas! Dizei serei brisa, ai de mim!
Serei um espectro e és uma tumba?
Tudo esgotei, amor, vida, alegria, esperança?
Espero, desejo, suplico,
Minhas urnas inclino, a ver se alguma lança
Um derradeiro salpico.
Como a saudade é pois vizinha do remorso!
Como o chorar tudo nos clama!
E como tu és fria, em te tocando, ó morte,
Negro ferrolho da porta humana!
E medito, ao sentir o amargo vento uivar,
E a onda enorme que se arqueia,
O verão sorri, e pode ver-se a beira mar
Florir o cardo azul da areia.

OS RAIOS E AS SOMBRAS - TRISTEZA D’OLIMPO

... "Tão pouco tempo é suficiente para mudar todas as coisas!
Natureza com a fronte serena , como você esquece!
E como vós se feres em suas metamorfoses
Os filhos misteriosos de onde nossos corações são limitados !
... "O limite do caminho, que vive uma jornada sem fim,
Onde antes de me entender ele gostaria de se sentar,
Cansou de golpear , quando a estrada é escura,
As grandes carruagens gémissants que volta da noite.
... "Outros irão passar agora aonde nós passamos.
Nós viemos de lá, outros virão de vir,
e o sonho que esboçará em nossas duas almas
Eles continuarão sem nunca ter fim !
... " Responda , puro vale pequeno, responda, solidão,
Oh Natureza protegida neste deserto tão belo ,
Quando nós dormiremos ambos de qualquer jeito,
Distribuir as mortes pensativas em forma da tumba ;
... "É o que vós seria capaz, sem tristeza e sem pranto ,
Ver nosso sombras flutuantes não trabalharem por nós ,
E ver o ensinamento , num abraço sombrio,
Versos de qualquer origem em lágrimas que soluçam profundamente ?
... " Eh bem! Nos esqueça, casa, jardim , sombra;
Erva, use nossa soleira ! Arbusto , não nos esconda !
Cantem , pássaros! Rios, corram ! Cresçam , folhagens!
Esses que vós esqueceis não os esquecerão.
" Porque vós sois para nós a sombra do mesmo amor,
Vós sóis o oásis daquele que se encontra na senda !
Vós sóis , oh pequeno vale, o descanso supremo ,
Onde nós choramos segurando-nos pelas mãos!
" Todas as paixões mudam com o tempo ,
Umas levam a nos mascarar e o outras nos esfaqueiam,
Como uma multidão cantando na viagem
De quem o grupo diminui atrás da pequena colina.
"... E lá, por esta noite em que nenhuma raio de estrela ,
A alma, em uma dobra escura onde tudo parecem terminar,
Sente qualquer coisa a palpitar debaixo de um véu...
És tu que dorme na sombra, oh sacra lembrança!"

PERSEVERANDO - traduzido por Castro Alves

A águia é o gênio... Da tormenta o pássaro,
Que do monte arremete altivo píncaro,
Qu'ergue um grito aos fulgores do arrebol,
Cuja garra jamais se pela em lodo,
E cujo olhar de fogo troca raios
Contra os raios do sol.
Não tem ninho de palhas... tem um antro
Rocha talhada ao martelar do raio,
Brecha em serra, ant'a qual o olhar tremeu. . .
No flanco da montanha asilo trêmulo,
Que sacode o tufão entre os abismos

O precipício e o céu.
Nem pobre verme, nem dourada abelha
Nem azul borboleta... sua prole
Faminta, boquiaberta espera ter...
Não! São aves da noite, são serpentes,
São lagartos imundos, que ela arroja
Aos filhos p'ra viver.
Ninho de rei!... palácio tenebroso,
Que a avalanche a saltar cerca tombando!...
O gênio aí enseiba a geração...
E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes

Sob as asas de fogo aquenta as almas
Que um dia voarão.
Por que espantas-te, amigo, se tua fronte
Já de raios pejada, choca a nuvem?...
Se o réptil em seu ninho se debate?...
É teu folgar primeiro... é tua festa!...
Águias! P'ra vós cad'hora é uma tormenta,
Cada festa um combate!...
Radia!... É tempo!... E se a lufada erguer-se
Muda a noite feral em prisma fúlgido!
De teu alto pensar completa a lei!...

Irmão! Prende esta mão de irmão na minha!. . .
Toma a lira Poeta! Águia! esvoaça!
Sobe, sobe, astro rei! . .
De tua aurora a bruma vai fundir-se
Águia! faz-te mirar do sol, do raio;
Arranca um nome no febril cantar.
Vem! A glória, que é o alvo de vis setas,

É bandeira arrogante, que o combate
Embeleza ao rasgar.
O meteoro real de coma fúlgida
Rola e se engrossa ao devorar dos mundos...
Gigante! Cresces todo o dia assim!. :.
Tal teu gênio, arrastando em novos trilhos
No curso audaz constelações de idéias,
Marcha e recresce no marchar sem fim!...

MÃE E FILHO

Mãe ! A teu filho muitas vezes dissestes
Que o céu tem anjos e o há
Só alegrias no viver celeste
E que é melhor viver por lá;
Que é um zimbório de pilastras belas,
Tenda de ricas cores;
Jardim de anil e lúcido de estrelas
Que se abrem como flores;
Que é o mundo dos seres invisíveis
Do qual Deus é o autor,
De místico azul, de inexauríveis
Gozos, do eterno amor;
Que é doce lá, num êxtase que encanta,
Sentir que a alma se abrasa,
E viver com Jesus e a Virgem Santa
Numa tão linda casa...
Mas nunca lhe disseste, inconsolável
Mãe, chorosa mulher,
Que ele, o pequeno, te era indispensável,
Que ele te era necessário;
Que pelos filhos, quando são pequenos,
Muito as mães se consomem,
Mas que a mãe com seu filho conta ao menos
Quando for velha, e ele homem.
Nunca disseste que no escuro trilho
Da vida, Deus, que é pai
Quer que o filho a mãe guie, e a mãe ao filho,
Pois um sem o outro cai...
Nunca disseste! e agora, morto, apertar
Nos braços teu filhinho!
Deixaste as portas da gaiola aberta,
Voou o passarinho ...

DEUS

Redenção! Mistério! Ó Grande Cristo estrelado!
... Oh perdão! Oh piedade do azul da noite!
... Clemência! palavra formada de todas as estrelas!
Deus! Céu de todos os olhos! porto de todas as velas!

 

"Toda a minha alma lhe pertence. 
Se minha inteira existência não fosse sua,
a harmonia do meu ser ter-se-ia perdido 
e eu teria morrido."


(VICTOR HUGO)

 

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