"Que eu seja como algo
que tece o pano na floresta, profundamente escondido.
Que eu possa fazer o meu trabalho sem interrupção. Que eu seja uma exilada, se é este o sacrifício. Que eu conheça a procissão sazonada do meu espírito e do meu corpo,
e possa celebrar os quartos
em cruz, soltícios e equinócios.
Que cada Lua Cheia me encontre a olhar para cima,
nas árvores desenhadas no céu
luminoso.
Que eu possa acariciar flores selvagens, cobri-las com as mãos. Que eu possa libertá-las, sem apanhar nenhuma, para viver em abundância. Que meus amigos sejam da espécie que ama o silêncio. Que sejamos inocentes e despretensiosos. Que eu seja capaz de gratidão.
Que eu saiba ter recebido a
alegria, como o leite materno.
Que eu saiba isso como o meu cão, nos ossos e no sangue. Que eu fale a verdade sobre a alegria e a dor,
em canções que soem como
aroma do alecrim,
como todo dia e na
antiguidade, erva forte de cozinha.
Que eu não me incline à auto-integridade e à autopiedade. Que eu possa me aproximar dos altos trabalhos da terra e dos círculos de pedra,
como raposa ou
mariposa, e não perturbar o lugar mais que isso.
Que meu olhar seja direto e minha mão firme. Que minha porta se abra àqueles que habitam fora da riqueza,
da fama e do privilégio.
Que os que jamais andaram descalços não encontrem
o caminho que chega à minha
porta.
Que se percam na jornada labiríntica. Que eles voltem. Que eu me sente ao lado do fogo no inverno e veja as achas brilhando para o que vier,
e nunca tenha necessidade de
advertir ou aconselhar, sem que me peçam.
Que eu possa ter um simples banco de madeira, com verdadeiro regozijo. Que o lugar onde habito seja como uma floresta. Que haja caminhos e veredas para as cavernas e poços e árvores e flores,
animais e pássaros,
todos conhecidos e por mim reverenciados com amor.
Que minha existência mude o mundo não mais nem menos do que o soprar do vento,
ou o orgulhoso crescer
das árvores.
Por isso, eu jogo fora minha roupa. Que eu possa conservar a fé, sempre. Que jamais encontre desculpas para o oportunismo. Que eu saiba que não tenho opção,
e assim mesmo escolha como a
cantiga é feita, em alegria e com amor.
Que eu faça a mesma escolha todos os dias, e de novo. Quando falhar, que eu me conceda o perdão. Que eu dance nua, sem medo de enfrentar meu próprio reflexo.
(Poesia
extraída do livro: "A Bruxa Solitária"; de Rae Beth)
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