Destaque:

 

Castro Alves: Vida e Obra

 

Textos

 

Perseverando

O Coração

Murmúrios da Tarde

Pelas Sombras

Ode ao Dous de Julho

A Duas Flores

Oitavas a Napoleão

Boa-Noite

Adormecida

Jesuítas

Poesia e Mendicidade

A Uma Estrangeira

A Boa Vista

Onde Estás

No Álbum do Artista

Hino ao Sono

Versos a Um Viajante

A bainha do punhal

A canção do africano

Canção do Boêmio

A criança
A  cruz da estrada

A mãe do cativo

A órfã na sepultura

Adeus, meu canto

Antítese

ESPUMAS FLUTUANTES

O Livro e a América

Hebréia

Quem dá aos pobres, empresta a Deus.

O Laço de Fita

Ahasverus e o Gênio

Mocidade e Morte

Ao Dous de Julho

Os Três Amores

O Fantasma e a Canção

O Gondoleiro do Amor

Sub Tegmine Fagi

As Três Irmãs do Poeta

O Vôo do Gênio

As Trevas

Aves da Arribação

Os Perfumes

Immensis Orbitus Anguis

A Uma Atriz

Canção do Boêmio

É Tarde

A Meu Irmão Guilherme de Castro Alves

Quando Eu Morrer

Uma Página de Escola Realista

Coup D'Étrier

O Hóspede

 

 

 


 

Castro Alves

 

 

América


Acorda a pátria e vê que é pesadelo
O sonho da ignomínia que ela sonha!
Tomás Ribeiro
À Tépida sombra das matas gigantes,
Da América ardente nos pampas do Sul,
Ao canto dos ventos nas palmas brilhantes,
À luz transparente de um céu todo azul,
A filha das matas — cabocla morena —
Se inclina indolente sonhando talvez!
A fronte nos Andes reclina serena.
E o Atlântico humilde se estende a seus pés.
As brisas dos cerros ainda lhe ondulam
Nas plumas vermelhas do arco de avós,
Lembrando o passado seus seios pululam,
Se a onça ligeira boliu nos cipós.
São vagas lembranças de um tempo que teve!...
Palpita-lhe o seio por sob uma cruz.
E em cisma doirada — qual garça de neve —
Sua alma revolve-se em ondas de luz.
Embalam-lhe os sonhos, na tarde saudosa,
Os cheiros agrestes do vasto sertão,
E a triste araponga que geme chorosa
E a voz dos tropeiros em terna canção.
Se o gênio da noite no espaço flutua
Que negros mistérios a selva contém!
Se a ilha de prata, se a pálida lua
Clareia o levante, que amores não tem!
Parece que os astros são anjos pendidos
Das frouxas neblinas da abóbada azul,
Que miram, que adoram ardentes, perdidos,
A filha morena dos pampas do Sul.
Se aponta a alvorada por entre as cascatas,
Que estrelas no orvalho que a noite verteu!
As flores são aves que pousam nas matas,
As aves são flores que voam no céu!

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Ó pátria, desperta... Não curves a fronte
Que enxuga-te os prantos o Sol do Equador.
Não miras na fímbria do vasto horizonte
A luz da alvorada de um dia melhor?
Já falta bem pouco. Sacode a cadeia
Que chamam riquezas... que nódoas te são!
Não manches a folha de tua epopéia
No sangue do escravo, no imundo balcão.
Sê pobre, que importa? Sê livre... és gigante,
Bem como os condores dos píncaros teus!
Arranca este peso das costas do Atlante,
Levanta o madeiro dos ombros de Deus.

O "Adeus" de Teresa

 

A vez primeira que eu fitei Teresa,

Como as plantas que arrasta a correnteza,

A valsa nos levou nos giros seus...

E amamos juntos... E depois na sala

"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala...

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...

E da alcova saía um cavaleiro

Inda beijando uma mulher sem véus...

Era eu... Era a pálida Teresa!

"Adeus" lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos... sec'los de delírio

Prazeres divinais... gozos do Empíreo...

. . . Mas um dia volvi aos lares meus.

Partindo eu disse - "Voltarei!... descansa!...

Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei... era o palácio em festa!...

E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta

Preenchiam de amor o azul dos céus.

Entrei! . . . Ela me olhou branca . . . surpresa!

Foi a última vez que eu vi Teresa!...

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

 

 

 

A Volta da Primavera

 

Aime et tu renaítras fais-toi fleur pour éclore,

Après avoir soufferi, il faul souffrir encore;

Il faut aimer sans cesse après avoir aimé.

A. DE MUSSET

 

AI! Não maldigas minha fronte pálida,

E o peito gasto ao referver de amores.

Vegetam louros - na caveira esquálida

E a sepultura se reveste em flores.

Bem sei que um dia o vendaval da sorte

Do mar lançou-me na gelada areia.

Serei... que importa? o D. Juan da morte

Dá-me o teu seio-e tu serás Haidéia!

 

Pousa esta mão-nos meus cabelos úmidos!...

Ensina à brisa ondulações suaves!

Dá-me um abrigo dos teus seios túmidos!

Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!

Já viste às vezes, quando o sol de maio

Inunda o vale, o matagal e a veiga?

Murmura a relva: "Que suave raio!"

Responde o ramo: "Como a luz é meiga!"

E, ao doce influxo do clarão do dia,

O junco exausto, que cedera à enchente,

Levanta a fronte da lagoa fria...

Mergulha a fronte na lagoa ardente...

Se a natureza apaixonada acorda

Ao quente afago do celeste amante,

Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,

Não vês minh'alma reviver ovante?

É que teu riso me penetra n'alma

-Como a harmonia de uma orquestra santa

-É que teu riso tanta dor acalma...

Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!

Que eu digo ao ver tua celeste fronte:

"O céu consola toda dor que existe.

Deus fez a neve - para o negro monte!

Deus fez a virgem - para o bardo triste!"

 

 

 

A Maciel Pinheiro

 

L'ieu soit en aide au pieux pèlerin.

BOUCHARD

 

Partes amigo do teu antro de águias,

Onde gerava um pensamento enorme,

Tingindo as asas no levante rubro,

Quando nos vales inda a sombra dorme...

Na fronte vasta, como um céu de idéias,

Aonde os astros surgem mais e mais...

Quiseste a luz das boreais auroras...

Deus acompanhe o peregrino audaz.

Verás a terra da infeliz Moema,

Bem como a Vênus se elevar das vagas;

Das serenatas ao luar dormida,

Que o mar murmura nas douradas plagas.

Terra de glórias, de canções e brios,

Esparta, Atenas, que não tem rivais...

Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge. . .

Deus acompanhe o peregrino audaz.

E quando o barco atravessar os mares,

 

Quais pandas asas, desfraldando a vela,

Há de surgir-t'esse gigante imenso,

Que sobre os morros campeando vela...

Símb'lo de pedra, que o cinzel dos raios

Talhou nos montes, que se alteiam mais...

Atlas com a forma do gigante povo...

Deus acompanhe o peregrino audaz.

Vai nas planícies dos infindos pampas

Erguer a tenda do soldado vate...

Livre... bem livre a Marselhesa aos ecos

Soltar bramindo no feroz combate...

E após do fumo das batalhas tinto

Canta essa terra, canta os seus gerais,

Onde os gaíchos sobre as éguas voam...

Deus acompanhe o peregrino audaz.

E nesse lago de poesia virgem,

Quando bolares nas sutis espumas,

Sacode estrofes, qual do rio a garça

Pérolas solta das brilhantes plumas.

Pálido moço-como o bardo errante-

Teu barco voa na amplidão fugaz.

A nova Grécia quer um Byron novo...

Deus acompanhe o peregrino audaz.

E eu, cujo peito como u'a harpa homérica

Ruge estridente do que é grande ao sopro,

Saúdo o artista, que ao talhar a glória,

Pega da espada, sem deixar o escopro.

Da caravana guarda a areia a pégada:

No chão da história o passo teu

Lerás... Deus, que o Mazeppa nos estepes guia...

Deus acompanhe o peregrino audaz.

 

 

 

Dados obtidos em livros da autora, sites da Internet.

 

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