América
Acorda a pátria e vê que é pesadelo
O sonho da ignomínia que ela sonha!
Tomás Ribeiro
À Tépida sombra das matas gigantes,
Da América ardente nos pampas do Sul,
Ao canto dos ventos nas palmas brilhantes,
À luz transparente de um céu todo azul,
A filha das matas — cabocla morena —
Se inclina indolente sonhando talvez!
A fronte nos Andes reclina serena.
E o Atlântico humilde se estende a seus pés.
As brisas dos cerros ainda lhe ondulam
Nas plumas vermelhas do arco de avós,
Lembrando o passado seus seios pululam,
Se a onça ligeira boliu nos cipós.
São vagas lembranças de um tempo que teve!...
Palpita-lhe o seio por sob uma cruz.
E em cisma doirada — qual garça de neve —
Sua alma revolve-se em ondas de luz.
Embalam-lhe os sonhos, na tarde saudosa,
Os cheiros agrestes do vasto sertão,
E a triste araponga que geme chorosa
E a voz dos tropeiros em terna canção.
Se o gênio da noite no espaço flutua
Que negros mistérios a selva contém!
Se a ilha de prata, se a pálida lua
Clareia o levante, que amores não tem!
Parece que os astros são anjos pendidos
Das frouxas neblinas da abóbada azul,
Que miram, que adoram ardentes, perdidos,
A filha morena dos pampas do Sul.
Se aponta a alvorada por entre as cascatas,
Que estrelas no orvalho que a noite verteu!
As flores são aves que pousam nas matas,
As aves são flores que voam no céu!
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Ó pátria, desperta... Não curves a fronte
Que enxuga-te os prantos o Sol do Equador.
Não miras na fímbria do vasto horizonte
A luz da alvorada de um dia melhor?
Já falta bem pouco. Sacode a cadeia
Que chamam riquezas... que nódoas te são!
Não manches a folha de tua epopéia
No sangue do escravo, no imundo balcão.
Sê pobre, que importa? Sê livre... és gigante,
Bem como os condores dos píncaros teus!
Arranca este peso das costas do Atlante,
Levanta o madeiro dos ombros de Deus.
O "Adeus" de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta
a correnteza,
A valsa nos levou nos giros
seus...
E amamos juntos... E depois
na sala
"Adeus" eu disse-lhe
a tremer co'a fala...
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"
Passaram tempos... sec'los de delírio
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
. . . Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei!... descansa!...
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"
Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! . . . Ela me olhou branca . . . surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
A Volta da Primavera
Aime et tu renaítras fais-toi fleur pour éclore,
Après avoir soufferi, il faul souffrir encore;
Il faut aimer sans cesse après avoir aimé.
A. DE MUSSET
AI! Não maldigas minha fronte pálida,
E o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros - na caveira esquálida
E a sepultura se reveste em flores.
Bem sei que um dia o vendaval da sorte
Do mar lançou-me na gelada areia.
Serei... que importa? o D. Juan da morte
Dá-me o teu seio-e tu serás Haidéia!
Pousa esta mão-nos meus cabelos úmidos!...
Ensina à brisa ondulações suaves!
Dá-me um abrigo dos teus seios túmidos!
Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!
Já viste às vezes, quando o sol de maio
Inunda o vale, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: "Que suave raio!"
Responde o ramo: "Como a luz é meiga!"
E, ao doce influxo do clarão do dia,
O junco exausto, que cedera à enchente,
Levanta a fronte da lagoa fria...
Mergulha a fronte na lagoa ardente...
Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago do celeste amante,
Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,
Não vês minh'alma reviver ovante?
É que teu riso me penetra n'alma
-Como a harmonia de uma orquestra santa
-É que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!
Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
"O céu consola toda dor que existe.
Deus fez a neve - para o negro monte!
Deus fez a virgem - para o bardo triste!"
A Maciel Pinheiro
L'ieu soit en aide au pieux pèlerin.
BOUCHARD
Partes amigo do teu antro de águias,
Onde gerava um pensamento enorme,
Tingindo as asas no levante rubro,
Quando nos vales inda a sombra dorme...
Na fronte vasta, como um céu de idéias,
Aonde os astros surgem mais e mais...
Quiseste a luz das boreais auroras...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Verás a terra da infeliz Moema,
Bem como a Vênus se elevar das vagas;
Das serenatas ao luar dormida,
Que o mar murmura nas douradas plagas.
Terra de glórias, de canções e brios,
Esparta, Atenas, que não tem rivais...
Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge. . .
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E quando o barco atravessar os mares,
Quais pandas asas, desfraldando a vela,
Há de surgir-t'esse gigante imenso,
Que sobre os morros campeando vela...
Símb'lo de pedra, que o cinzel dos raios
Talhou nos montes, que se alteiam mais...
Atlas com a forma do gigante povo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Vai nas planícies dos infindos
pampas
Erguer a tenda do soldado vate...
Livre... bem livre a Marselhesa
aos ecos
Soltar bramindo no feroz combate...
E após do fumo das batalhas
tinto
Canta essa terra, canta os
seus gerais,
Onde os gaíchos sobre as éguas
voam...
Deus acompanhe o peregrino
audaz.
E nesse lago de poesia virgem,
Quando bolares nas sutis espumas,
Sacode estrofes, qual do rio a garça
Pérolas solta das brilhantes plumas.
Pálido moço-como o bardo errante-
Teu barco voa na amplidão fugaz.
A nova Grécia quer um Byron novo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E eu, cujo peito como u'a harpa homérica
Ruge estridente do que é grande ao sopro,
Saúdo o artista, que ao talhar a glória,
Pega da espada, sem deixar o escopro.
Da caravana guarda a areia a pégada:
No chão da história o passo teu
Lerás... Deus, que o Mazeppa nos estepes guia...
Deus acompanhe o peregrino audaz.