DESISTÊNCIA

Como era do seu feitio, levantara atrasado. Vestiu-se da forma mais rápida possível, tomou em três goles o copo de leite e urinou. Havia três dias que a pasta de dente tinha acabado, então, antes de partir, abriu a gaveta da cômoda e pegou um chiclete, com o propósito de apagar qualquer traço de cheiro ruim que viesse a surgir de sua boca ao longo da manhã. Concluiu os 26 degraus do seu prédio em tempo inferior a um minuto. Já na calçada, enquanto caminhava em meio a outros de sua espécie, notara que o exercício havia lhe proporcionado, além da visível ofêgancia, traços de suor embaixo de seus braços. Notou que rodelas d’água assomavam-se também por sobre a camisa bege que vestia. Lembrou do desodorante que havia esquecido de usar. Continuou o seu caminho.
Trôpego, pôs o primeiro pé dentro do território da empresa quando o seu relógio digital marcava exatas 08 : 30. Desferiu cinco acenos e três votos de bom dia ao longo do trajeto que levava do pátio ao seu cubículo.
Nove, foram às vezes em que ligou, desligou, e tornou a ligar seu antiquado pc. Todas, sem sucesso. Com auxilio do seu polegar opositor, pegou uma esferográfica e deu inicio ao preenchimento de quatro formulários que estavam dentro de sua pasta.
Ao primeiro bocejo, decidiu levantar e ir buscar uma xícara de café. Foi a exatos quatro passos da cafeteira que Victor, estagiário da empresa a três dias, esbarrou em seu corpo. O pulso, recém-vindo de cirurgia agüentou a queda, no entanto, seu membro nada pode fazer quando as risadas iniciaram-se. O volume das gargalhadas era tanto, que elas podiam ser ouvidas até mesmo no saguão. Funcionários de segundo escalão, bóis, e até mesmo um idoso faxineiro riam ruidosamente.
Recusando a ajuda de Victor, pôs-se de pé. Agora, munido de um sentimento inexprimível, servia-se do café. Sua xícara estava a ponto de transbordar quando mergulhou naquele liquido negro dois torrões de açúcar. Ele sequer lembrava de que havia deixado de ingerir açúcar há duas semanas. Sua concentração, respeito e civilidade ainda não haviam voltado à dose normal. Aquela, utilizada pelos humanos no dia-a-dia.
O caminho de volta ao cubilo, antes percorrido em passadas lentas, agora, era cumprido em tempo recorde. A ofegância tornava a fazer-se presente, porém, não era nem um pouco parecida com aquela sentida quando saiu de casa. Era diferente na sua essência, era tensa e nervosa. Ela, ainda por cima, aumentava consideravelmente a vermelhidão de seu rosto, já rubro por natureza.
Trêmulo, sentou-se, direcionando ambos os olhos para seu relógio. O digital marcava 08 : 43 quando ele decidiu. Levantou-se rapidamente da cadeira e, despropositalmente, chutou uma pequena lixeira - ainda vazia àquela hora da manhã - causando barulho e murmúrios de reprovação.
O elevador demorou dois sessenta avos de minuto para chegar ao terraço do prédio. Isso tudo pois, contando aquela em que ele desceu, houveram sete paradas ao longo dos 24 andares percorridos.
Apenas teve a permissão para chegar ao parapeito do prédio porque já havia fumado um baseado com o guarda responsável por aquele turno. Relatou que precisava respirar um pouco, tinha tido uma péssima noite de sono.
Seu corpo esfacelou-se contra o asfalto quando seu relógio não marcava mais hora alguma, mas o relógio da praça em frente não me fazia mentir. Eram 08 : 50.
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