Minhas
tentativas de dormir cedo acabavam se refletindo em aborrecimento e
incômodo. Quanto mais cedo dormia, mais cedo acordava. Não
raro, despertava muitíssimo antes do horário que havia
configurado meu radio-relógio para soar.
Inúmeras vezes, assistia da janela do apartamento o lindo clarão
que o sol proporcionava antes de aparecer no leste. As cores variadas
num céu dotado de um gradiente que se iniciava alaranjado, tornava-se
rubro até chegar à tonalidade azul, primeiro bem clara,
depois esmaecida, semelhante a um azul marinho. Tão logo os primeiros
raios emitidos pelo astro-rei adentrassem a janela, tratava de fechar
as cortinas. Nunca soube lidar com a manhã e sua sempre ofuscante
claridade.
Não
suponho como conseguiria preencher os meus minutos se não houvesse
a ocupação que o emprego me proporciona. Por pior que
fosse a tarefa de trabalhar em um banco, mais especificamente em um
dos caixas do banco, sentia-me indiferente com relação
a isso. Depois de uma mínima saudação ao cidadão
que se punha na minha frente, eram necessários poucos segundos
para realizar alguns cálculos com a calculadora, receber uma
quantia e devolver algum troco quando fosse o caso. Não era necessário
durante todo dia nenhuma ação do meu intelecto, minhas
atitudes e movimentos eram realizados maquinalmente ao longo dos sei
lá quantos metros quadrados que envolviam o território
destinado a essa aberração espanhola, fruto da descabida
venda de nosso patrimônio público.
É impressionante como a evolução dos aparelhos
desenvolvidos pelos homens tem seus melhores resultados no que a de
mais banal em nosso cotidiano. Teria desistido de qualquer tipo de trabalho
se não fossem os aparelhos que nos privam de ter de raciocinar
lógica e sensatamente.
Nunca fui muito adepto de droga alguma, exceto o álcool. Impressionantemente, tornei-me um usuário ferrenho daquilo que outrora abominava por apenas trazer-me sono e fome doentia; a maconha. Reconheço que nada tem me ajudado tanto a suportar esses dias cinzentos como ela. Até os vinte anos, sequer havia fumado um baseado. Hoje estou viciado nos efeitos que ela me proporciona; primeiro uma euforia incessante, uma vontade de me mover, fazer qualquer coisa, como se uma espécie de pilha fosse conectada ao meu corpo, deixando-me inflado de um combustível que parece não ter fim. Depois aquela leveza corpórea, a vontade de nada fazer, apenas ouvir, ler ou vislumbrar algo sem sequer se mover, perdido em pensamentos. Pensamentos bons, felizes e fundamentalmente otimistas. O efeito acaba e o otimismo se esvai lentamente ou de forma abrupta. Sempre foge.
Final
de semana, acordei cedo.
Uma barulheira incessante proveniente do apartamento em reformas de
algum vizinho, não permitiu que o meu sono ultrapassasse as nove
da manhã. Reconheço que, mesmo sem barulho, meu sono não
iria muito além desse horário. Havia dormido antes da
uma, num dos raros sonos que se prolongaram de forma ininterrupta ao
longo da noite.
Mesmo sem fome, empurrei uma banana e um copo de leite. Já havia
notado que o domingo me reservava um céu azul lindíssimo,
com nem sequer um traço de nuvens. Providenciei um chimarrão,
reuni algumas guloseimas, fechei dois baseados pequeninos, juntei alguns
cd's, o discman e sai de casa. Teria mentido se dissesse que possuía
um destino específico. Estava disposto tão somente a me
deitar numa grama de um algum lugar calmo qualquer, sem barulho, pessoas
e qualquer coisa que ousasse deixar-me insatisfeito. Pretendia esparramar-me,
ouvir músicas, comer, fumar e beber. Encontrava-me estranhamente
calmo, nem feliz, nem triste, apenas dotado de uma tranqüilidade
reconfortante, uma sensação pouco assimilável se
ousasse descrevê-la a qualquer ouvido alheio, por mais que me
esforçasse.
Ao término do domingo me dei conta de que um dos melhores lados de se viver em porto alegre são as mulheres. Não imagino um lugar onde elas possam existir em maior número e com tamanha qualidade. Cristo, basta ir até a padaria para ter uma ereção.
Há duas semanas atrás, exatamente num domingo, pus fim a maior seca de minha vida. Desde a minha primeira trepada nunca tinha ficado tanto tempo sem dar uma. Convoquei uma puta por telefone mesmo, não estava disposto a ir até um desses prostíbulos fedorentos e, além do mais, a única serventia que um jornal dominical tem é a seção de putaria dos classificados. Optei por uma cidadã de nome Martina. O anúncio chamava a atenção: um metro e setenta, cinqüenta e três quilos, morena de olhos claros. Baita mentirosa essa Martina. Nada de olhos claros, sua retina era de um marrom escuro e o um metro e setenta do anúncio não passava de, vá lá, um metro e sessenta ali, na minha frente. Não tenho a menor noção de quanto ela pesava, mas ao menos nisso ela aparentava dizer a verdade. Seu corpo era belíssimo, suas medidas eram pequenas, dava gosto de ver, tocar, apalpar, beijar, lamber.
Passamos
o dia trepando. À tardinha, acordei-me com os movimentos de Martina
deixando a cama, partindo em direção a cozinha. Auxiliado
pela luz do sol, que já quase se extinguia mas ainda entrava
forte pela fresta da janela entreaberta de meu quarto, vislumbrei de
relance o quão bela era a sua bunda, livre de qualquer traço
de celulite, estria, ou algo que o valha. Não estava com tesão
algum, mas foi o mínimo resquício que ainda existia dele
que me fez questioná-la, assim da sua volta, quanto à
possibilidade ou não de um sexo anal. Ela me disse que o preço
aumentava em dez reais, e eu julguei que o investimento era válido,
reuni minhas ultimas forças e tratei de comer o rabo dela. Não
foi nada muito entusiasmante. Martina ficou quieta ao longo de todo
o ato de sodomia, sequer um gemido abafado saiu de sua boca até
o meu gozo.
No fim das contas paguei duzentos e dez reais pelas horas que Martina
permaneceu comigo. Disse a ela que tornaria a entrar em contato, pechinchei
um desconto para uma próxima vez, e disse adeus. Ao fechar a
porta, dei-me por conta de que tinha acabado de utilizar os serviços
de uma prostituta pela primeira vez na vida. Ao sentar na poltrona empunhando
uma lata de cerveja, notei que teria de me socorrer nos braços
de uma puta ainda muitas vezes. Sem lamentos portanto.
Precisei dos serviços de Martina cinco vezes desde o natal. Nessas experiências foi interessante notar que ela pouco se importava para a sua menstruação. Nenhuma mudança ocorria durante a foda quando ela se encontrava menstruada. De alguma forma, ela passava a impressão de que gostava ainda mais de receber o meu falo no meio de suas pernas. Seus gemidos eram quase que ininterruptos e aumentavam consideravelmente de volume. Minhas costas sofriam com as suas compridas unhas e o meu lençol terminava a noite imundo de um vermelho mal cheiroso. Até cogitei ir a uma dessas festas que acontecem aos sábados à noite em qualquer canto da cidade, porém, a hipótese me deslocar a um lugar desses, assistir uma horda de pessoas desagradáveis desfilando suas caras roupas que vestem seus músculos enrijecidos pela academia da semana, voltar para casa sem ninguém e gastar quase a mesma quantia que Martina me cobraria para proporcionar horas de prazer, repugnou-me por completo.
Melhor ficar em casa. Além do mais, a cada contato que estabelecia
com Martina, ela ficava mais e mais íntima, desabafando assuntos
acerca da sua família, da faculdade que trancou e pensava em
voltar, da cadela vira-lata que possuía, do filme que havia assistido
na semana passada, de todos seus problemas. A intimidade que ela demonstrava
era correspondida integralmente por min. Carente como estava, acabava
por despejar nela toda minha sofreguidão. Martina me ouvia, deixando
de comentar qualquer coisa, apenas escutava minhas lamurias pacientemente.
Nesse momento, seu semblante adquiria um traçado imerso em pura
compaixão, fraternal o bastante para que se parecesse com alguém
de minha família, uma irmã ou mãe disposta a me
ajudar de todas as formas possíveis. No caso dela, trazendo-me
prazer, proporcionando-me valiosas orgias, colaborando quem sabe da
mais imprescindível forma que se possa conceber.
Eu sabia que era um cliente especial. Isso ficava bem claro ao sempre
me fornecer formidáveis descontos, chegando até a não
me cobrar dinheiro algum numa trepada ocorrida no dia de meu aniversário.
Nesse
ínterim, cheguei a receber uma correspondência de Suzana.
O texto não continha nada de muito especial, tão somente
pequenas informações de como andava a sua vida, suprimindo
qualquer menção ao relacionamento que ela estava mantendo,
e perguntas de praxe; como estão seus pais, por onde tem andado,
o que tem feito, como vão as coisas.
Não respondi. No último encontro que mantivemos, prometi
que, sob hipótese alguma, manteria qualquer contato com ela.
Antes disso fiz com que ela me prometesse ligar, assim que rompesse
o seu namoro. Torcia imensamente por isso, mas de longe tentava imaginar
situações boas. Tentava, por vezes em vão, admito,
disciplinar-me a me sentir feliz pelo fato de que ela pode estar sentindo-se
mais feliz hoje do que antes, quando ainda nos relacionávamos.
Imagino, ou ao menos tento imaginar, que enquanto ela não me
liga, ela está bem, seja da forma que for, ao lado de quem quer
que seja.
Quase todas as noites, minutos antes de me deitar, tratava de levantar
o volume da campainha do telefone, supondo que ela podesse vir a ligar
durante a madrugada. O desejo e a esperança pelo telefonema eram
tão reconfortantes, que chegavam a auxiliar a dura tarefa que
se tornou, de uns tempos pra cá, adquirir sono o suficiente para
dormir.
Esforçava-me para manter distância de antigos retratos
dela. Às vezes, quando era abatido por uma sensação
eufórica e alegre, me dava o prazer de pegar o meu grosso álbum
de fotografias. Rapidamente buscava as últimas páginas
dele, repletas de nossas imagens ou retratos apenas dela. Bastavam poucos
segundos para que me recordasse da forma do seu rosto, das suas expressões
faciais, do seu sorriso, de tudo. Era como se ela estivesse ali. As
recordações que em doses enormes abatiam-me naquele instante,
proporcionavam um regozijo imenso. Meus pensamentos permaneciam imersos
nela de forma integral. Isso fazia com que me desligasse do mundo como
nenhuma droga conseguiria. A atual situação em que ela
se encontrava não vinha à tona, permanecia distante, não
possuía significado algum ou esse significado não possuía
importância, era desconsiderado. Meus pensamentos naquele momento,
sejam eles quais fossem, davam lugar a um somatório infinito
de boas lembranças, belas recordações, pensamentos
profundamente felizes.
Ao fechar o álbum, depois de vislumbrar por minutos uma fotografia
dela, de corpo inteiro, na praia, fiquei momentaneamente de pau duro.
Tratei de relaxar, resvalei minhas costas na macia almofada do sofá,
tirei os tênis com o auxílio dos meus próprios pés,
fechei os olhos e esperei essa sensação passar. Não
notei quando meu órgão tornou-se flácido, acabei
dormindo antes, sendo acordado quando a sala já havia se enchido
de uma densa escuridão e o interfone tocava estridentemente.
-
Oi Ricardo, sou eu, Suzana.
Meus batimentos cardíacos multiplicaram-se de um segundo para
o outro. Tenso, balbuciei a monossílaba resposta:
- Oi.
Tomado de um nervosismo atroz, pressionei a tecla do interfone por alguns
segundos, possibilitando que ela entrasse no prédio.
Salvo algum congestionamento, ou uma intolerável falha em seu
engenhoso mecanismo, o elevador atingiria o andar de meu apartamento
no máximo em um minuto.
A mulher que tanto sofrimento havia me trazido, estaria ali, em minha
frente, dentro de segundos. Uma espécie de formigamento toma
conta do meu corpo. Mesmo não sentindo calor, transpiro intensamente.
A
campainha soa. Abro a porta.
Em minha frente, a mesma mulher que conheci. Nenhuma mudança
perceptível, a não ser a coloração de seus
cabelos, agora mais negros. Suzana desfere um beijo em uma das minhas
bochechas, antes de eu lhe convidar para entrar.
Ela
entra e se acomoda como se estivesse sozinha. Ela se estira sobre o
sofá de modo deveras sensual e permanece quieta. Um silêncio
sepulcral toma conta do ambiente. Não arrisco abrir a boca, por
mais que desejasse saber o porquê daquela inesperada visita. Aguardo
por uma má notícia, parece inevitável que isso
ocorra, pareço pressentir, já a sinto.
Não suportando mais o silêncio formulo uma pergunta simplória:
- Deseja beber algo?
Mesmo antes de ouvir a resposta, já vou impulsionando meus dois
braços e me levantando de forma um tanto quanto vagarosa, porém
propícia para o momento, me dirigindo para a cozinha, nesse instante,
um refúgio para a minha pessoa.
Foi
enquanto eu enchia meu mais bonito copo com um resto de água
mineral que ela me disse o porquê da visita, o porquê de
ter vindo até min. A notícia me anestesiara de tal forma
que meus sentidos pareceram falhar por alguns instantes. Transformei-me
em uma espécie de vegetal, sem conseguir pensar, sem conseguir
disfarçar o nervosismo que me consumia, e o mais acelerado batimento
cardíaco que meu corpo já havia proporcionado.
Ao terminar o seu relato, Suzana de imediato se levantou e caminhou
em direção a porta. Provavelmente não queria que
eu visse que também choravas. Nesse instante, motivado pelo temor
de que saísse em fuga do apartamento, voltei a raciocinar. Alterado,
gritei agudamente por ela.
Suzana não possuía mais intenção alguma
de parar, dissera o que, sabe-se lá por quais motivos, pretendia
dizer quando foi até a minha casa, e partia agora numa corrida
desenfreada ao longo do corredor do edifício, dirigindo-se para
o elevador, ainda estacionado em meu andar.
Não
conseguindo chegar a tempo até ela, decidi que deveria ir pela
escadaria, mas quando atingi o terceiro degrau notei que não
devia ir além dali. Parei de sopetão, quase colidindo
com o corrimão. Agarrando-me nele, desabei no chão. Eu
não podia ir atrás dela, não possuía tal
direito, e temia que se tornasse a ficar de pé, não possuiria
forças para manter essa decisão. Meu desespero egoísta
não permitiria. Eu sabia disso.
Só muito depois decidi me levantar. Havia novamente adquirido
uma espécie de comportamento primitivo, pouco sensato, recheado
de traços irracionais. Novamente uma sensação de
anestesia mental se abatia sobre min, produzindo um desencadeamento
sem precedentes de más sensações. Um momento bastante
propício para um suicídio, fosse eu um adepto da infeliz
prática.
---
Tratava-se de uma doença, disso não tinha dúvida alguma, ainda assim não conseguia conter minha irracional fixação por ela.
Não
busquei tratamento algum. Hoje, não me sinto curado pois ainda
a busco nas outras meninas. O cheiro dela em outros pescoços,
seus pequenos seios no peito de outras mulheres. Sinto que em nenhum
instante conseguirei gostar tanto de alguém. Sinto na carne o
adeus e os tristes significados dessa palavra. As lágrimas escorrem
rapidamente de meus olhos, percorrem minha pele e espatifam-se contra
o chão enquanto eu lamento friamente não poder retornar
no tempo, modificá-lo ao meu gosto, como eu bem entendesse.