Globalização, Neo-liberalismo e
Anarquismo
O processo de globalização da economia, sob a orientação
neo-liberal, paradoxalmente, pode ser um suporte seguro para os ideais
libertárias do anarquismo.
Num primeiro momento, vamos definir o ideal anarquista como sendo o de uma
sociedade sem governo, na medida em que toda a opressão está associada a um
grupo de pessoas que procura explorar e exercer poder sobre outras através das
instituições do estado.
Mas para definir opressão, temos de distinguir o que vem a ser exploração e o
que seria uma forma justa de negociação entre indivíduos livres em igualdade de
condições. Também temos de diferenciar o exercício arbitrário do poder daquele
exercido em benefício coletivo.
Na economia globalizada e sem fronteiras, é perfeitamente possível que
negociações justas possam ser estabelecidas entre forças econômicas desiguais,
dada a multiplicidade de agentes envolvidos. Somente algumas regras básicas de
convívio e respeito mutuo teriam de ser obedecidas em prol do bem comum.
O problema central do processo de globalização está na sua enorme assimetria, ou
seja, beneficia alguns e exclui brutalmente outros, seguindo apenas os
interesses dos capitais globais. Mas por outro lado, difunde o ideal igualitário
por meio do próprio liberalismo econômico. Como só visa o lucro, tende a
desprezar qualquer “autoridade”, fonte essencial de qualquer forma de opressão.
O fato é que até hoje, em todas as experiências humanas, o capitalismo global
tem sido a única instituição perante a qual todos são de fato iguais. Diante do
capital que viaja pelo mundo pelas redes informatizadas, não existem diferenças
de raça, cor, sexo, ou seja lá qual for o critério que se use para classificar
as pessoas e dai decretar quem é superior a quem.
O capital em si não é fonte de opressão. A sua distribuição desigual sim. O
capital não tem ideologia. Os seus possuidores sim. Mas a ideologia de alguém
que possui capital está cada vez mais desconectada dos meios de produção.
Ora, sabemos que não existem governos neutros e impessoais, um governo é sempre
o governo de alguém ou de um grupo que exerce poder sobre outros. A globalização
tem a curiosa propriedade de eliminar todas as diferenças e reduzir os governos
a irrelevancia.
As relações passam cada vez mais a ser entre pessoas, sem intermediação. A única
condição para fazer parte do “jogo” é ter algo de valor para oferecer. A
economia globalizada prescinde de chefes, capatazes e senhores locais. Embora
negocie com eles, não sentiria falta deles caso fossem eliminados.
Sabemos que todas as experiências anarquistas fracassaram justamente por causa
de seu isolamento e sua incapacidade de negociar com um mundo cheio de reis,
imperadores, presidentes e governadores.
O próprio movimento socialista, de tendência marxista, acabou por ceder ao
óbvio: Os grandes complexos industriais do passado tinham de ser concentrados
geograficamente e comandados de forma autoritária.
A nova economia informacional é diferente. Os computadores, as telecomunicações
e os transportes modernos permitem que um automóvel, por exemplo, seja fabricado
um pouco pelo mundo todo, por grandes e pequenas empresas, por organizações
autoritárias e cooperativas de trabalhadores autônomos, por empreendimentos
familiares ou investimentos de grandes governos, etc.
Em outras palavras, a nova economia oferece todas as oportunidades para que uma
forma de organização igualitária e que respeite acima de tudo a liberdade
individual, se torne viável do ponto de vista econômico e organizacional.
Assim, uma rede de organizações com ideais libertários, mas conectadas ao
sistema de produção global, não teria de enfrentar concentrações de forças
gigantescas contra elas, como no passado.
Ao contrário, creio que uma vez “infiltrada” na “economia em rede” global,
poderia irradiar seus ideais por todo o mundo sem grandes contestações. Na
realidade a própria economia global poderia funcionar assim.