Competitividade e lucro na economia solidária

A questão da viabilidade da economia solidária como alternativa a economia capitalista, passa obrigatoriamente pela análise de sua relação com o mercado atual. É preciso levar em conta a questão da competitividade e do lucro. 

Quando estudamos as possibilidades de unidades de produção, baseadas no princípio do cooperativismo, competirem com empresas capitalistas dentro do atual mercado global, surgem imediatamente críticas dos dois lados do espectro ideológico.

Os adeptos incondicionais da economia de mercado alegam que qualquer tipo de coletivismo anula imediatamente o estímulo à inovação e a criatividade e portanto não favorece aumentos de produtividade. Faltaria às cooperativas o espírito empreendedor, só disponível nas organizações baseadas na iniciativa privada.

Os puritanos de esquerda por seu turno, consideram que a busca de lucro por parte de uma organização assim seria uma espécie de sacrilégio ideológico. Para eles a busca de recompensas materiais, mesmo que compartilhadas, é incompatível com o socialismo. Uma cooperativa assim logo se renderia a atração pela exploração capitalista e abandonaria seus princípios.

É claro que em parte, ambos os lados tem certa razão. A formulação de uma teoria que conduza ao funcionamento auto-sustentado de uma unidade baseada em ES equivale na prática, a resolver os maiores problemas que se colocam aos que buscam alternativas ao capitalismo neoliberal.

Já abordamos a questão do motivo porque as idéias cooperativistas, adotadas pelos socialistas libertários, com ênfase nos anarquistas, foram abandonadas no século 20. De um lado o aparente sucesso do socialismo autoritário e de outro o capitalismo de estilo “fordiano” aliado ao  keynesiano, criaram as bases de um sistema capitalista que parecia também solucionar todos os problemas sociais.

Nos países socialistas, o capitalismo de estado era visto como o propulsor de uma sociedade igualitária. No ocidente o welfare state parecia ser a solução perfeita para se “humanizar” o capitalismo baseado na propriedade privada dos meios de produção. Só que os dois sistemas faliram simultaneamente em meados dos anos 70.

O atual sistema econômico global nasceu da reestruturação do capitalismo industrial nos EUA e Grã-bretanha, com o auxilio das tecnologias de informação e telecomunicações, novos métodos gerencias e os princípios do neoliberalismo. A tentativa de repetir essa operação na URSS (a “Perestroika”) não funcionou e levou o país a desintegração. Os demais países socialistas, em especial a China, aderiram de pronto ao novo sistema.

Hoje não se pode mais duvidar de que o sistema capitalista neoliberal é absolutamente hegemônico, havendo pouco espaço para alternativas. Ou será que não? Devemos notar que à aparente vitória das idéias neoliberais se deveram em grande parte ao fracasso do sistema socialista em se adaptar à nova realidade econômica e principalmente tecnológica. Em outras palavras, o liberalismo venceu a partida mais por “abandono de campo” do que por seus méritos no jogo.

Nesse caso a pergunta que se coloca é a seguinte: Caso uma nova modalidade de socialismo surja e prove sua viabilidade econômica, teria chances de competir com o neoliberalismo? Creio que a resposta é sim. E que a solução está no socialismo libertário como ideologia e na economia solidária como prática.         

Nesse caso a economia solidária tem de ser capaz de lidar com as questões que sempre foram negligenciadas pelo socialismo tradicional: A produtividade e a geração de riqueza. Ou seja, a ES tem de aprender a ser competitiva e lucrativa. Sempre se disse que o socialismo sabia distribuir riquezas mas não sabia produzi-la. Então, uma parte do problema está resolvida.

Numa cooperativa a riqueza pode ser distribuída de forma igualitária entre seus associados através de vários mecanismos. A começar pelo fato de que todos os seus membros receberem a sua parte independentemente de estar ou não trabalhando. E independentemente também da função que exercem num determinado momento.

Além disso, à medida que um número maior de cooperativas começar a surgir, a natureza da competição entre elas passa a alterar o quadro geral da economia. No limite, a economia solidária pode se tornar hegemônica, deixando apenas alguns setores de atividade ao empreendimento capitalista, invertendo a atual situação. 

O curioso é que a tentativa de mostrar que isso é impossível parte das esquerdas. O argumento é que às empresas capitalistas obtém lucros demitindo pessoas. Portanto uma cooperativa produtiva teria de “demitir” também. Isso é o mesmo que dizer que as empresas capitalistas costumam “demitir” seus sócios, de modo a reduzir a distribuição de dividendos e assim se tornar mais competitivas. O que elas fazem é exatamente o contrário. Tentam atrair mais sócios e apostam em inovações tecnológicas  para melhorar sua produtividade.    

É claro que se os lucros diminuem, por problemas de mercado, os capitalistas tem de se contentar com uma renda menor. Nesse caso os cooperados também. Ocorrendo o processo inverso no caso de aumento da lucratividade. Até ai, não existe diferença entre uma cooperativa e uma corporação capitalista. Do mesmo modo que os lucros das empresas sustentam algumas centenas de multimilionários com um padrão de vida altíssimo, as cooperativas poderiam sustentar milhões de pessoas com um padrão de vida razoável.

A critica de que cooperados não são criativos nem inovadores e raramente sabem ganhar dinheiro está relacionado como vimos, a natureza atual das cooperativas. Quase sempre são compostas por pessoas sem nenhuma noção de negócios. Quando não são ex-empregados acostumados a só receber ordens, são convencidos “ideologicamente” de que “mercado”, “lucro” e “competitividade” são palavrões. É o caso de experiências de auto-gestão de negócios falidos e de assentamentos agrícolas politizados por movimentos de esquerda.

A necessidade obsessiva de criticar o “capital” e suas terríveis maldades, obscurece a análise objetiva do funcionamento da própria economia capitalista. Assim é deixado de lado o fato de que, longe de viverem em função de se destruírem mutuamente em uma competição desenfreada, as corporações sempre que podem, estabelecem constantemente elos de ligação e de solidariedade umas com as outras.

O verdadeiro objetivo de inovar os processos de produção é reduzir custos e manter, e se possível aumentar, os lucros. A verdadeira competição predatória só ocorre em relação a atividades obsoletas ou protegidas por leis protecionistas e reservas de mercado artificiais criadas por estados nacionais.

Nesse caso as corporações se unem e recitam sempre os mesmos discursos em favor do livre comércio, da abertura dos mercados e da flexibilização das leis trabalhistas. Quando vencem, acabam eliminando rapidamente a concorrência local mais fraca e obsoleta. Quando encontram resistência por parte de empreendedores competentes, tratam de se aliar a eles, formando parcerias, acordos cartéis, e todo tipo de truques, alguns já conhecidos desde o século 19, para evitar guerras comercias que reduzam suas margens de lucro.

Ocorre que nas empresas capitalistas, o empregado é apenas um “fator de produção” como as máquinas, as instalações e as matérias primas. Logo, um processo de reengenharia que vise aumentar a produtividade pode começar por tentar racionalizar o uso de vários desses fatores mas com certeza terminará por proceder ao “enxugamento” de seu quadro de pessoal.

Como o processo é obviamente muito impopular, as empresas nunca dizem que fazem demissões para aumentar seus lucros. Não ficaria nada bem nas belíssimas peças de marketing institucional dizer coisas como: “Nosso faturamento aumentou em 20% depois que trocamos 1000 empregados por computadores”. Assim, num dia explicam que precisam demitir empregados para se ajustar à nova e implacável “competição global”. No outro, anunciam seus lucros recordes como resultado de “uma nova concepção” de negócios.      

Mas uma cooperativa pode substituir 1000 empregados por computadores sem colocá-los na rua. Basta “desmobilizar” essas pessoas mantendo sua renda justamente com os lucros obtidos pela “nova concepção” do negócio. O problema, nunca é demais repetir, é que sempre se associa cooperativas, com níveis de renda próximos ou abaixo do nível de subsistência.

 Jamais se pensa em cooperativas de especialistas de alto nível, trabalhando com o máximo de sua capacidade criativa e inovadora em prol de uma organização que poderá deixá-los muito bem de vida, ao invés de financiar os novos jatos particulares ou os iates dos proprietários.

Quando se fala em cooperativas com projetos igualitários mas pensando em inovação tecnológica, conquista de novos mercados, aumento de produtividade, processos gerenciais sofisticados e atuação em nível global, as pessoas olham espantadas como se tudo isso fosse completamente incompatível.

Para os críticos de direita, cooperativas não passam de filantropia. Apenas uma forma de um bando de desocupados conseguir verbas de ONG e do governo. Para os de esquerda, devem ser no máximo formas de reunir “deserdados” e “excluídos” com o objetivo de “reivindicar” financiamentos estatais e a serem doutrinados para o grande advento da revolução. Ambos se baseiam nos mesmos preconceitos. 

Nunca se pensa em cooperativas tendo seus principais representantes sendo homenageados com o título de “homem de visão do ano”. Ninguém acha que uma organização baseada em ES poderia entrar para uma lista de “maiores e melhores” das revistas de economia e negócios.

Ocorre que com a deterioração cada vez maior das condições de trabalho para todos, e  não só para os eternos excluídos como no passado, o mercado de trabalho capitalista começa a perder atratividade. O caso dos “empregados milionários” do vale do silício é um bom exemplo. Eram a elite mundial do trabalho assalariado e hoje amargam o desemprego do mesmo modo que metalúrgicos e funcionários do setor bancário.

Para todos, a ES pode vir a ser uma opção a instabilidade e a incerteza de carreiras que cada vez se assemelham mais a dos jogadores de futebol, astros do rock e super modelos. Vale lembrar que foram e são os especialistas em tecnologia, produção e finanças, e não os capitalistas, que criaram e mantém funcionando e crescendo o que chamamos de nova economia e capitalismo informacional.   

 Então caberia perguntar: Por que isso já não está ocorrendo? Como essas pessoas não percebem isso? A resposta é que elas já percebem. Só que não tem como reagir. Simplesmente não existe nenhuma outra forma de organização para onde possam dirigir seus talentos. Em outras palavras, falta-lhes uma ideologia.

A existência de uma ideologia hacker por exemplo, não é capaz de ir além da criação de ONG com o objetivo de pregar o software livre e algumas pálidas idéias sobre igualdade e compartilhamento de conhecimentos. Mesmo isso já é visto como infinitamente mais ameaçador pelo capitalismo informacional do que as patéticas demonstrações “anti-globalização”.    

Alguns fracos sinais de descontentamento, podem ser neutralizados pelos capitalistas com ofertas de bônus e opções de compras de ações para os funcionários mais promissores e indispensáveis. A dominação se completa pela disseminação através da mídia de que “não há nada a fazer”. Afirma-se que a única ideologia possível é o neoliberalismo e o resto é só folclore. Por enquanto é mesmo.

 Somente o esforço sério e conseqüente dos verdadeiros libertários, desapegados de dogmas e preconceitos, pode tentar mudar esse quadro.  

   

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