Por que os anarquistas são contra a globalização?
Uma questão intrigante é definir por qual motivo um
processo que tem como conseqüência provável a extinção dos governos nacionais e
a formação de sistemas federativos é combatido pelos anarquistas.
Na realidade nada se presta melhor a implantação das idéias anarquistas do que o
atual processo de globalização. A questão é que o processo vem sendo conduzido
sob a orientação inequívoca da ideologia capitalista neo-liberal o que parece
uma grande contradição para os menos atentos aos acontecimentos.
O fato de o capitalismo informacional ter surgido primeiro nos EUA parece um
fator decisivo para alimentar os piores temores de qualquer um que se considere
“de esquerda”. A associação entre EUA e imperialismo é ainda muito forte. E o
que quer que esteja associado a palavra “global” soa logo como “dominação
global” pelo “imperialismo americano”.
Mas temos de separar as coisas. O capitalismo informacional surgiu a partir da
crise dos modelos keynesianos adotados tanto pelos EUA como pela URSS e vários
outros países.
Em outras palavras a chamada nova economia surgiu do colapso total do estatismo
soviético e da crise do capitalismo tradicional dos países ocidentais, EUA no
meio.
Portanto não se trata da vitória do capitalismo na guerra fria e nem do “fim da
história” mas sim do início de um novo modelo de produção baseado nos
computadores, robôs, telecomunicações e técnicas de gerenciamento
(terceirização, “downsizing”, etc.). Como tudo isso surgiu como resposta dos EUA
aos desafios que enfrentava na época (e ainda enfrenta), acabou associado ao
país.
Na verdade a economia informacional tem características muito diferentes de sua
predecessora, a economia industrial. É claro que ninguém está afirmando que as
indústrias deixaram de ter importância e que hoje tudo estaria concentrado no
setor de serviços.
Não é bem assim, a maior parte do setor de serviços existe em função de fornecer
logística para as indústrias. O que mudou foi o surgimento da possibilidade de
se produzir bens e serviços em qualquer parte do mundo, incorporando populações
antes excluídas e excluindo grupos antes muito importantes.
A típica empresa global não tem sede em parte alguma, não serve aos interesses
de nenhum país, tem sua produção espalhada pelo mundo todo e seu mercado não tem
qualquer fronteira. A industria globalizada projeta seus produtos num país,
executa testes de protótipo em outro, usa peças e componentes das mais variadas
procedências e vende para quem quiser pagar por seus produtos.
Isso significa que esse tipo de economia não pode ser controlada por governos
nacionais e muito menos servir a interesses imperiais. A corporação global
simplesmente não precisa de um império para ajuda-la ou protege-la. Em muitos
casos ignora solenemente os canais oficiais e negocia diretamente com os agentes
econômicos que lhe interessam.
A questão obviamente é definir onde o anarquismo se encaixa nisso. É simples, a
empresa global funciona em rede e não como a tradicional estrutura centralizada
e hierarquizada, controlada por uma burocracia originária de um país em
particular.
Sua produção é totalmente descentralizada, o que abre a oportunidade de qualquer
um se tornar seu fornecedor, esteja em que país estiver, fale o idioma que
quiser, pratique a religião de sua escolha, tenha os costumes dos mais
estranhos, etc. Nada disso importa, só o preço e a qualidade.
Sendo assim, para uma comunidade libertária ser participante da economia global
só é preciso aceitar a idéia elementar de que é preciso produzir ou fazer coisas
que sejam úteis e interessem a outras pessoas.
Uma vez inseridas na economia global, as organizações libertárias podem se
integrar em redes cada vez mais poderosas sem ter de enfrentar a resistência de
governos ou qualquer tipo de autoridade.
Em resumo, do mesmo modo que Marx acreditava que o capitalismo industrial teria
que fornecer as bases materiais para o socialismo, podemos raciocinar que o
capitalismo informacional teria o mesmo papel em relação ao anarquismo.
As idéias de Marx nunca foram de fato testadas porque tento-se implanta-las
justamente em países com grau muito baixo (e as vezes nenhum) de
industrialização. O resultado foi que os “comunistas” acabaram por ter de fazer
todo o “serviço” ou seja, implantar o capitalismo ao mesmo tempo que diziam a
seus povos que estavam “construindo o socialismo”.
A contradição foi fatal. Um projeto anarquista, por outro lado, não precisa
correr esses riscos.