O anarquismo e o capitalismo informacional
Complementando e esclarecendo alguns aspectos dos meus artigos
anteriores, reafirmo minha convicção de que a nova economia globalizada oferece
uma oportunidade única para a realização de um projeto anarquista.
A questão ideológica.
Pelos comentários aos meus textos, confirmei a enorme dificuldade que qualquer
militante libertário tem em dissociar o fenômeno da globalização da idéia de
dominação global pelo imperialismo americano. Para dirimir essas dúvidas, basta
citar duas questões:
A primeira se refere ao fato de que uma das mais fortes reações ideológicas a
globalização se dar justamente entre a sociedade conservadora norte-americana. A
segunda é o fato de a “exportação” de empregos desse país para outros ser vista
até como a responsável pelo desemprego e a constante queda da renda entre a
classe média dos EUA.
Na prática, a resistência dos grupos “patriotas” é incrivelmente semelhante a
dos membros da Al-Qaeda, inclusive quanto aos alvos de sua violência: Edifício
do governo em Oklahoma, Word Trade Center e Pentágono. Os “Diários de Turner”,
verdadeira bíblia para gente como o Unabomber, Timothy McVeigh ou David Koresh,
poderia ser incorporado ao “currículo” das madrassas extremistas do oriente
médio.
Isso ocorre porque a globalização golpeia de morte três sustentáculos da ordem
conservadora: A família patriarcal, a religião dogmática e o estado nacional.
Isso inviabiliza as soluções políticas autoritárias em nível maior do que
pequenas regiões, condados e comunidades isoladas.
A questão tática.
O fato de a globalização ser mortal para velhos inimigos do anarquismo,
obviamente não implica no fato de as corporações estarem engajadas em um projeto
humanístico que visa criar o paraíso na terra, muito pelo contrário, procuram o
lucro sem quaisquer considerações, inclusive gerando desemprego e instabilidade
política nos países desenvolvidos.
Isso se deve ao fato óbvio de que essas organizações serem empresas e não
comunidades igualitárias ou entidades filantrópicas. Seu objetivo central é o
lucro de seus acionistas e os salários e benefícios cada vez maiores concedidos
aos seus altos executivos.
Ocorre que para atingir esse objetivo, a nova empresa global não depende mais de
grandes complexos fabris e nem de exércitos de operários mantidos
disciplinados.Não precisa mais se valer de estados imperiais para se proteger de
líderes nacionais instáveis. Nem necessita mais de forças policiais para se
proteger de sindicatos agressivos.
É por isso que as atuais elites capitalistas falam tanto em “diminuir o peso do
estado”, “eliminar barreiras internacionais ao livre comércio” e “flexibilizar
as leis trabalhistas”. Idéias de forma alguma estranhas aos movimentos
libertários, anarquismo no meio.
Um projeto anarquista.
Em meus artigos anteriores evitei deliberadamente mencionar as diversas
correntes anarquistas por se tratar de um texto que aborda táticas e não
teorias. Assim, nas palavras de George Woodcock “... é nesse sentido que irei
tratar o anarquismo, apesar de suas muitas variantes: Como um sistema de
filosofia social, visando promover mudanças básicas na estrutura da sociedade e,
principalmente – pois esse é o elemento comum a todas as formas de anarquismo –
a substituição do estado autoritário por alguma forma de cooperação não
governamental entre indivíduos livres”. (1)
É esse o ponto essencial. Independente da corrente, qualquer anarquista irá
reconhecer que o estado autoritário é seu principal inimigo, mas também o é da
moderna corporação global e do capitalismo informacional. O capitalismo
industrial mantinha uma relação estreita com o estado autoritário a tal ponto,
que os sistemas derivados do Marximo-Leninismo acabaram por reproduzir essas
mesmas relações. Não foi por acaso que esses sistemas também não sobreviveram a
globalização.
A tecnologia atual é fruto da evolução do conhecimento humano e não uma “obra
burguesa”. Apropriar-se dela é não só legítimo com fundamental para qualquer
projeto viável de sociedade. Na verdade a recusa à tecnologia e suas
conseqüências sociais, por parte de grupos tradicionalistas, os está levando ao
isolamento e ao apelo a violência. Exatamente o que ocorreu com as primeiras
experiências de comunidades anarquistas.
Devemos lembrar que Prouhon acreditava na proliferação pacífica de organizações
cooperativas. Quase todas as correntes anarquistas reconhecem que tentativas
violentas de tomada de poder só podem funcionar a partir do estabelecimento de
partidos que acabam por reproduzir o estado que tentam derrubar.
Notas:
(1) Woodcock, George – Anarquismo – Vol. 1, Pág 11, 1983 – L&PM Editores.