A decadência da classe trabalhadora VIII


A nova realidade tecnológica obriga a classe trabalhadora a se libertar de suas amarras ideológicas e a reivindicar sua participação no mercado. Mas, novas ameaças de insanidade rondam por toda à parte.

 
Já vimos que as classes trabalhadoras, em sua obrigatória transição para a atuação direta no mercado, devem antes se livrar de “entulhos” ideológicos do passado. Algumas dessas ideologias lhes foram impostas por pensadores liberais e reformadores sociais acadêmicos, e outras derivaram da própria dinâmica da produção capitalista.

Vimos que essas últimas, sempre se reportam ao passado, e tem estreita ligação com as antigas classes dominantes, derrotadas pela burguesia. Afirmamos que se tratam de irrupções irracionais, de cunho coletivista e/ou obscurantista, que se infiltram através das fissuras do “edifício racionalista” construído pela moderna burguesia, apoiado no individualismo e no livre mercado.

Mas devemos nos preocupar também com outro tipo de ameaça, conseqüência em alguns casos, do próprio sucesso das novas tecnologias, da expansão dos mercados e da globalização. Trata-se de reações ao desemprego tecnológico de um lado e da rápida mudança de paradigmas sociais de outro.

Sabemos que o novo paradigma tecnológico gera desemprego e/ou desvalorização constante da mão-de-obra e que, em longo prazo, o modo de vida “proletário” acabará por se tornar inviável. A opção racional portanto é a integração direta ao mercado. Mas a racionalidade nem sempre prevalece nas reações humanas.

Nesse caso, estamos falando não mais da exploração da classe trabalhadora mas de sua exclusão, pura e simples, do mercado de trabalho. Dentro dessa nova realidade, as ideologias tradicionais se tornam obsoletas.

É fácil entender que não se pode falar em “preguiça hereditária”, “fertilidade pecaminosa” e nem numa suposta inferioridade “natural” de pessoas que foram substituídas por máquinas. Também é complicado explicar a “mais-valia” e a “exploração” de robôs e computadores.

Em outras palavras, se o desemprego se torna involuntário o liberalismo falhara ao tentar explicar as desigualdades sociais. O marxismo por sua vez, não tem respostas para um proletariado que diminui, em tamanho e em importância, e se descaracteriza, a cada dia que passa.

Para muitos, ao desmantelamento de seu modo de vida, junta-se à crise da família patriarcal; o surgimento abrupto de reivindicações feministas; a afirmação da identidade de minorias raciais, étnicas e sexuais; a invasão cultural pela mídia global, etc.

Sem a opção por formulações teóricas mais bem elaboradas, os atingidos pelas transformações, se voltam para a irracionalidade sem disfarces. O processo normalmente consiste em desenterrar algumas fórmulas arcaicas e passar a cultuar um passado glorioso, supostamente mais humano e digno.

Como as expectativas para o futuro parecem sombrias, a idéia é “construir o passado”. Os adeptos dessas idéias então se apropriam de tradições culturais e/ou religiosas obsoletas e as interpretam a sua maneira. É o caso do nacionalismo europeu, do fundamentalismo religioso, cristão nos EUA e islâmico no oriente médio, das tradições religiosas messiânicas da América Latina e de algumas regiões da Ásia, etc.

O resultado parece sempre muito ridículo para os acadêmicos e mesmo cômico, se suas conseqüências não fossem sempre trágicas. Interpretações “livres” de escrituras tidas como sagradas como a Bíblia, o Alcorão ou os Vedas, fornece inspiração para atentados terroristas, formação de guerrilhas por líderes messiânicos e suicídios em massa.

Devemos reparar, que ao contrário do que se pensa, os EUA são um verdadeiro paraíso para os extremistas do terceiro milênio. É também o primeiro país onde o fundamentalismo religioso já decide eleições e se reflete nas altas esferas de governo. Isso se deve ao fato de ser o mais o país mais globalizado e o que inaugurou a nova Era da Informação.

Lá, alguns discursos de políticos “defensores dos valores familiares” e certos comunicadores com programas radiofônicos de grande sucesso, fazem os extremistas islâmicos parecerem até mais ou menos razoáveis. Sem contar que o país é um verdadeiro “parque temático” para indivíduos e grupos armados até os dentes.

Na Europa, o surgimento de fortes partidos nacionalistas, com discursos claramente xenófobos, coincide cada vez mais com o grau de inserção na economia global. No Japão e na China, seitas apocalípticas desafiam as autoridades, promovem atentados e inspiram suicídios em massa, combinados pela internet.

Na América Latina, misturas improváveis de crenças populares católicas e indígenas com idéias marxistas tiradas de contexto, animam grupos guerrilheiros “zapatistas” no México, fornecem inspiração para o governo “bolivariano” da Venezuela e embalam os sonhos dos “sem-terra” no Brasil.

Nos países islâmicos, apesar da eterna desculpa do problema da Palestina, a verdade é que o fundamentalismo vem ganhando terreno, e justamente nos países onde as economias começam a se inserir no mercado global.

Isso significa que o que vemos, não é um novo “despertar” de religiões já um tanto esclerosadas, ou uma volta a “valores morais” do passado, e sim uma reação direta a novas situações causadas pela globalização da economia e a conseqüente exclusão de grandes parcelas da população.

Os trabalhadores dos primórdios do capitalismo lutavam por obter uma remuneração justa pelo seu trabalho. Os novos excluídos, não têm como lutar por seus direitos, porque não tem qualquer utilidade para o mercado produtivo. Isso explica sua rejeição da sociedade contemporânea como um todo.

Como nem sempre dispõem da opção de ser parte do mercado, pretendem aboli-lo, nem que para isso tenham de destruir tudo a sua volta. Nesse caso é a própria modernidade que entra em cheque. O desafio é ao próprio conceito de sociedade republicana, democrática e laica que surgiu das vitórias da burguesia sobre as antigas classes dominantes.

Devemos notar que essas reações são muito diferentes das que surgiram quando do processo de consolidação do sistema capitalista. Os movimentos sociais e políticos da época tinham um projeto. Mesmo que às vezes fossem utópicos e inviáveis, se propunham a oferecer uma alternativa de desenvolvimento.

Os novos movimentos se caracterizam por não ter projeto nenhum. Fundamentam-se apenas no ódio a um inimigo difuso e sem rosto. Em outras palavras, longe de uma ideologia de fundo religioso, se aproximam mais do anarquismo niilista de um Serge Netchaiev.

As várias “milícias” armadas e os inúmeros grupos de “patriotas” americanos não possuem nenhuma ideologia coerente. Alguns são racistas, outros são liderados por negros. Alguns discriminam os não protestantes, outros são organizados por hispânicos católicos. Só o que os une é um ódio mortal ao “governo federal”, supostamente dominado pela ONU.

Os diversos grupos islâmicos praticamente discordam em tudo. Em algumas regiões lutam abertamente entre si. Quem é bem informado sabe que a expressão Al Qaida significa simplesmente “a base” e que não se refere a nenhuma organização em particular. É apenas um modo de identificação entre muçulmanos que se alimentam do ódio a globalização, identificada com os EUA e países da Europa ocidental.

Ações violentas aleatórias, sem objetivos estratégicos, são um sinal claro da impotência desses movimentos. Em geral assinalam as manifestações terminais de algum grupo social prestes a submergir nas ondas da globalização.

Isso vale para cultura puritana rural dos EUA, os pruridos nacionalistas de alguns países europeus, os costumes tribais em países islâmicos, a cultura camponesa católica na América Latina, os costumes ancestrais em países asiáticos, etc.

Os trabalhadores em geral devem evitar a todo custo deixar se envolver com esses transtornos mentais e surtos psicóticos. Isso porque para derrotar essas “insubordinações” passageiras, as autoridades terão de recorrer às táticas de costume: Desencadear o pânico geral para justificar as mediadas repressivas.

Em seguida virá a cooptação dos elementos mais moderados e a eliminação implacável dos realmente rebeldes. Isso no passado já comprometeu causas racionais e reivindicações justas. É preciso que a crítica ao modelo de globalização não seja identificada com um desejo insano de volta ao passado.

Ao contrário, os trabalhadores devem reivindicar seus direitos a inserção na modernidade e a participação direta nas oportunidades oferecidas pelo mercado global. Agora mais do que nunca, devem se unir em torno de seus interesses reais.

Por outro lado, existiria algum tipo de ideologia que poderia interessar aos trabalhadores? Teria de ser uma forma de organizar idéias, concorrente com o liberalismo radical, mas sem excluir o papel do mercado.

Seria um sistema identificado com as necessidades específicas do atual estágio de transição.Existiria algo assim? Talvez, a combinação entre o anarquismo individualista, a Economia Solidária e a ética Hacker, podem ser uma resposta.
 

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