A decadência da classe trabalhadora V


As novas tecnologias permitem o retorno de grande parte da classe trabalhadora ao modo de vida do artesão. Para que isso seja viável, é fundamental a incorporação do conceito de “classe empreendedora” em substituição as antigas definições de burguesia e proletariado.

 
Vimos que dentro do novo paradigma tecnológico, a empresa global tende a descentralização da produção e ao estabelecimento de complexas redes de pequenas fábricas e escritórios, espalhados pelo mundo todo. O capital, na forma de investimentos de um grupo cada vez maior e mais pulverizado de pessoas, torna-se cada vez mais dependente das decisões da nova “classe empreendedora”.

Esse processo não é novo. Em suas obras “O novo estado industrial” e “Anatomia do poder”, John Kenneth Galbraith demonstra que, com o aumento da complexidade técnica e organizacional das grandes corporações, o poder de decisão passou definitivamente do acionista, ou “classe proprietária” para a “classe dos gerentes”, entendida como sendo o grupo de técnicos e burocratas realmente capazes de administrar, dentro das novas exigências tecnológicas.

Isso tem profundas implicações, pois demonstra que o capitalismo na realidade depende mais do empreendedor do que do próprio capital. Também demonstra que os avanços tecnológicos, tendem a reduzir cada vez mais o poder do proprietário do capital, em favor daqueles que detêm o conhecimento e a capacidade organizacional para utiliza-lo de forma útil.

A idéia de que o empreendedor é sempre um homem muito rico, não passa de mito. A grande maioria jamais teve (e continua não tendo) capital próprio, e seu sucesso se deve ao seu profundo conhecimento do mercado e das oportunidades que ele oferece.

Essas pessoas então passam a fazer parte do panteão dos “homens de visão” do mundo empresarial. Acumulam belas fortunas pessoais, passam a levar uma vida extravagante e deixam sólidos patrimônios aos seus descendentes. Daí a crença de que sempre dispuseram de capital. O que não é verdade. Mas acaba por impor a lenda de que para se ganhar dinheiro é preciso já possuir dinheiro.

É fácil ver que pessoas que já possuem dinheiro desde a infância, costumam perde-lo com enorme facilidade, quando se dispõem a bancar empreendedores. A maioria dos possuidores “sensatos” de capital, se limita a aplica-lo em negócios seguros, e desfrutar a vida despreocupadamente.

Mas o que seriam de fato os empreendedores? Qual é a sua exata relação com o mundo do capital e do trabalho? Essa definição é um tanto nebulosa. Isso porque ao longo da história, as qualidades que os definem já estiveram associadas a pessoas de diversas classes e ocupações, não se restringindo aos empresários da industria, comércio ou serviços.

Sabemos que um dos primeiros a utilizar o termo “entrepreneur” foi o economista francês Jean Baptiste Say, ele definia dessa forma pessoas capazes de “gerar valor” ao estimular o progresso econômico por meio de novas e melhores maneiras de fazer as coisas.

Para Joseph Schumpeter, empreendedorismo é um processo dinâmico e descontínuo de novas combinações de recursos. Em outras palavras, o conceito de empreendedor está diretamente ligado ao de inovação. Isso não se restringe a invenções, abrange novos produtos, novos meios de produção, identificação de novos mercados, exploração de novas matérias-primas e novas formas organizacionais. Em suma, ser empreendedor significa ser capaz de reorganizar recursos já existentes, mesmo os recém criados, com o objetivo de criar novas possibilidades.

Isso significa também que o empreendedor só pode surgir em um ambiente de liberdade de pensamento e ação, e em constante mutação. Fora das guerras e dos grandes eventos políticos, só há um lugar onde isso ocorre: O mercado, de preferência livre de regulamentações excessivas.

Devemos notar, que de certa forma, o fato de a civilização chinesa dispor de praticamente todas as invenções que foram decisivas para o desenvolvimento da Europa sem jamais utiliza-las, deveu-se ao fato de que sua cultura prezava acima de tudo a “harmonia”, o que é incompatível com o surgimento do empreendedorismo.

O próprio fracasso do socialismo real pode estar relacionado a isso. O Estado “proletário” se apropriou dos capitais da classe burguesa, mas pela sua própria natureza autoritária, impediu o surgimento de empreendedores.

Agora voltemos a uma questão fundamental. Em meio ao ambiente politicamente liberal e de constantes inovações tecnológicas que caracterizaram o nascimento do capitalismo, por que os antigos artesãos não se tornaram empreendedores? A resposta é que seu próprio modo de pensar era contraditório com as condições em que surge o empreendedorismo.

Seu apego às tradições e regras das corporações de ofício, sempre impregnadas de idéias religiosas e místicas, sua tendência a buscar apoio apenas nas instituições do Estado, sua firme crença de que só o trabalho monótono e constante pode merecer uma recompensa “justa”, impedia essa atitude “revolucionária”.

Ao se juntar aos camponeses transformados em operários urbanos, tendiam a liderá-los com base em seu maior conhecimento do “ofício”. Isso fez com que a cultura “mágica” do artesão, moldasse a formação das idéias da nascente classe trabalhadora assalariada. Os profissionais liberais, últimos a chegar, incorporaram essas crenças a sua cultura acadêmica, dando forma a toda uma complexa ideologia “proletária”.

A reação inicial dos proprietários do capital ao novo ambiente não foi muito diferente. Na história do capitalismo, é incrivelmente recorrente a figura do empreendedor visionário, tentando convencer o proprietário de terras ou o nobre endinheirado, sempre descrente do progresso e politicamente conservador, a financiar seus projetos.

Mas aos poucos, as noticias de sucessos fabulosos e de ganhos extraordinários, passaram a obscurecer os fracassos constrangedores. Isso convenceu os proprietários de capital de que a associação com os empreendedores era inevitável, se quisessem manter seus privilégios.
As novas fábricas, ferrovias e empreendimentos comerciais eram o melhor lugar em que o dinheiro podia estar.

Essa é a verdadeira origem da burguesia moderna. A rara fusão entre o dono do capital e o empreendedor na mesma pessoa, criou todo o mito do capitalista como pessoa dinâmica e progressista para uns, e como figura inescrupulosa e um explorador impiedoso, para outros.

Karl Marx concordava plenamente com o papel revolucionário da burguesia. Mas para ele não havia uma separação clara entre o papel do capitalista e o do empreendedor. É por isso que sua conclusão foi a de que a posição de exploração, a que ficou sujeita a classe trabalhadora, se devia exclusivamente ao fato de que ela não detinha capital.

Portanto, a luta de classes deveria ser uma disputa pelo controle dos capitais, tanto financeiros como os transformados em meios de produção. O controle do Estado pela “vanguarda” do proletariado, seria a forma de concretizar esse objetivo.

Por que Marx, e os inúmeros reformadores sociais, jamais pensaram na hipótese de transformar o proletariado em uma classe de empreendedores? A resposta é que eles também aceitavam as teses dominantes, onde o trabalhador era (e ainda é) visto como um ser incapaz de pensar e agir, por si próprio, em prol de seus interesses.

Para legitimar os fabulosos ganhos dos capitalistas, em contraste escandaloso com a miséria dos trabalhadores da época, criaram-se inúmeras teorias, algumas com fundo religioso e outras mais ou menos “científicas”. Da suposta “preguiça hereditária” do operário, passando pela sua pecaminosa “fertilidade” e chegando aos pressupostos do “darwinismo social”, todas elas procuravam deixar claro que a “inferioridade” do trabalhador era “incurável”.

Da mesma forma, a superioridade do capitalista seria produto de qualidades também inatas, e portanto, impossíveis de serem desenvolvidas pelos membros das classes “obreiras”. Tudo o que se podia fazer era “conscientizar” o proletário. Ou a obedecer humildemente seus superiores naturais, segundo os ideólogos “do sistema”, ou aos seus “salvadores” intelectuais e acadêmicos, detentores privilegiados das chaves do paraíso socialista.

É contra esse “entulho” ideológico que devem se voltar os novos movimentos populares. A classe trabalhadora assalariada, livre das amarras mentais que lhe impõe a condição de eternos tutelados, tem agora todas as condições materiais de empreender por conta própria.

As novas bases tecnológicas da produção, dependente da informação e baseadas em máquinas e equipamentos cada vez mais baratos e acessíveis, permitem toda sorte de oportunidades de inserção nos mercados globais. Portanto a educação e a cultura devem ser voltadas para a máxima valorização da capacidade de empreender.

A verdadeira superação da luta de classes será a unificação de todos os indivíduos produtivos, numa única classe empreendedora.

    

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