A decadência da classe trabalhadora IV


O fim do “modo de vida” baseado no trabalho assalariado, obrigará a atual classe trabalhadora a passar por uma ampla metamorfose, que em alguns casos, a remeterá de volta as suas próprias origens. 

 
Sabemos que historicamente, a atual classe trabalhadora foi formada primeiro por camponeses que, expulsos de suas terras, acabaram por ser utilizados como mão-de-obra nas indústrias, então em processo de formação.

Em segundo lugar, os artesãos, tornados obsoletos pelo novo paradigma tecnológico, vieram a se juntar a eles. Por último, os profissionais liberais passaram aos poucos, a integrar as estruturas burocráticas e técnicas das empresas da era da produção em massa.

Nenhuma análise séria sobre a formação do que chamamos de proletariado, pode deixar de levar em conta os fatores tecnológicos envolvidos. Na realidade, cada etapa da evolução do processo de produção capitalista, está subordinada as exigências da tecnologia disponível.

Considerar que foram as necessidades do capital, as responsáveis por várias dessas transformações, é uma típica confusão criada por acadêmicos. O próprio modo como os capitais são acumulados, aplicados e reproduzidos, depende das condições tecnológicas de cada período.

Devemos nos lembrar que a classe burguesa antecede ao modo de produção capitalista. A fixação dos mercadores e artesãos nos pontos estratégicos, ao longo das grandes rotas de comércio, em geral, deu origem as cidades (burgos).

Isso quer dizer que “burguês” não eram apenas os comerciantes, mas também os artesãos. A razão de podermos considera-los como burgueses, é que sua produção, era destinada exclusivamente ao comércio. Ao contrário do artesão do campo, que fabricava artefatos para o consumo próprio ou no máximo da comunidade adjacente, o artesão “burguês” produzia para o mercado.

A diferença fundamental, é que o artesão não tinha necessidade de acumular capital. Numa sociedade em que os conhecimentos tecnológicos eram rudimentares e os meios de produção baratos, sua única preocupação era manter seu mercado sob controle. Para conseguir isso, criavam-se as corporações de ofício, com regras rígidas, que favoreciam apenas o produtor de bens e serviços. O consumidor deveria se submeter a elas.

Sabemos que o capitalismo nasceu quando o comerciante começou a perceber as vantagens de exercer maior controle sobre a disponibilidade de mercadorias. O passo seguinte, foi passar a produzi-las. Podemos mesmo afirmar que a história do capitalismo, é a história do controle da produção pela classe que antes apenas a comercializava.

Uma questão que deveria nos intrigar é: Por que os próprios artesãos jamais se interessaram em investir, eles próprios, em inovações tecnológicas? A resposta clássica é que eles não possuíam capital e portanto, mesmo que quisessem, não poderiam faze-lo.


Isso não é muito coerente, porque a grande maioria dos primeiros empreendedores, também não possuía (e não possui até hoje) qualquer capital. Costumamos confundir o empresário, rico e bem sucedido, com a figura do “capitalista”. Mas isso não corresponde à realidade.

A história mostra que a imensa maioria das grandes empresas, sempre surgiu a partir da iniciativa de pessoas sem grandes recursos, às vezes inclusive de origem humilde, mas que conseguiram em um determinado momento, um providencial financiamento, vindo de uma ou mais pessoas que acreditaram em suas idéias.

Podemos concluir, que os artesãos também poderiam obter capital para ampliar e modernizar os seus negócios. Afinal eles detinham todos os conhecimentos sobre seu oficio. Qualquer inovação poderia ser imediatamente apropriada por eles. Possuíam inclusive os meios políticos para isso. Mas não o fizeram. Por que?

A resposta é que lhes faltava algo que só o comerciante, muito antes de sua metamorfose capitalista, possuía. O conhecimento do mercado e a disposição de servi-lo. Como vimos, apesar de viverem no mesmo espaço físico (o burgo), esses dois grupos de pessoas pensavam de forma diametralmente oposta. O comerciante era prático e objetivo, o artesão era apegado a tradições e rituais.

O comerciante capitalista apostava no mercado como um todo, e acreditava que lucrava mais ao servir ao consumidor. O artesão buscava o apoio das instituições do Estado e considerava o seu mercado, como propriedade, por direito adquirido. Tendia a se aliar às classes dominantes, que inventavam todo tipo de pretexto para se apropriar da riqueza gerada pela burguesia. Quase toda a obra de Adam Smith, gira em torno dessas questões.

Como o empreendedor não sabia produzir mercadorias, passou a “comprar trabalho” especializado do artesão. Devemos também recordar que os primeiros a utilizar mão-de-obra paga “por jornada”, foram os artesãos, sempre que o número de aprendizes era insuficiente para dar conta das tarefas mais simples. Assim, o camponês, recém chegado à cidade, virou “jornaleiro”.

Por um longo período, a produção capitalista conviveu com essa forma de organização do trabalho. Os artesãos trabalhavam em suas casas, detinham o controle de suas ferramentas, treinavam os aprendizes e contratavam jornaleiros. Só quando algum evento desastroso ocorria ao artesão, o capitalista acabava por se apropriar de todo o “esquema”.

Então surgiram as inovações tecnológicas. Todo um conjunto de máquinas, impulsionadas pela água e depois pelo vapor. Todas muito produtivas mas muito caras. De novo, não havia qualquer impedimento para que os artesãos se juntassem em sociedades por ações, fizessem empréstimos e adquirissem essas máquinas. Depois poderiam vender a produção ao comerciante, e dividir os lucros entre si. De novo não fizeram nada disso.

Karl Marx mostrava que a origem dos capitais era a “acumulação primitiva”. Forma jocosa de se referir às maneiras nada “laboriosas” e muito menos “meritórias” com que se deu a acumulação de capital e sua concentração, nas mãos de uns poucos privilegiados.

Mas ele deixa de lado o fato de que raramente os “acumuladores” primitivos se transformavam em “empreendedores”, figuras que alias, estão quase ausentes de sua obra. Na prática, o capitalismo depende tanto do capital acumulado quanto do empreendedor. E, à medida que a tecnologia e os mercados se tornam complexos, cada vez mais desses últimos.

Enquanto isso, o paradigma tecnológico ditava o cenário. Equipamentos que exigem grande concentração de capital e abundante disponibilidade de mão-de-obra, resultam em rígidas estruturas de produção, altamente concentradas e hierarquizadas. A tecnologia inovadora mas muito cara, acaba por absorver até mesmo o profissional liberal, incapaz de adquirir os novos equipamentos com recursos próprios.

Os “últimos artesãos” (engenheiros, pesquisadores, cientistas, advogados, economistas, etc) passam a integrar a burocracia técnica das grandes corporações. O modo de vida assalariado chega a seu auge a partir dos anos 50 do século 20. Mas a partir daí se inicia um processo de declínio.

O novo paradigma tecnológico dita um novo cenário: Equipamentos cada vez mais baratos e flexíveis permitem a substituição em massa da mão-de-obra, a descentralização da produção, a terceirização, a eliminação das estruturas hierárquicas e a expansão dos negócios pelo mundo todo. É a globalização da economia.

Mas se a conseqüência é o desaparecimento da utilidade do trabalho assalariado para o capitalista, isso não significa que as novas tecnologias sejam desfavoráveis ao trabalho em si. Vimos que o verdadeiro sucesso do empreendedor está no conhecimento do mercado, e não na sua suposta disponibilidade de capital.

Na verdade, grande parte do esforço das novas corporações, está em se livrar também da dependência de grandes capitais. Os sistemas “just-in-time” que reduzem a necessidade de estoques ao mínimo, tanto na indústria como no comércio varejista, não tem outro objetivo.

A substituição de grandes instalações industriais por complexas redes de pequenas fábricas espalhadas pelo mundo, é o segredo do sucesso das novas corporações globais. Muitas já chegam ao requinte de simplesmente não produzir absolutamente nada. Apenas administram cuidadosamente a sua “grife”.

Tudo indica que a exemplo dos computadores pessoais, os sistemas de automação flexível, de uso industrial, irão tornem-se cada vez mais baratos e simples de operar. Um cidadão de classe média já possui hoje, em forma de kits com furadeiras, aparafusadeiras, serras manuais, compressores, etc, ferramentas muito superiores as que eram usadas em indústrias do passado.

A base técnica flexível, que vai do chão de fábrica ao escritório de projetos, também abre a possibilidade de um retorno à era do artesão. Os novos sistemas de telecomunicações e movimentação de pequenos e médios volumes, viabilizam qualquer tipo de trabalho “sob encomenda” e/ou “personalizado”.

Portanto, uma das soluções para a crise irreversível da classe trabalhadora é o retorno ao modo de vida do artesão. Falta apenas assimilar a cultura do empreendedor.
  
  

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