A decadência da classe trabalhadora II
O novo paradigma tecnológico conduzirá a vitória final do
mercado. Isso significará o fim do modo de vida da classe trabalhadora. Mas
devemos tentar analisar até que ponto isso também significara o fim do Estado,
como nós o conhecemos.
Já vimos que os avanços tecnológicos sempre foram os responsáveis reais pela
eliminação, primeiro da supremacia e depois da própria existência das classes
sociais dominantes. Também podemos concluir que o mesmo se aplica à classe
trabalhadora, apesar de não ter em nenhum momento exercido o poder.
As novas tecnologias, baseadas nos robôs, computadores e telecomunicações,
obviamente não irão eliminar o trabalho e sim o trabalhador. Isso não é um
paradoxo. Sempre podemos fazer uma distinção clara entre “emprego” e “trabalho”.
Sendo que o primeiro conceito se refere ao modo de vida de um determinado grupo
de pessoas, enquanto o segundo pode prescindir do primeiro.
Podemos ter trabalho executado por escravos, animais ou máquinas, por exemplo.
Mas o conceito de emprego se aplica somente ao trabalhador, enquanto homem
livre, e membro da sociedade humana organizada. De forma genérica podemos dizer
que o trabalho está ligado ao mercado, enquanto o emprego está ligado ao Estado.
Isso quer dizer que os conflitos entre mercado e Estado influenciam
profundamente a relação entre trabalho e emprego. Sendo o emprego uma relação
social entre pessoas com interesses divergentes, suas regras acabam sendo
estabelecidas pelo Estado.
Já vimos também que o mundo da racionalidade e da objetividade é o mercado, em
oposição ao universo “mágico” do Estado. Concluímos que o “triunfo da razão”
pregado pelos primeiros revolucionários, coincide com a vitória do burguês e não
do proletário.
Quando Karl Marx estabeleceu a questão fundamental de que não havia explicação
racional para a apropriação “preferencial” da mais valia pelo dono do capital,
uma vez que o capital também é trabalho (acumulado), sua conclusão foi a de que,
ao contrário de haver um mercado livre, o que existia de fato era a “luta de
classes”.
Em outras palavras, o que Marx estava afirmando era que de fato não se podia
dizer que a relação entre capital e trabalho, fosse de fato “capitalista”. De
novo, isso não é um paradoxo. O poder do capitalista, para impor um “contrato”
em que apenas ele leva vantagem, não é baseado no mercado, e sim em sua
capacidade de controlar o Estado.
Adam Smith já criticava abertamente as leis que permitiam aos empresários se
organizar de modo à “adulterar” o mercado. Notava que ao mesmo tempo, as
“combinações” entre trabalhadores eram sempre proibidas. Essas leis eram
impostas pelo poder dos Estados e nunca pelos mercados.
Logo, para os marxistas, a solução era a apropriação, pelo trabalhador, do poder
do Estado. Para os liberais, a solução é a eliminação do poder do Estado de
interferir na economia seja de que “lado” for. Daí termos uma espécie de
encruzilhada histórica. De um lado os que defendiam o “Estado proletário” e de
outro os que apostavam na onisciência do mercado.
A história mostrou que as tentativas de controle do mercado, causaram uma
hipertrofia do Estado. A solução mais radical, a tentativa da substituição do
mercado por um sistema de planejamento, foi de longe a pior solução. É por isso
que o colapso da URSS, ao contrário do que sempre acontecia com os impérios do
passado, foi pacífico.
Os Estados “comunistas” não foram derrotados por outros Estados mas sim pelo
mercado, ou pela falta dele. O poder da URSS não foi contestado pelos EUA ou
qualquer outro país, ele sucumbiu à insatisfação de seus próprios cidadãos. A
China, prudentemente se “rendeu”, de novo, não diante de canhões e mísseis, mas
do invencível “mercado”.
O “dirigismo” dos países ocidentais e o “desenvolvimentismo” do terceiro mundo,
sucumbiram a inevitável alienação, causada pelo afastamento de seus Estados, da
realidade representada por seus mercados.
Então isso representa o “fim da história”? A democracia e o livre mercado
venceram e agora as relações entre cada agente econômico é pautada pelo mundo
real. O livre comércio global, sem as desastrosas interferências alienantes dos
governos, sempre irresponsáveis, corruptos e perdulários, promoverá a nova
utopia? Não é o que temos visto.
Por outro lado é inegável que os cidadãos em todo o mundo, nunca foram tão
livres. Conta-se nos dedos os países onde vigoram sistemas totalitários. Por
toda a parte há eleições. Em muitos países o poder foi conquistado por partidos
socialistas, social-democratas, trabalhistas, etc.
Os sindicatos e associações de trabalhadores nunca desfrutaram de tanta
liberdade. Centrais sindicais se formam e influem a vontade na política.
Organizações não governamentais completam o arsenal de instrumentos de pressão a
favor dos menos favorecidos. Mas os trabalhadores estão cada vez mais
vulneráveis.
Vemos quedas espetaculares de renda do trabalho por todo o mundo. Nos EUA os
empregos pioram de “qualidade” a cada ano. Sindicatos gigantescos negociam
aumentos de jornada de trabalho sem remuneração na Europa. Propostas de
“flexibilização” das leis trabalhistas partem até mesmo de líderes sindicais.
O que estaria provocando os enormes recuos nas históricas conquistas das classes
trabalhadoras? A resposta está no novo paradigma tecnológico. Os novos sistemas
de produção de bens e serviços, reduzem cada vez mais a necessidade de
mão-de-obra. Isso é um dado objetivo, e portanto se reflete no mercado. Mais
precisamente no mercado de trabalho.
Como a nova vitória da “burguesia” se da no mercado e não no âmbito do Estado,
as transformações não podem ser mais enfrentadas como no passado. Isso explica a
quase ausência de resistência do “proletariado” ao seu próprio desmantelamento.
Ignorando a nova realidade tecnológica, movimentos populares, partidos políticos
e pensadores acadêmicos, ficam a mercê do paradoxo. Regimes democráticos,
eleições gerais, sindicatos livres, leis favoráveis ao trabalhador e partidos
“operários” no poder, convivem impotentes, com a lenta agonia da classe
trabalhadora.
Existe saída? Sim, mas é necessário que duas coisas sejam entendidas pelas
lideranças populares. A primeira é que o poder do Estado não pode mais salvar o
antigo modo de vida, porque os Estados nacionais logo se tornarão meros
“prestadores de serviços” do mercado. A segunda é que a classe trabalhadora deve
seguir o exemplo das outras duas que lhe antecederam, ou seja, virar
“burgueses”.
As elites do passado, tinham sua riqueza ligada a todo tipo de fórmulas
“mágicas” para legitimar sua supremacia, como os títulos, comendas, honrarias,
etc. Mas “tudo que era sólido, se desmanchou no ar”. Lentamente, foram “caindo
na real” e se tornando empresários, financistas, negociantes, etc. Os que não
conseguiram, viram trabalhadores.
O que era antes atributo de “mecânicos”, “mercadores” ou atividade de “judeus”,
virou sinônimo de aristocracia. O novo “império” não tem mais duques, barões ou
cardeais. Tem “reis” do aço, do petróleo, do software, do cinema, das pizzas,
dos hambúrgueres e até dos cassinos e da pornografia. Os profetas foram
substituídos pelos “analistas de mercado”. O “velho usurário” é agora um
“mega-investidor”, oráculo da maior importância e respeitabilidade.
Alguns dirão que as antigas classes dominantes eram em número muito menor e
portanto, foi muito mais fácil para eles. Não é tão simples assim. A principal
dificuldade em “aceitar o mercado”, está na necessidade de mudança de
mentalidade. E aí, não existe nenhuma diferença.
A crença num mundo “mágico”, marcado por “direitos adquiridos” e “preços
justos”, pode ser tão difícil de superar para um velho aristocrata, quanto à
idéia de “empregos vitalícios” e “salários justos” para um trabalhador, educado
assim por várias gerações.
A tarefa mais urgente portanto, não é defender os trabalhadores e sim evitar que
os jovens queiram se tornar um deles. Cabe aos intelectuais e líderes populares,
ensinar o “sem–capital” a pensar como “burguês” e não mais como “proletário”.
Para os que gostam, isso é que é de fato subversivo!
Ensinar noções de implantação e administração de negócios, marketing e vendas, é
muito melhor do que falar de revoluções fracassadas de um passado distante. Não
de um peixe, nem se de ao trabalho de ensinar a pescar, os barcos com
equipamentos computadorizados fazem isso quase sozinhos. Explique como se ganha
dinheiro “no ramo de pescado”.
A solução para o problema do trabalhador é acabar com o trabalho assalariado
como único meio de subsistência. A transição pode ser feita por meio de
cooperativas (lucrativas) e economia solidária, levada a sério, e devidamente
inserida no mercado.
Conscientizar alguém, não pode mais ser o processo de fazê-lo identificar-se com
uma classe social em extinção.