A decadência da classe trabalhadora XI
Depois do anarquismo em sua versão informacional, a ética
do hacker, a classe trabalhadora conta com a economia solidária para impulsionar
seu processo de inserção no mercado.
Vimos que o novo paradigma tecnológico valoriza o conhecimento muito mais do que
os meios de produção físicos. Também sabemos que o processo de “destruição
criadora” de Schumpeter é fortemente acelerado pela atividade hacker. Isso
resulta no surgimento de muitas oportunidades para novos empreendedores.
Mesmo assim, nem sempre o trabalhador terá condições de agir sozinho e nem mesmo
em pequenos grupos, sobre o mercado. Um dos motivos pode ser a sua própria
dificuldade de adaptação rápida a uma condição de total independência.
Ao longo da história do capitalismo, sempre se pensou numa alternativa ao modo
de produção de estilo competitivo. Essa alternativa, que podemos chamar
genericamente de economia solidária, tomou a forma das cooperativas. Em
princípio, como meras reações à exploração irrestrita dos trabalhadores e o
rápido empobrecimento dos artesãos na primeira revolução industrial.
As primeiras iniciativas partiram de industriais e filantropos como Robert Owen,
na Grã-bretanha e Charles Fourier, na França. Daí por diante, praticamente todos
os sistemas ligados de alguma forma à questão social, propuseram alguma forma de
cooperativa.
Em países capitalistas foram vistas como complementares a economia de mercado.
De reformadores religiosos a organizações fascistas, todos incentivaram
cooperativas Até mesmo Lênin, ao propor a NEP (nova política econômica) na URSS,
previa o sistema cooperativista na agricultura.
Então por que com raras exceções, esse sistema parece sempre definhar ou ficar
reduzido a irrelevância? Por que as propostas de auto-gestão acabam sempre
fracassando? O que haveria de errado numa idéia que parece ser simples e não
contrariar ninguém?
Proponho uma resposta: Essas iniciativas jamais partiram dos próprios
trabalhadores. Sempre foram organizadas, financiadas e dirigidas, na prática,
por alguém ou alguma organização com interesses diversos do que deveria ser sua
finalidade.
Esses projetos nunca foram vistos como um fim em si, ou seja, embora por meios
de gestão diferentes, gerar riqueza e segurança para os participantes, no mesmo
nível de uma empresa capitalista de sucesso.
Mesmo hoje, quando se organizam seminários, congressos e cursos de nível
universitário sobre o assunto, é visível que o objetivo oculto continua sendo a
substituição do “execrável” mercado e do modo de produção capitalista por alguma
utopia política e/ou religiosa.
Em alguns casos o objetivo é explicitamente declarado. Construir uma “nova”
sociedade, estabelecer regras de convivência mais “justas”, lutar contra o
mercado “alienante”, livrar-se do sistema de “exploração”, etc. Esses podem até
ser objetivos válidos, mas para partidos políticos militantes, grupos religiosos
e ONG, não para empreendimentos econômicos.
A cooperativa e a economia solidária, devem ser vistas pelo trabalhador como
instrumentos de inserção nas redes globais de produção e circulação de
mercadorias e capitais. Embora possa se organizar de forma solidária no nível de
sua comunidade ou grupo de interesses, deve ver o resto do mundo com a visão
prática do técnico e com os olhos frios e objetivos do negociante. Em suma, como
empreendedor.
Qualquer outra postura, terá o mesmo efeito que a incompetência, a desatenção ao
mercado, e a desorganização tem sobre a empresa capitalista: A falência
irremediável. Ou no caso da cooperativa, o “capitalismo da miséria” com a eterna
mendicância de favores do governo, de igrejas e até de empresas privadas.
O empreendimento de economia solidária deve ser visto sempre sob o ângulo de sua
auto-suficiência e lucratividade. Seu objetivo deve ser o de facilitar a
obtenção de crédito facilitado, compras em condições vantajosas, obtenção de
tecnologia de produção e gestão, acesso a novos mercados, etc.
Uma cooperativa nunca deve ser vista como “alternativa” ao desemprego. Não mais
do que seria um emprego como outro qualquer. Os membros devem ser escolhidos
como futuros sócios e a liderança deve ser sempre dos próprios participantes.
Deve ser deixado claro desde o início, que o objetivo é o lucro. Que ele será
obtido oferecendo-se algum produto ou serviço atrativo ao mercado. A
justificativa para a escolha da formação de uma cooperativa deve ser sempre algo
como por exemplo:
1) Necessidade de crédito, facilitada pelo maior número de integrantes e
conseqüentemente por maiores garantias.
2) Comprar matérias primas ou mercadorias a preços mais baixos por meio de uma
escala maior.
3) Reunir um grupo com conhecimentos teóricos e práticos que se complementam,
evitando-se a necessidade de compra de tecnologia ou contratações muito caras.
4) Dispor de uma rede mais ampliada de contatos, facilitando a conquista de
mercados.
Uma cooperativa será viável na mediada em que, na falta dessas justificativas,
seja mais simples montar uma empresa privada.
Caso as justificativas sejam do tipo:
1) Não conseguimos emprego, então vamos nos juntar pra ver no que dá.
2) Se juntarmos bastante gente, o governo vai ter de nos ajudar de algum jeito.
3) Que tal convidarmos o padre/pastor/deputado/líder socialista/presidente da
escola de samba/diretor do time de futebol/ para ele arrumar alguma coisa pra
gente fazer?
Nesse caso não é necessário perder tempo com negócios, estudos de viabilidade,
pesquisas de preços, análises de mercado. Pode-se ir direto ao ponto.
Inscrever-se no programa “bolsa família”, no vale-gás, no vale-pelamordedeus,
etc...
Nenhuma iniciativa em economia solidária deve ter outro objetivo além do retorno
do investimento e do tempo empregado pelos membros, na forma de rendimentos
crescentes. O objetivo do cooperado deve ser o mesmo de um investidor
capitalista. Ele deve se preocupar em ganhar dinheiro, não em mudar o mundo.
Um sistema de cooperativas deve servir tão somente para a solução de carências
individuais momentâneas. Se existe pouco capital, o objetivo é obter crédito, se
existe pouco conhecimento e experiência de mercado a idéia é reunir pessoas com
informações que se complementem.
A orientação central do projeto deve ser sua viabilidade. Se não vale a pena
montar uma empresa privada para explorar o negócio, com certeza também é inútil
formar uma cooperativa.
Cuidados especiais devem ser tomados quanto à gestão do projeto. Embora nada
impeça que os participantes sejam membros de algum tipo de grupo político e/ou
religioso, deve-se evitar a todo custo que o empreendimento se transforme em
“experiência” teórica para promover idéias desse tipo.
A orientação deve ser para o mercado. Os objetivos devem ser voltados para se
atingir níveis de excelência aceitáveis pelo mercado. A medida do sucesso jamais
deve ser desligada dos resultados econômicos.
Os objetivos devem ser claros, facilmente compreendidos por todos e ligados a
resultados mensuráveis. Deve-se evitar definir metas subjetivas, ou a prazos
muito longos.
Cada membro deve ser incentivado a participar de todas as decisões. A entrega do
poder a líderes carismáticos, mais velhos ou que tenham ascendência sobre o
grupo fora do empreendimento é receita certa ou para o fracasso ou para a
transformação rápida do negócio em propriedade particular do líder.
Deve se ter em conta em todo momento que a gestão é de longe o ponto fraco de
uma cooperativa. A maioria dos problemas surge a partir daí. Deve-se ter em
mente que essas dificuldades podem ser superiores as vantagens da ação coletiva.
O mito da superioridade da empresa privada está ligado ao fato de um reduzido
número de pessoas ter mais chances de concentrar seus esforços no que realmente
interessa. Nesse caso, o cooperado deve aprender a pensar sempre como “dono” do
negócio.
Apesar do sistema de gestão dever ser coletivo, as responsabilidades devem ser
sempre individualizadas e os resultados cobrados com o mesmo rigor como é feito
numa empresa privada. Os elementos incompetentes ou cujos objetivos sejam
diversos do estabelecido pelo grupo, devem ser eliminados.
Deve ser sempre lembrado a todos, que partidos políticos, clubes, igrejas e
associações filantrópicas costumam administrar seus bens por meio de empresas
privadas ou de administradores profissionais. O que não desmerece em nada as
finalidades a que se propõe.
Economia solidária é um recurso para a inserção no mercado, pode ser até uma
alternativa ao próprio capitalismo, mas não é utopia nem solução para os
problemas sociais da humanidade.