CARLOS REIS

 Artur Gon�alves, Gustavo de Bivar Pinto Lopes

     S� pode bem aquilatar-se do valor duma terra pela excel�ncia dos elementos que a enaltecem ou valorizam. Assim, se h� localidades que se imp�em � nossa admira��o pela majestade de seus venerandos monumentos arquitect�nicos, testemunhas irrefrag�veis dum passado de grandeza ou de patriotismos her�icos, outras vemos, mais modestas sob este ponto de vista hist�rico ou art�stico, ufanarem-se de ser ber�o de homens cujos nomes perdurar�o no hist�ria como de figuras m�ximas, quer nas letras, quer nas ci�ncias, nas armas ou nas artes e tantas outras manifesta��es sublimes da actividade humana.

Justamente se ensoberbece a nobre vila de Torres Novas de ser p�tria dum dos mais not�veis mestres da arte de pintura portuguesa contempor�neo — Carlos Reis.

Nasceu Carlos Ant�nio Rodrigues dos Reis a 21 de Fevereiro de 1863 na Vila de Torres Novas, na casa que seus pais possu�am na cal�ada do Amparo, que do sul faz esquina para a travessa do Prior, pertencente � freguesia de Santiago, em cujo matriz foi baptizado a 9 de Mar�o do mesmo ano, conforme consta do respectivo assento, lavrado sob o n.� 23 a fls. 12 do L.� n.� 24.

Filho do conceituado cirurgi�o do partido municipal Dr. Jo�o Rodrigues dos Reis e de sua mulher D. Maria de Jesus Nazar� Reis, ele natural do lugar da Mata e ela do Pedr�g�o, deste concelho, foram seus av�s paternos Jo�o Rodrigues Cabeleira, propriet�rio e Joana do Carmo dos Reis Cabeleira, maternos Dr. Carlos Ant�nio dos Reis, natural do Chancelaria, deste concelho e m�dico em Leiria, e D. Maria de Jesus Nazar�.

Aluno desde as primeiras letras da escola prim�ria desta vila, e feito o seu exame de instru��o prim�ria, passou a frequentar o Col�gio do Padre Joaquim Correia do Silva, que funcionava na casa da Enfermaria a Valverde, onde se ensinavam as seguintes disciplinas: portugu�s, franc�s, latim, matem�tica e desenho.

Como ao seu esp�rito insubmisso n�o quadrasse o rigor dos termos alg�bricos, nem a monotonia das fastidiosas declina��es latinas, pois j� a arte come�ava de o enamorar, resolveu seu pai destin�-lo � carreira comercial, pelo que em 1876 seguiu para Lisboa, a despeito das l�grimas saudosas de sua santa m�e, a empregar-se no tabacaria do seu parente Fortunato Augusto dos Neves, a assaz conhecida Tabacaria Neves, do Rossio.

A� come�ou logo o seu g�nio art�stico a manifestar-se, pois todos os momentos que o trabalho do balc�o lhe deixava livres os ocupava desenhando figuras e esbo�os de tal forma reveladores dum eleito da arte, que alguns fregueses e amigos da casa se empenharam junto do patr�o para que ao caixeiro artista fosse permitida a frequ�ncia do Escola de Belas Artes.

O pai, ainda amuado com o filho, op�s-se a tal intento, pelo que Fortunato das Neves veio a Torres Novas e de tal maneira advogou a causa do futuro mestre, que conseguiu demover a oposi��o paterna, em consequ�ncia do que Carlos Reis se matriculou no ano de 1881 no Escola de Belas Artes de Lisboa, onde teve como professores Alberto Nunes e Sim�es de Almeida em desenho preparat�rio, Miguei �ngelo Lupi na aula de modelo vivo, e na de pintura Silva Porto, do qual foi um dos mais directos disc�pulos.

Aluno do 2.� ano da Academia, achava-se um dia o mo�o artista na Tapada da Ajuda pintando um quadro, quando sucedeu passar junto dele o pr�ncipe real D. Carlos que, como artista que tamb�m era, parou a admirar o trabalho do rapaz, que achou deveras apreci�vel.

Travando com ele conversa, o Duque de Bragan�a inquiriu das suas condi��es de vida, ao que ele respondeu que era de Torres Novas e que tinha o mesmo nome e idade de Sua Alteza.

Gostou o pr�ncipe do resposta, pelo que lhe prometeu que � custa dele ficava a sua educa��o art�stica.

No dia seguinte o General Sequeira, de cavalaria, compareceu na Tabacaria Neves pedindo licen�a para que Carlos Reis fosse � presen�a do pr�ncipe real. Procurou ele escusar-se alegando n�o ter fato pr�prio para ir ao Pa�o, ao que o general obtemperou que Sua Alteza pretendia falar com o jovem estudante de Belas Artes e n�o com a sua indument�ria. Ainda assim pretendeu furtar-se ao convite, pelo que se tornou preciso que o patr�o impusesse a sua autoridade, ordenando-lhe que fosse ao Pa�o da Ajuda.

Compareceu Carlos Reis ante D. Carlos que o tratou com a sua costumada afabilidade para com os artistas e, levando-o � cavalari�a, lhe mostrou determinado cavalo de sua estima��o, para que o reproduzisse fielmente. Como o futuro mestre modestamente dissesse que n�o tinha os meios necess�rios para esse fim, o pr�ncipe prontamente lhe mandou fornecer quatro libras para esse efeito. Satisfeito com a obra do novel artista, lhe estabeleceu desde logo essas quatro libras por mesada que sempre manteve n�o s� durante o seu est�gio em Paris, mas depois do seu regresso a Portugal at� a nomea��o de professor da Escola de Belas Artes de Lisboa.

Terminando o curso da dita Escola em 1889, concorreu a uma bolsa de estudo de 200$00, que brilhantemente obteve, pelo que, como pensionista do Estado, seguiu imediatamente para Paris, onde permaneceu at� princ�pios de 1896.

Na capital francesa frequentou temporariamente a Escola de Belas Artes, onde entrou por concurso, sendo classificado em terceiro lugar entre quatrocentos e tantos concorrentes a oitenta lugares de alunos.

A� frequentou com grande assiduidade e not�vel aplica��o os “ateliers” dos mais considerados mestres, que em muito apre�o tinham as suas excepcionais qualidades de artista, tais como o famigerado retratista Bonnat e o grande mestre de pintura hist�rica Joseph Blanc, da Academia Colarrossi.

Em 1896 regressava a Portugal e logo concorria ao lugar de professor do Escola de Belas Artes de Lisboa, vago pelo falecimento, em 1 de Junho de 1893, do professor Ant�nio Carvalho do Silva Porto, sendo seus competidores Ant�nio Monteiro Ramalho e Artur Melo. Como Ramalho desistisse, o j�ri entre os dois concorrentes que se defrontavam deu a prefer�ncia a Carlos Reis, pelo que tomou posse da cadeira de paisagem no ano de 1897.

“Ao regressar de Paris a Lisboa trazia Carlos Reis o plano grandioso de fixar em vinte ou trinta grandes quadros a vida do campon�s, transportando para a tela as suas alegrias, as suas m�goas, as suas paix�es e os seus v�cios, mas as dificuldades do meio n�o lhe permitiram a realiza��o desse vasto plano pictural, epopeia r�stica, onde o artista, formalmente submisso � sua educa��o naturalista, n�o deixaria de ceder ao temperamento que Deus lhe deu, e da observa��o (na apar�ncia impessoal, desinteressada e exacta) da natureza, lhe faz tirar, em cada um dos seus grandes quadros, outros tantos hinos � sa�de, � for�a, � alegria da vida, ao trabalho feliz, ao amor s�o e ing�nuo, ao sol criador e � luz bem-dita.[O Pintor Carlos Reis e as modas em pintura por Agostinho de Campos, p. 17].

Muito deve a arte portuguesa ao grande mestre Carlos Reis, que com dedica��o extraordin�ria e compet�ncia incontestada, regeu a cadeira que em boa hora lhe foi confiada, formando uma pl�iade de artistas cujos nomes s�o j� sobejamente conhecidos, como D. Adelaide de Lima Cruz, alma de artista multiforme; Falc�o Trigoso, o inspirado pintor-poeta da paisagem algarvia; Ant�nio Sa�de, original�ssimo int�rprete das manh�s brumosas; Alves Cardoso, retratista e pintor decorativo j� consagrado; Jos� Campos, delicioso paisagista; Frederico Aires, o excelente pintor de marinhas; Armando Lucena e Calderom, artistas t�o inteligentes e apreciados, conforme os classificou o Dr. Agostinho de Campos...

Ponhamos ainda em merecido relevo seus filhos Jo�o Reis e D. Maria Lu�sa Reis, verdadeiros prod�gios de precocidade na arte que hoje cultivam como artistas consumados merc� das li��es paternas.

“Cada um dos disc�pulos de Carlos Reis, diz ainda o Dr. Agostinho de Campos, tem o seu cunho pessoal, inconfund�vel e livremente expandido de dentro dos seus temperamentos diferenciados. O mestre formou-os, guiou-os, mas n�o lhes cortou as asas, impondo-lhes a sua maneira de ver a natureza, de organizar a paleta e dirigir o pincel”.

Foi Carlos Reis o fundador do grupo “Ar Livre”, ao qual sucedeu a c�lebre “Sociedade Silva Porto”, cujas exposi��es anuais testemunham o valor art�stico dos seus componentes, que assim honram o mestre.

Como Lisboa n�o possu�a um pal�cio onde pudessem realizar-se exposi��es de arte, um grupo de artistas, a cuja frente se achava Carlos Reis, levou a efeito a constru��o do belo edif�cio onde se acha instalado a “Sociedade Nacional de Belas Artes” na rua Barata Salgueiro, onde se realizam exposi��es e festas de arte, sociedade de que ele foi fundador em 1902, e que veio continuar o Gr�mio Art�stico que nela se fundiu, sendo Carlos Reis um dos vogais do sua primeira direc��o.

Quando o jornal parisiense “Le Figaro” pretendeu homenagear os diversos Chefes de Estado do Europa com um n�mero especial, ao grande pintor portugu�s Carlos Reis foi confiado a miss�o de pintar o “retrato de El-Rei D. Carlos,” trabalho que foi alvo dos mais rasgados elogios.

Durante v�rios anos exerceu o cargo de Director do Museu Nacional de Belas Artes, �s Janelas Verdes, at� que desdobrado este pela reforma das Belas Artes de 1911 em Museu Nacional de Arte Antiga e Museu Nacional de Arte Contempor�nea, foi em Junho desse ano Carlos Reis nomeado Director deste �ltimo, cuja espl�ndida organiza��o lhe foi incumbida, e que deixou ao fim de tr�s anos.

O seu �ltimo acto no Direc��o do Museu das Janelas Verdes foi a organiza��o da sala dos faian�as e vidros, inaugurada aquando do Congresso de Turismo em Maio de 1911.

� sua elevada categoria de artista e de professor deveu Carlos Reis a nomea��o de secret�rio do j�ri de admiss�o �s exposi��es do Gr�mio Art�stico de 1896 e 1897; vogal nos de 1898 e 1899, bem como nas do Sociedade Nacional de Belas Artes de 1905, 1906, 1909 e 1913.

Nomeado ainda para a de 1914, pediu escusa do cargo e foi substitu�do por Alves Cardoso.

Da direc��o do Gr�mio Art�stico fez parte nos anos de 1897, 1898 e 1899, bem como da Sociedade Nacional de Belas Artes em 1903, 1909, 1910 e 1911.

Artista consagrado desde muito, tem concorrido com os seus trabalhos not�veis a diversas exposi��es tanto nacionais como estrangeiras, pelo que lhe foram concedidas as seguintes recompensas, que n�s saibamos:

Medalha de honra do Sociedade Nacional de Belas Artes, nos exposi��es de 1906 (�leo) e de 1920 (�leo), de 1.�, classe na Exposi��o de 1902 (�leo); medalha de oiro no Exposi��o Internacional de Dresde de 1897 e no Exposi��o Internacional de Barcelona; medalha de 1.� classe no Exposi��o do Rio de Janeiro de 1924 e Grand Prix no Salon do Rio de Janeiro, etc.

� s�cio honor�rio do Sociedade Nacional de Belas Artes, e orgulha-se de n�o possuir venera alguma, apesar de haver sido proposto para o grau de Comendador do Ordem de Santiago, distin��o que n�o aceitou.

Membro do Academia de Belas Artes de Lisboa, quando esta foi dissolvida e substitu�da por outra, recusou o lugar para que foi eleito por unanimidade um ano ap�s a sua funda��o.

Atingido pela lei inexor�vel do limite de idade, houve de jubilar-se em 1933, sendo nessa ocasi�o nomeado professor honor�rio da Escola de Belas Artes de Lisboa.

No dia 22 de Maio de 1925 os seus directos disc�pulos e in�meros admiradores prestaram uma merecida homenagem ao Mestre, inaugurando no Sociedade Nacional de Belas Artes uma exposi��o dos seus principais trabalhos, com uma sess�o solene em que o conceituado professor Dr. Agostinho de Campos fez uma not�vel palestra, publicado em folheto sob o t�tulo CARLOS REIS e as modas em pintura (Livrarias Aillaud & Bertrand, Lisboa, 1925)

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 A SUA OBRA

     Durante mais de 50 anos de actividade art�stica, Carlos Reis tem produzido uma obra verdadeiramente not�vel, n�o s� pela qualidade como pela quantidade. N�o seria f�cil, nem talvez poss�vel, estabelecer o invent�rio rigoroso dos seus trabalhos, entre quadros de g�nero e paisagem, retratos, decora��es e desenhos. Tentou-o Artur Gon�alves sem o conseguir inteiramente, deixando ainda assim nota de mais de 200 quadros, e Albino Forjaz de Sampaio, no n�mero que lhe dedicou da sua “Colec��o Patr�cia”, menciona 40 exposi��es a que o mestre concorreu de 1896 at� 1931 com perto de 200 trabalhos.

Para me guiar na organiza��o duma lista t�o completa quanto poss�vel desses trabalhos, pedi a Jo�o Reis (e � imposs�vel escrever de Carlos Reis sem acudir ao bico da pena o continuador do seu nome e da sua fama) que me fornecesse tudo quanto porventura tivesse coligido sobre os cr�ticas ou simples refer�ncias vindas no Imprensa. Mas eu, que j� antevia qu�o pesada seria a tarefa de que levianamente me incumbira, fiquei positivamente atordoado quando me chegaram �s m�os, pacientemente compilados pela sua filial devo��o, nada menos de 18 grossos volumes cheios de recortes de ilustra��es e jornais portugueses, brasileiros, argentinos, espanh�is, franceses, alem�es, su��os e ingleses...

Desses recortes, os primeiros que encontro referem-se a uma exposi��o em 1887 no qual Carlos Reis apresentou o “retracto da Snr.� D. Guilhermina Roxo”. Eu estava em �frica havia poucos meses quando recebi carta do jovem estudante de Belas Artes, dizendo-me que ia expor esse retracto que ele esperava come�asse a dar-lhe nome, por ser a retractada muito conhecida em Lisboa. Efectivamente a cr�tica foi-lhe francamente favor�vel, dedicando-lhe artigos elogiosos os conhecidos publicistas Lino do Assun��o nas “Novidades” e Zacarias de A�a no “Correio da Manh�”. O mais curioso � que o primeiro diz que Carlos Reis “quando pinta bem � quando foge da Academia, quando se liberta da vista inquisitorial dos lentes, da sua influ�ncia pedante e, sem peias nem observa��es, se entrega todo � impetuosidade do seu talento”. Isto �: por mais incr�vel que isto hoje pare�a, o que � certo � que Carlos Reis j� passou por revolucion�rio ...

Essa exposi��o n�o foi todavia a primeira a que concorreu. Sei isso porque a algumas assisti eu antes de ir para �frica, e tamb�m porque o diz Zacarias de A�a no mesmo artigo: “Quando aqui me ocupei duns quadrinhos de Carlos Reis que vi na Exposi��o do “Grupo do Le�o”, disse que eram a aurora dum espl�ndido dia. Pois bem, fui profeta no minha terra — porque o dia n�o tardou a raiar, e espl�ndido, como eu prognosticara”.

Em Dezembro do mesmo ano exp�s no “Grupo do Le�o” o Caminho da fonte, a que “O Dia” chamava uma brilhante promessa.

De volta de Paris trouxe, entre outros menos importantes, os c�lebres quadros Manh� de Clamart e P�r do Sol, que mais tarde foram perdidos, como j� se disse, num naufr�gio. Desse ano de 1895 data verdadeiramente a sua consagra��o definitiva como pintor de g�nio. No ano seguinte na exposi��o do “Gr�mio Art�stico”, dizia o “Di�rio Popular” que Carlos Reis ocupava o lugar proeminente, com os seus quadros Ao cair do tarde, Domingo de primeira comunh�o, Vacas no pastagem e Retracto de minha m�e. E todavia nessa mesma exposi��o figuravam trabalhos de Malh�a, Salgado e outros.

Alguns cr�ticos lamentaram que n�o se dedicasse antes � paisagem de Portugal, o que creio lhe seria bastante dif�cil pintando em Fran�a; mas esse defeito depressa desapareceu, e poucos paisagistas conseguiram ver, sentir e reproduzir com mais verdade e maior emo��o o campo, o sol e o ar de Portugal, como ele o tem feito e continua fazendo. No “Correio Nacional” de 8 de Maio de 1896, escreveu Franco Fraz�o (depois Conde de Penha Garcia) um brilhante e entusi�stico artigo sobre Carlos Reis, que lamento n�o poder transcrever na �ntegra pois isso me levaria muito longe; mas n�o resisto a copiar da j� citado Confer�ncia de Agostinho Campos (O pintor Carlos Reis e as modos em pintura) o seguinte excerto desse artigo: — “Os seus quadros duma factura largo e vigorosa, n�o acusam esfor�o; v�-se neles claramente que o poder de execu��o e a faculdade de concep��o existem no artista perfeitamente equilibrados; adivinha-se a espontaneidade, a abund�ncia de dotes naturais. A cultura do esp�rito, a perfei��o da educa��o profissional, transparecem sem d�vida nos telas de Carlos Reis; mas predominam sempre as qualidades naturais, de prefer�ncia �s manifesta��es do talento acad�mico, ou do estudo cl�ssico das escolas. Devido � conviv�ncia e �s li��es de Silva Porto, bem cedo a poesia da vida campestre atraiu o esp�rito de Carlos Reis. Se, por�m, a paisagem ou, melhor, os aspectos da vida do campo constituem o seu assunto preferido, nem por isso o retracto, as cenas de interior e v�rios outros g�neros de pintura deixam de ser por ele cultivados com manifesta superioridade. Apologista do pintura de ar livre, pertence � falange ilustrado por Lepage, Millet, d'Aubigny, Jules Breton, Silva Porto e muitos outros”.

Por essa �poca Carlos Reis mandou a Berlim um desses grandes quadros, P�r do Sol, e a “Ilustra��o Alem�” referia-se ao seu autor bem como a Columbano, como a dois artistas completamente originais.

� evidente que n�o posso transcrever, nem sequer resumir os 18 volumes de recortes que Jo�o Reis me forneceu, nem praticamente seria poss�vel reproduzir, descrever, e apreciar tudo quanto o Mestre produziu at� hoje. Haveria para isso graves impedimentos de v�ria ordem, como os de natureza or�amental e, n�o menos importantes, os que implicariam a capacidade de toler�ncia do leitor mais ben�volo.

Digamos entretanto que nas exposi��es efectuadas nos anos seguintes, Carlos Reis foi merecendo da cr�tica aprecia��es sempre mais elogiosas e entusi�sticas, distinguindo-se “O Popular” pela pena do cr�tico que assinava Um ignorado, “Novidades” pela de H. de V., “Tarde” pela de Cassio, “A Arte” em artigos sem assinatura, “Mala da Europa” pela pena de Abel Botelho, etc.

Em 1898 pintou a bela paisagem Nas margens do Almonda.

Em Janeiro de 1900 a Escola de Belas Artes exp�s os quadros que iam ser enviados � Exposi��o de Paris. Havia-os de D. Carlos, de Columbano, Malh�a, Salgado, Condeixa, Sousa Pinto, etc. Acerca dessa exposi��o dizia o “Correio Nacional”: — “Quem se apresenta por modo verdadeiramente not�vel � o ilustre paisagista Carlos Reis, cujas obras ser�o sem d�vida o great event da nossa exposi��o art�stica em Paris”.

Por ocasi�o dessa exposi��o publicou-se em Paris a revista “Le Portugal � l'Exposition onde se l�: —“M.  C. Reis est, dit-on, un ind�pendant, ennemi des �coles et des proc�d�s. 11 ne reconnait d'autres ma�tres que sa propre organisation et la v�rit�.  Nous ne sovons si ce sont ces bons pr�ncipes qui lui ont cr�� des obstacles et des difficult�s, ce sont eux cependant qui 1'ont conduit � nous montrer, dans l'Exposition actuelle, des toiles excellentes. Outre les tableaux expos�s pour lui dans les salles du Grand Palais, il faut aller voir les huit magnifiques toiles qui d�corent la section portugaise aux arm�es de terre et de mer et qui sont dues, � son habile pinceau. L’oeuvre de M. Carlos Reis comprend des portraits et des paysages. Deux portraits de la m�re de cet artiste et un outre, en pied, de Mlle. M. M. Les deux premiers sont trait�s avec cet amour du fils qui emploie toute la magie de son pinceau pour perp�tuer des traits ch�ris. Dans le portrait de Mlle. M. M., M. Carlos Reis s'applique � �tre 1'interpr�te de la jeunesse, et il nous semble vraiment que 1'on ne peut facilement jeter sur une toile plus d'�l�gance dans 1'attitude, plus de parcimonie et d'harmonie dans la couleur. Mais M. C. Reis, quelque distingue d�j� comme artiste, est encore assez jeune pour que son talent de portraitiste puisse encore s'accroitre, car comme paysagiste son talent est indiscutable. Le tableau “Matin � Clamart”' serait � lui seul suffisant pour �tablir la r�putation de son auteur; il est bon toutefois de le mettre en regard de ses autres oeuvres: Coucher de soleil, L'Automne et Dans la prairie. Les effluves de la Nature se d�tachent sur ces belles toiles et touchent 1'�me de qui les contemple. M. Reis a une pr�dilection marqu�e pour les heures extr�mes de la journ�e, et sa palette color�e et changeante poss�de le pouvoir magique soit de jeter dans notre �me les tristesses du soir, comme dans le Coucher de Soleii, soit, comme dans le Matin � Clamart, d'�veiller en nous des id�es po�tiquement charmantes que nous sugg�re une matin�e que 1'on ne saurait r�ver ni plus suave ni plus transparente ni plus lumineuse”.

Nesse mesmo ano, foi Carlos Reis convidado a mandar a Dresde em 1897 o justamente famoso quadro Retrato de Minha M�e, que se achava ent�o exposto em Paris e ao qual no dito convite se prometia um lugar privilegiado. A prop�sito desse retracto, de cujo t�cnica impec�vel, de cujo delicadeza de toque, da ternura com que foi pintado, tantos cr�ticos falaram, alguma coisa posso eu contar que certifica a sua inteira semelhan�a com o modelo que muito bem conheci. A hist�ria � simples: O quadro estava colocado numa sala da resid�ncia de Carlos Reis em Torres Novas quando chegou uma mulherzinha que se dirigiu ao retracto perguntando-lhe com muito interesse se estava melhorzinha ...

N�o resisto a contar outro caso parecido, acontecido h� pouco tempo comigo mesmo. O conhecido quadro de Mestre Carlos Reis A talha vidrada, por este oferecida ao Museu Municipal de Torres Novas, tinha sido retirado da moldura � espera de ser envernizado. Achava-se encostado � parede num gabinete interior, quando entrou no sala de leitura da biblioteca anexa um frequentador da mesma; quando passava viu o quadro, afirmou-se um pouco, e disse-me: “Tem gra�a, julguei que era um quadro que ali estava”. O que ele julgou foi que era uma mulher de carne e osso.

Neste ano de 1900, o artigo que se me depara no “Di�rio da Tarde”, e que eu mais lamento n�o o poder transcrever, � um de Justino de Montalv�o em que o distinto escritor diz, entre muitos outras coisas justas e po�ticas, que �o sol do nosso pa�s de encanto noivou com esta alma de pintor. E desse maravilhoso noivado uma resplandecente efloresc�ncia desabrochou nas suas telas”.

Numa exposi��o do S.N.B.A. em 1902, como para responder � observa��o antigo acerca da paisagem de Fran�a, o conhecido cr�tico de Arte, Dr. Jos� de Figueiredo, dizia no “Dia”: — “Carlos Reis, que j� tinha dado provas bastas de ser artista de grande valor, individual e �ntegro, afirma-se nestas suas paisagens como profundamente portugu�s. Tendo-se compenetrado e embebido, nas suas demorados excurs�es pelo campo, dos nossos c�us quentes e dos nossos fundos, menos vagos e incertos do que os franceses, mas mais puros e luminosos, a sua factura tornou-se mais s�lida, sem nada perder da sua antiga e encantadora fluidez. Sincera e verdadeiramente poeta, sentindo a natureza e identificando-se maravilhosamente com ela, a justeza dos suas paisagens bret�s e as reminisc�ncias que delas, ainda n�o h� muito, deixava entrever, n�o eram portanto — prova-o bem agora com estes trabalhos �ltimos — impot�ncia, mas poder”.

Tamb�m em 1902 pintou em Torres Novas O Moinho dos Gafos, que se encontra no Museu do Rio de Janeiro.

Na Exposi��o da mesma S.N.B.A. em 1903 aparece tamb�m Carlos Reis e no “Dia” l�-se: “ ...Os dois gloriosos aqui, os Mestres da sala dos Mestres, s�o Carlos Reis e Jos� Malh�a”. Nesse mesmo ano Carlos Reis pinta o grande quadro representando a glorifica��o dos descobrimentos portugueses, com que foi decorado uma das salas do Museu de Artilharia.

O ano seguinte foi assinalado pelo c�lebre retracto do Rei D. Carlos, que foi exposto em Paris em 1905 e se encontra hoje no Pal�cio de Vila Vi�osa.

A prop�sito desse quadro dizia “O Di�rio Ilustrado de 29 de Fevereiro de 1904:— “A cr�tica nem sempre tem sido ben�vola com esse artista que � indubitavelmente um pintor de ra�a. A raz�o � simples: Carlos Reis p�e acima de tudo a sua consci�ncia profissional e por nenhum modo transige com as “c�teries” e com as sociedades de elogio m�tuo. Sens�vel �s m�s vontades, aos azedumes e �s frechadas dos que fazem vida do maledic�ncia temperada com os condimentos duma literatura muito apreciado nos caf�s, concentrou-se e esperou a sua hora de completa justi�a que tinha fatalmente de vir, visto como n�o h� cr�ticos tendenciosos que tenham jeitos de anular o talento naquele que o possui. O retracto de El-Rei, a �ltima tela que o artista exp�s no seu atelier, tem causado verdadeira admira��o nos entendidos, sendo un�nime a homenagem prestado a Carlos Reis pela Imprensa e por todos os que t�m contemplado essa verdadeira obra de mestre”.

No “Di�rio de Not�cias A. Lobo de �vila publicou um artigo donde extractamos os seguintes per�odos:— “A figura de El-Rei est� desenhada com firmeza e primorosamente pintado. O toque seguro e franco modela o busto com frescura. � a medida do bom acabamento, que n�o deixa retic�ncias de forma e de cor, para os olhos do observador preencherem com dificuldade, mas que nada tem da pintura tourment�e ou mi�dinha. � o caso de dizer: in media virtus. Num esc�r�o h�bil, inteligente, o pintor colheu bem as linhas mais prop�cias do seu r�gio modelo, as mais correctas, mais senhoris e mais elegantes, para dar o movimento da figura do cavaleiro, combinado com a do garboso corcel por ele montado. Da figura de El-Rei, e da express�o do seu rosto, pode dizer-se que se desprende, para valorizar esta obra de pintura, essa suprema qualidade de estiliza��o que, como diz Charles Blanc, � o mais alto ponto a que a obra de Arte pode atingir. Quem v� este quadro surpreende na sua figura principal a figura dum Rei”.

Por essa ocasi�o publicou “O Correio da Noite um longo artigo de que destacamos estes trechos:— “N�o nos lembramos de nenhuma obra de arte, que tenha alcan�ado mais completo �xito nos �ltimos anos” ...

“Sobre o bel�ssimo quadro de Carlos Reis tem-se falado e escrito muito e, no entanto, atrav�s da rapidez e fugaz descri��o jornal�stica das impress�es dos visitantes, sente-se, quase sempre, vibrar uma emo��o verdadeira e sentida”.

“A figura de El-Rei est� soberbamente tra�ada, a naturalidade do semblante, de aspecto nobre e bondoso, a viveza inteligente do olhar, real�am a exactid�o e verdade do movimento e posi��o do corpo, que cai bem no sela, dominando o admir�vel corcel que El-Rei monta. El-Rei a cavalo destaca-se naturalmente na tela, t�o harmonicamente ligado �s mais insignificantes min�cias do quadro, que n�o h� plano, mancha ou contorno que se n�o adivinhem subordinados a essa figura primacial. O corcel que El-Rei monta est� soberbamente pintado, tem vida, movimento, sangue e nervos, os oficiais superiores que acompanham El-Rei, e cujo agrupamento � deveras feliz, est�o s�bria e admiravelmente retractados; a paisagem � emocionante de luz e realidade; as figuras dos soldados, que ocupam os �ltimos planos, est�o indicados com perfeita naturalidade; todo o quadro tem tanto ar e tanta luz, que nos d� clara e poderosamente a impress�o do campo, do ar livre, da nossa terra portuguesa. No entanto o esp�rito, sentindo cada uma destas qualidades est�ticas, todos concentra na figura de El-Rei, que domina o quadro com um vigor de tons e uma nobreza de linhas, que fazem a maior honra ao pincel de Carlos Reis. Este retracto ficar� no pintura portuguesa com um assinalado valor est�tico”.

E termina assim: — “O retracto de El-Rei � uma obra profundamente sentida. Quis o artista testemunhar por ela o seu reconhecimento e gratid�o a quem deve tantas e t�o cativantes provas da r�gia estima. Fazendo este retracto e oferecendo-o a El-Rei, realizou um bem antigo desejo do seu esp�rito e do seu cora��o. Quem escreve estas linhas conhece Carlos Reis h� muitos anos e seguiu com o maior interesse art�stico a realiza��o da obra prima de que vem falando; do qual se pode dizer que a nobreza dos sentimentos que a originaram se casa bem com a pureza dos ideais est�ticos que ela realizou”.

Abel Botelho, nos “�cos da Avenida” disse pela mesmo ocasi�o: — “ ... Esse soberbo retracto de El-Rei, admir�vel exemplar de pintura em plein air com a sua luz quente e exacta, com a sua amplid�o de planos e o seu violento destaque das figuras, vibrando todo dum forte cunho pessoal e fazendo-nos evocar pela magia da impress�o, pelo modelado, pela cor, pelo processo, vagas reminisc�ncias de Lebrun, Meissonier, Ger�me e outros grandes fixadores cl�ssicos da figura humana”.

Falou-se tamb�m muito do retracto do Dr. Avelino Monteiro, exposto pela mesma ocasi�o. Mas antes de passarmos a outras obras, vejamos o que estrangeiros disseram do Retracto de El-Rei D. Carlos quando exposto no Salon de 1905. Como os cr�ticos do Salon tinham que examinar milhares de trabalhos, n�o � de estranhar que a poucos possam consagrar aten��o, e que a esses mesmo n�o dediquem grandes aprecia��es. J� o facto de citar algumas obras expostas representa por essas privilegiadas considera��o desusado.

Assim fizeram simples refer�ncias ou curtas aprecia��es ao Retracto de D. Carlos: “�clair” (un tr�s beau portrait de Sa Majest� le roi du Portugal passant une revue, accompagn� de sa maison militaire); “Evening Standard” (O retracto em tamanho natural do Rei Carlos 1.� de Portugal, cercado pelo seu brilhante Estado Maior, pintado pelo c�lebre artista portugu�s Carlos Reis num quadro imponente; a semelhan�a do Rei e dos seus oficiais � fidel�ssima ao que me dizem): “Figaro” (on classera parmi les meilleurs portraits de l'an�e : ... du Roi de Portugal avec sa suite); “Lyon R�publicain” (M. Carlos Reis a expos� un beau portrait du Roi de Portugal, d'une notation tr�s juste et d'une coloration fort bien �tudi�e): “Le Voltaire”; “Le petit Var”; “L'Art et les artistes” (Le portrait de roi de M. C. Reis est fringant et d�coratif � souhait); “Petit Journal” (Le roi Carlos de Portugal, � cheval, suivi de son brillant �tat-major, est une toile troit�e avec �clat par M. Carlos Reis, bon peintre portugais, �l�ve de nos ma�tres); “La Libert�”; “La D�p�che de Rouen”; “Le Petit Journal” (Le souverain (Eduardo VII), dirig� par son cuide comp�tent (Detaille), s'est arr�t� devant les principales oeuvres expos�es, notamment devant le portrait du roi de Portugal et de sa maison militaire par Cartas Reis); “L'Art et la Femme” (11 y a foule sympathique devant le portrait du Roi de Portugal don Carlos I et de sa maison militare, por un artiste de Lisbonne, M. Reis); “Allgemeine Zeitung (Un portrait �questre exquis du Portugais Carlos Reis r�pr�sente le roi du Portugal � la t�te de son �tat major); “Journal de 1'automobile” (le grand tableau de M. Carlos Reis, r�pr�sentant le Roi du Portugal avec sa suite; les montures sont peintes avec beaucoup de largeur et de verve et une excelente couleur); “Patrie”, em artigo assinado por Jean Tarbel (Cette salle, tr�s grande, contient des ceuvres interessantes. L'une des meilleures est le portrait de S. M. le roi, de Portugal Don Carlos 1 et de son maison militaire, par M . Reis; le roi est vu � cheval de trois quarts; un groupe d'officiers en grande tenue le suit; � gauche, ou fond d'une pelouse, on aper�oit la haie des fantassins; la peinture est claire, brillante, quoique in�gale d'ex�cution; les chevaux sont bien construits; les uniformes, les ors et les cuivres �clatent en tons riches.); “L'Art et La Mode”; “�cho de France” (De M. Carlos Reis le portrait du roi de Portugal, plein de qualit�s de lumi�re qui papillote un peu sur les chevaux, les casques, les uniformes, toutes ces choses bien �tudi�es, que M. Detaille doit estimer mieux que personne.); “Le S�maphore; “La Revue Fran�aise”; “Die Post”; “Neuest Nachrichten”; “Tagblatt der Stadt St. Gallen”; “K�lnische Zeitung”; “National Zeitung” (n�o s� retractou de maneira not�vel D. Carlos 1, mas tamb�m lhe deu um magn�fico quadro militar); “Sonn-u-Montags Zeitung”; “Neue Z�rcher Zeitung”.

J� ent�o Carlos Reis trabalhava no decora��o da solo de baile do hotel do Bussaco. “O Correio da Noite” descreve assim as pe�as que se destinavam a revestir uma parede de 14 metros: — “A composi��o � muit�ssimo feliz, oferecendo um belo aspecto decorativo. Representa uma festa medieval numa floresta dum colorido p�lido e sentimental. Os grupos de m�sicos tomam elegant�ssimas posi��es. Os trovadores tangem as liras e figurinhas suaves e melanc�licas dedilham cravos, c�taras e harpas. Dum dos cantos surge o castelo medieval donde vem descendo o senhor, a castel� e seus convidados”.

Em princ�pio de 1906, “Os Burros”, pela pena (iria jur�-lo embora n�o assine o artigo) de Joaquim Madureira, dizia de Carlos Reis, que expusera poucos dias antes no Sal�o Bobone com os seus disc�pulos dilectos: — “Certo que nem todos os quadros se igualam, nem todos t�m, como Arte, o mesmo significado e o mesmo valor, e, se no cat�logo do Mestre, O Grilo do Pen�do em painel de Museu, � um breve resumo de todo a t�cnica inconfund�vel dum grande pintor, que joga �s dificuldades e ganha nos imposs�veis, ainda assim ele n�o vale este Moinho da Azenha, paisagem sem c�u, com os primeiros planos a esbarrarem-se na encosta �ngreme dum monte e que �, entre os palmos de paisagem portuguesa que os nossos maiores paisagistas t�m passado � tela, o peda�o mais s�lido, mais forte, mais caracter�stico e mais portugu�s que eu conhe�o na pintura contempor�nea. Como paisagem Carlos Reis nunca fez melhor, e como Arte n�o conhe�o que muitos hajam feito igual ou t�o bom. Na Levada do Moinho — com �guas, com c�u, com verdes de arvoredo e muros brancos de casas — a vista repousa, talvez, com maior encanto, com maior prazer do que sobre os tons barrentos e fortes da Azenha, e estou em dizer que no Museu de Arte Contempor�nea, onde se deviam albergar apenas as raras obras primas dos mestres do nosso tempo, seria a Levada o pendant da Azenha, se n�o fora a minha antipatia pela figurelha de saioto vermelha e mantilha branca que, a meio do riacho, decora, em cart�o postal,

este regressivo do natureza”.

J� ent�o — e perdoe-se-me o par�ntesis — ent�o Jo�o Reis expunha quadros, e dele dizia o mesmo Joaquim Madureira no mesmo artigo de “Os Burros”: — “Jo�o Reis, que na certid�o de baptismo tem dezassete anos de idade, — nestes sete quadros do Bobone parece, com todo o frescor do juv�ncia, ter trinta anos de ar livre e quarenta de atelier. N�o � um debutante a tactear incertezas; � um virtuoso a orquestrar dificuldades. A largueza da factura, com dedadas soltas, com pinceladas cegas, n�o e uma bizarria do acaso, e, como n�o pode ser um segredo do of�cio, tem de se admitir que seja — um dom da natureza. Quer com cores vivas, verdes macias e tenras, amarelos suaves e brandas, ele deixe correr a paleta na alacre sinfonia dos dias radiosos de sol, como na Margem do Rio, no Moinho da Levada e no Outono no Arieiro, quer, em tons magoados e sombrios, castanhos terrosos e barrentos, negros esfumados e duros, ele carregue a esp�tula na melanc�lica meia-tinta das tardes nubladas de chuva, como no Canto triste, nas Casas velhas ou na Latada do Moinho, Jo�o Reis sente e faz sentir a alma da paisagem, e os seus quadros, em que h� a frescura das sombras e o brasido dos soalheiros, deixam-nos nos olhos a impress�o viva das cores, mas deixam-nos no esp�rito o misterioso sentimento da Natureza. O Moinho do Levada � o quadro dum belo pintor, mas a Latada do Moinho � o poema dum grande artista. Aos dezassete anos quem assim pinta embora seja filho dum Artista-pintor, como o Mestre Carlos Reis, tem obriga��o de vir a ser, de aqui a uma temporada de trabalho fecundo, de fecundas e trabalhosas inicia��es, n�o s� o maior pintor da sua fam�lia — mas um dos maiores pintores dos nossos tempos e o maior artista da sua terra — porque Jo�o Reis, quase uma crian�a, um rapazelho imberbe e esgrouviado, j� hoje solta em talento, em intui��o, em sentimento e em factura, com malabarices de paleta e japonerias de cor, para cima dos camaradas e dos mestres — parecendo, o garoto, que veio ali para o   sal�o, com dois ou tr�s pain�is, jogar o eixo com o Pai — passando-lhe por cima de trinta anos de atelier — e trinta anos fecundos e prodigiosos de prodigiosa e fecunda Arte”.

Fechei o par�ntesis e n�o o tornarei a abrir, n�o v� o Pai ter ci�mes do filho... Al�m disso n�o quero invadir os dom�nios do Sr. Carlos Sombrio a quem a gl�ria de Jo�o Reis pertence de direito, embora me perten�a tamb�m um pouco a mim visto ele ser uma das melhores, mais fortes e mais belas obras de seu Pai.

Na “Prov�ncia”, de Viseu, Ribeiro Artur dizia em 24.5.907: — “ Em Portugal ainda h� um pintor retratista que ultimamente muito tem subido. Dum verdadeiro talento e grande capacidade, Carlos Reis que de volta de Paris vinha, embora audacioso, ainda periclitante, saindo para fora das normas do esp�rito natural fazendo arrojadas tentativas e caindo em exageros, hoje equilibrado e retemperado pela doce atmosfera da p�tria, em plena pujan�a da sua individualidade, tornou-se um mestre nessa dif�cil arte de retractar. Na �ltima exposi��o do Sociedade Nacional de Belas Artes o retracto do Conde de Sabugosa e outros que apresentou, entre os quais o duma senhora, s�o verdadeiros primores”.

No “Dia” 8 de Maio de 1909, o Dr. Jos� de Figueiredo faz observa��es severas a v�rios retratos expostos por Carlos Reis, e termina assim: — “Na obsess�o do retracto, g�nero onde o Sr. Carlos Reis, com todo o seu talento de pintor, correr� o risco de n�o deixar de ocupar nunca um segundo plano, o Sr. Carlos Reis quase abandonou a pintura de paisagem. Lastimamo-lo deveras. O Sr.  Carlos Reis provou largamente, nesse campo, o seu grande valor. E ainda este ano, em pequenas telas sem pretens�es, e feitas decerto para repousar dos seus trabalhos de retracto, se afirma o mesmo tradutor brilhante dessa nossa velha m�e e amante de todos os dias, a Natureza”.

E todavia, � desse ano e figurou numa exposi��o o belo retracto do Conde de Mafra e outros que foram todos elogiados pela cr�tica.

Num “Di�rio de Not�cias de Junho de 1911 depara-se-nos a transcri��o de parte dum artigo de Vega y March do “Di�rio de Barcelona”, que passo a trasladar: — “Do conjunto da sec��o de Portugal sobressaem os quadros firmados por Carlos Reis, e que s�o, tr�s deles pelo menos, os tr�s retratos, verdadeiras obras de Mestre. Com absoluta fidelidade d�-nos o pintor nos seus quadros a ideia exacta das personagens retractadas; neles resplandece a vida em modalidades diferentes, mas sempre com a mesma intensidade real, com a mesma energia de evoca��o e de representa��o; a sua clarivid�ncia de que o artista se n�o limita a reproduzir-nos os rasgos f�sicos do semblante, pois busca tamb�m no temperamento, no esp�rito das personagens que retracto, dando-nos delas uma exterioriza��o est�tica que faz recordar o trabalho dos grandes mestres da pintura; respeitador da verdade, procura formas de express�o justas e belas, para todos os elementos do conjunto, tratando-os com sobriedade, com simplicidade, com certa grandeza de execu��o, o que constitui um dos seus maiores m�ritos. N�o cai no trivial da factura detalhista, nem no vago e no imprevisto dos que fazem gala em n�o atender aos detalhes. O seu pincel, inteligente e probo, se nesta forma sabe expressar a ideia, det�m-se no que exige, pelo seu car�cter e aten��o; passa sem deter-se, n�o como se fugisse, com a nobre majestade do grande senhor, por aquilo que n�o requer prodigalidades extremas. O car�cter pictural das suas obras oferece evidentes analogias com o dalguns grandes pintores espanh�is”.

Em 1911 tamb�m pintou o retracto do Dr. Pinto Lopes, advogado em Torres Novas, excelente trabalho que estava destinado a ser destru�do por um inc�ndio em �frica, por ocasi�o duma revolta de ind�genas em 1917; e o admir�vel retracto do ilustre pintora D. Adelaide Lima Cruz, do qual se fala adiante.

Em 1912 encontramos Carlos Reis em Madrid na Exposici�n de Bellas Artes. E lemos em “El Liberal”:-— “... dos retratos: el del Dr. Avelino Monteiro y el de la Exma. se�ora do�a Adelaide de Lima, debidos al pincel de Carlos Reis. El del doctor recuerda la paleta de Domingo M�rquez; con esto creemos haber dicho todo. El segundo, adem�s de la solidez de su factura, de la caliente y jugoso dei calor, de la vida que brilla en aquellas ojos negros, es de una eleg�ncia suprema. La mano, que con tanto natural�simo movimento sujeta el pa�uelo y lo acerca al rostro, no puede pintarse con m�s delicadeza. Si algun lunar, bien peque�o por cierto, se advierte en este retrato, es el escorzo del brazo derecho”.

No “El Imparcial”, com a assinatura de Francisco Alc�ntara, l�-se: — “Empezando por las obras de Carlos Reis, seg�n el orden de colocaci�n en la salo, encuentrase un retrato: el del doctor Avelino Monteiro. Tal como aparece este doctor, es un hombre de car�ter algo �cido, moreno negrusco, de recio cr�neo y faz �spera, de barbas y de pelo hirsutos; uno de aquellos por quienes se dice: El hombre y el oso, mientras m�s feo m�s hermoso. Tentado estaba de decir que el tal doctor tiene cara de vinagre si no fuese porque, al trav�s de tan farrucas apari�ncias, se adivina una persona bondadosa, como ocurre con muchos de esos cetrinos verdinegos que parecen dispuertos � comerse los ni�os crudos y luego son la bondad misma. Cuando un retrato pict�rico � escult�rico suscita la ideologia que he insinuado en los renglones antecedentes, ese retrato es una obra de arte, y otra se�al inequ�voca de que efectivamente la es este retrato, la da el hecho de que � poco de contemplar la cabezota del doctor Avelino Monteiro, ve uno que ha hecho dos amigos: uno el doctor retratado, y el otro es el pintor retratista. Por una fisionomia llena de espiritu, la de Monteiro, nuestro amigo del momento, vamos � la amistad del pintor que tan gallardamente retrata las almas.  Sigue a este, tanbien de Reis, el retrato de la Exma. Sra. Do�a Adelaide de Lima, retrato de una eleg�ncia que ha de encomiar diciendo que es elegancia de alcurnia francesa. Ocupo todo el testero de enfrente en esta sala el lienza de grandes dimensiones que se titula A Feira, y en el que Carlos Reis ha puesto un �spero y atractivo sentir de la vida agreste, compesina, buc�1ica, gitanesca, de los mercados rurales, delas ferias, que en los pueblos de mediodia evocan los m�s bellas pasajes de la literatura antigua, griega, latina, medieval, por repetirse al trav�s de los siglos, siempre iguales bajo la acci�n del sol providente, esos hermosos derroches de alegria, de agitaci�n y de estruendos que se llaman ferias. Bajo un pino colosal tienen sus ranchos muchos feriantes. M�zclanse com los grupos de mansas bestezuelas, muletos y borriquillos, toda especie de tipos populares: � la derecha se destacan, muy bien pintados, muy veraz y gallardamente pintados, la maza en la que un mazallon, entre tierno y maleante, pone los ojos, y al trav�s de la gre�a del pino, y por debajo de su copa ampl�ssima, se distingue todo el extenso ferial. Parece que se oye un caramillo, talvez sueno la gaita. Al primer grito, � la primera ronda de vinillo alegrador de las multitudes, toda esta gente se desgranar� en parejas e en corros de danzantes y de cantores. Tiene este quadro de Carlos Reis algo de la sint�tica y decorativa asperura de un soberbio, bien tecido y deslumbrante tapiz, y aunque no carece de delicadezas pict�ricas, algo basto, como el tufo de la majada donde se elabora el queso; tufillo que se extiende en torno y perfuma los montes y las ca�adas cuando el viento de la tarde la lleva de ac� para all�; algo como olor a corambres repletos de tinta, de baho de calderos en que se codimenta la pitanza de olor � multitude trajinante; algo de todas estas cosas tiene este cuadro de Carlos Reis; de pintura asper�sima, que la mayoria de nuestro p�blico extranhar�, por eso, por su aspereza; pero en la que canta una voz poderosa la canci�n eterna del agro f�rtil, produtor del pan, dei vino, de las frutas, de las ganados y dei hombre, que sabe gustar de todo, y darle valor, y amar y multiplicarse”.

No fim desse ano, Carlos Reis mostra o quadro em acabamento Raios de sol ardente, do qual Sousa Costa diz o seguinte no “Primeiro de Janeiro”: — “... a vasta tela a que actualmente entrega o melhor, o mais ansioso e o mais apaixonado dos impulsos criadores do seu talento. � uma tela que ocupa o atelier na quase totalidade da sua largura. No primeiro plano v�-se um saloio mo�o e ing�nuo, duma singeleza amorosa de pastoral, que se encontra no seu caminho com uma rapariga sadia e alegre, parando, disparando-lhe um madrigal que a faz sorrir de mal�cia, voltando o rosto gaiato, em que a luz do poente se projecta em cheio. No segundo plano, por detr�s do saloio, uma junta de bois rumina na sua calma passividade resignado, e espera que o campon�s se ponha em marcha em direc��o ao est�bulo. E ao fundo, atrav�s da ramagem das �rvores, descobrem-se telhados duma povoa��o min�scula, meio dilu�dos no fluido sangu�neo da linha extrema da perspectiva. Todas aquelas figuras s�o tratadas com o escr�pulo minucioso, com a observa��o rigorosa dum artista psic�logo, dum pintor naturalista. Mas o que acima de tudo impressiona e domina, nem s�o as figuras, a palpitar de vida, nem as �rvores a murmurar as preces vagas do sol-p�sto, nem a restolhada em que o arvoredo recorta os caprichos esquisitos das suas sombras. O que ali essencialmente e profundamente empolga, ferindo a retina como um esplendor de apoteose, � a luz crepuscular do poente, envolvendo todo o cen�rio buc�lico num rubor de fornalha a arder. Parece que o artista embebeu em fogo o seu pincel inquieto, espalhando pela tela, numa exuber�ncia magn�fica, o crepitar e o reverberar da chama r�bida que o fascina. Luz fulgurante e sinistra, �mpeto fe�rico de vida a extinguir-se, incerteza espectral do mist�rio que se aproxima, morrendo em cambiantes de rosa murcha e de violeta desmaiada no recato das ramagens tranquilas — ela, por si s�, pac�fica e triunfal, bastaria para nos dar a medida exacta do inconfund�vel paisagista que � Carlos Reis.

Em 1913 exp�s Ger�nios e malva-rosas de que na “Lucta” se dizia: — “... de avultadas propor��es, duma execu��o largo e vigorosa. Uma encantadora figura de mulher, num recanto iluminado, colhe o seu ramo, parecendo que as flores enrubesceram ao contacto das suas m�os delicadas.  H� sensibilidade em todo o quadro, a despeito dos contrastes de luz e de cor, e pretensioso seria que pretend�ssemos dar a impress�o que ele causa no observador”.

Nesse ano exp�s Carlos Reis o quadro Raios de sol ardente de que Sousa Costa j� nos falou, mas de que Sobral de Campos escreveu em “Terra Livre” o seguinte: — “Bela tela em qualquer porte! A vida que em si encerra e dela se depreende! A alegria, a sa�de, a bondade forte do natureza fecunda! Nada esquece. N�o s�o simplesmente os dois — o rapaz e a rapariga que v�o � frente dos bois — que Carlos Reis trata com carinho. Eles v�o — digo v�o porque essas duas figuras t�m relevo, movimento, vida — seguindo no seu id�lio simples, id�lio sem artificialidades, sem constrangimento, transpirando a voluptuosidade natural e saud�vel — a mesma que vem da terra, das �rvores festivas e dos horizontes iluminados. Sorriem ambos... Ela vai enleada e contente, o seio farto, cesto no bra�o, os p�s descal�os sobre a terra... Ele, de aguilhada ao ombro, esquecido dos bois que caminham a seu lado pachorrentamente, vai todo embevecido na sua contempla��o e domina-o com o olhar quente que a envolve toda numa mordente car�cia... Mas tudo � cuidadosa belo nesta grande tela. Os bois, os diferentes planos do terreno, as nuvens do horizonte, umas nuvenzitas de calmaria, dos grandes dias de sol... � tudo! A frescura do cesto! A gra�a das parras que dele saem! E at� sobre os olhos dum dos bois — daquele cuja cabe�a se v� quase inteiramente — pendem as tiras de coiro de que me n�o lembra agora o nome apropriado. N�o fosse a nostalgia, o misticismo desse olhar, p�r uma nota de tristeza naquele quadro onde s� a alegria grito num soberbo triunfal Raios de sol ardente � como uma p�gina grande de Zola”!

Falaram ainda de Raios de sol ardente “O Dia”, “Correio do Brasil” “Correio da Europa”.

� tamb�m de 1913 o retracto da Exm�. D. Carolina Joque, um dos mais c�lebres trabalhos do Mestre.

Em 1914 s� h� not�cia de ter exposto um quadro, o retracto da menina E. da S. G., do qual disse um jornal: — “Carlos Reis � um grande artista, de especial�ssimo temperamento, cheio de nervos e sensibilidade, que deslumbra pelo seu talento. A sua t�cnica � larga e fecunda, cheia de efeitos e maravilhosa de cor. Concorre � exposi��o tamb�m com um �nico trabalho. Esse trabalho, um retracto de senhora, � por�m um encanto. Aquela figura gentil � tratada com uma delicadeza inexced�vel. Parece ter sido surpreendida num movimento gracioso, pelo olhar prescrutador do artista, e procurar num enleio quase impercept�vel, disfar�ar a sua natural timidez. A t�cnica de Carlos Reis, cheia de riquezas de cor, distinta e elegante, encontrou neste quadro �ptimos motivos para se desenvolver. A figurinha — deliciosa de desenho — as peles, as rendas dos punhos e do pesco�o, e a s�rie de detalhes que comp�em o fundo, s�o todos tocados com essa magia de sentimento, de cor e de efeitos, a que nos habituou j� o excepcional talento do mestre”.

Na exposi��o do S.N.B.A. de 1915, Carlos Reis exp�s As engomadeiras, que se encontram no Museu de Arte Contempor�nea, A merenda, um retracto e quatro pequenas paisagens. Das Engomodeiras disse o “Di�rio de Not�cias”: — “As engomadeiras, no qual se destacam num dos primeiros planos duas figuras admiravelmente bem lan�adas, � um trabalho de dific�lima execu��o por nele predominarem os brancos das roupas e tendas, �s quais n�o faltam a transpar�ncia e a finura. Carlos Reis tem um talento infal�vel para ver as linhas dos seus modelos, para lhes arrancar o encanto que eles t�m, ou que eles lhe sugerem, e o sentimento da espontaneidade e do entusiasmo dominam sempre. Por mais ingrato que seja o assunto, o seu golpe de vista sabe encontrar as qualidades de cor e a eleg�ncia do forma. A sua alma de artista p�e-se de parte para a domina��o do modelo, o que facilita a express�o do sua vis�o pessoal, e, cingido sempre � ideia de reproduzir a harmonia dos linhas e das cores, v�-se claramente que n�o tem as menores hesita��es para obter efeitos”.

Da Merenda disse o mesmo jornal:— “... � um trecho delicioso de frescura, de harmonia e de cor, como o s�o as suas deliciosas paisagens de Colares. O talento de Carlos Reis em materializar o tempo � magistral. Assim, o primeiro clar�o da aurora � bem a primeira luz da aurora e n�o o meio dia; o meio dia n�o � o p�r do sol. Isto sente-se, isto respira-se em todas as obras do grande pintor”.

� tamb�m de 1915 o admir�vel retracto a carv�o do grande artista Teixeira Lopes.

No ano seguinte ainda exp�s o Mestre um retracto de senhora jovem e a Primeira comunh�o. Dum e doutro diz Sousa Costa no “Primeiro de Janeiro”: — “S�o ambos em rendas alvas de neve. A retratada da primeira tela � uma figura de rapariga, fresca como um p�mpano, numa express�o doce e enigm�tica de sonho e de sorriso. N�o pousa — vive. Escuta, espera. E as rendas que a envolvem, que lhe afagam a mo�a carna��o do seio, que lhe diluem a tenra nudez dos bra�os, que lhe cingem o busto fino e alto, palpitam, flutuam — dando no conjunto e sob as diversos tonalidades do luz ambiente, uma verdadeira e admir�vel sinfonia em branco. Sem trucs, sem exageros, honestamente, o Mestre tirou do branco todos os seus efeitos luminosos — conseguindo aquecer, animar a sua tela encantadora de maneira a prender-nos o olhar sem nos provocar cansa�o. Na Primeira comunh�o tudo � perfeito e sugestivo, desde os acess�rios �s figuras — as velas a arderem, os v�us a arfarem, a fisionomia dos duas pequenitas que v�o receber o Senhor, com os olhos cheios de sinceridade, com as boquitas entreabertos de como��o”.

Ainda nesse ano o Mestre exp�s no Sal�o Bobone, Fim do outono, de que “A Lucta” disse: — “... mais uma brilhante documenta��o do seu alto valor. �rvores esguias, meio despidas de folhas, no primeiro plano, e depois uns grandes longes de finas e tristes tonalidades”.

Do mesmo quadro dizia “A Capital” em artigo firmado por A. de A.: — “� a hora nost�lgica, a hora m�stica do poente. Um recolhimento sagrado domina a paisagem. As �ltimos chamas solares

incendeiam o horizonte long�nquo. O ar circula atrav�s da romaria das �rvores. Os altos c�us tomam a cor do p�rola, enquanto as primeiras sombras vestem a terra que vai adormecer. Que delicadas, que exactas, que flagrantes grada��es de luz! Toda a poesia das coisas eternas, com a sua gra�a, o seu perfume e a sua pureza, vive e recende neste maravilhoso peda�o de tela...”

Dos Cristais, exposto em Maio de 1918, dizia Norberto de Ara�jo em “A Manh�”: — “Leitor, � uma das poucas boas coisas da exposi��o. Os Cristais � uma maravilha. A cabe�a da pequena que conduz a bandeja, olhos v�vidos, enormes de cintila��o, cabeleira a perder-se no fundo da tela, mas desenhada larga e bela, assenta equilibradamente sobre um tronco a adivinhar-se esbelto, e fixa-se na nossa retina, que chegou j� at� ali embebedada de muita feiti�aria insignificante, mas fixa-se de tal maneira que estamos ainda — milagre! — a v�-la, a senti-la. Mas n�o � s� este detalhe; o quadro em tudo � bom, e contribui a salvar o conjunto da galeria duma maior pobreza.”

Em Junho de 1919 Carlos Reis e seu filho foram ao Rio de Janeiro e ali se demoraram at� Outubro do mesmo ano. Do triunfo ali obtido, tanto sob o aspecto art�stico como financeiro, disseram todos os jornais cariocas e copiaram-no muitos jornais portugueses. Carlos Reis foi ali expor 44 telas, e Jo�o Reis 11; o primeiro vendeu 14 e o segundo 6. Logo de princ�pio come�aram a receber encomendas, tendo Carlos Reis pintado uns vinte retratos, entre �leos e carv�es.

Nos �ltimos dias do sua estado no Rio, organizou-se uma exposi��o dos trabalhos ali realizados. Segundo “O Paiz” a exposi��o n�o estava completa, pois nela faltavam pelo menos os retratos do Dr. Epit�cio Pessoa, Filinto de Almeida, Jos� Rainho do Silva Carneiro e Alexandre Albuquerque. Segundo o mesmo jornal eram “todos espl�ndidos, dignos do grande mestre que � Carlos Reis. H� nesses quadros vida, movimento, alma, al�m da t�cnica, aquela t�cnica duplamente excepcional, por ser s� sua e muito nobre e muito larga.”

Seria impratic�vel dar sequer um resumo do que a imprensa carioca disse dos dois artistas e dos dois homens. limitemo-nos a transcrever da “Revista da Semana” o artigo que publicou acerca do retracto que a col�nia portuguesa do Rio encomendou a Carlos Reis para ser oferecido ao Presidente da Rep�blica: — “Tecnicamente o retracto �, no opini�o un�nime, uma obra-prima; verdadeiro quadro de escola, pelo arranjo s�bio do conjunto, e do cen�rio, pela opul�ncia dos acess�rios que envolvem a figura do estadista no ambiente adequado � sua emin�ncia pol�tica. O Presidente do Rep�blica est� de p�, com a m�o direita apoiado � sua secret�ria, onde se re�nem, como s�mbolo da personalidade intelectual e do labor do Chefe do Na��o, os livros e os pap�is do Estado. Pela composi��o e pela inten��o � um retracto do estilo cl�ssico, da escola tradicional dos grandes retratistas hist�ricos: um verdadeiro retracto biogr�fico. H�, por�m, opini�es discordantes sobre a verosimilhan�a fision�mica da obra de arte. A fotografia popularizou um Presidente sorridente e juvenil, e o retracto apresenta-nos um estadista concentrado, com o vinco voluntarioso do interc�lio; uma figura que revela preocupa��o e energia; um vulto imperativo, exal�ado nas suas medianas propor��es f�sicas por uma alta consci�ncia do seu posto representativo; um estadista, na plena acep��o hist�rica da palavra, com a dignidade despretensiosa, mas altiva, do poder de que a P�tria o investiu. Acreditamos e sabemos que, na intimidade familiar, o Snr. Dr. Epit�cio Pessoa n�o � aquele homem severo e concentrado, aquela representa��o moral duma energia permanentemente tendida para a ac��o. O pintor n�o fora, por�m, incumbido de reproduzir na tela as fei��es do cidad�o, pintando-o no recato feliz do seu lar, junto do esposa virtuosa e das filhas idolatradas. Foi no Pal�cio do Catete, no gabinete de trabalho da Presid�ncia que o artista o encontrou. Atrav�s das sess�es de pose, o professor do Escola de Belas Artes de Lisboa viu desfilar em frente do Chefe do Estado os seus secret�rios, os ministros, os pol�ticos que mais de perto privam com o Presidente. Devemos elogiar o senso psicol�gico do artista que, colocado diante do seu modelo, soube penetrar fundo na sua complei��o moral, dando-nos a figura flagrante do Chefe do Na��o Brasileira no instante hist�rico em que ela vai perfazer o primeiro centen�rio da sua independ�ncia, em plena e activa consci�ncia da sua soberania e dos destinos grandiosos para que caminha, colocada no quinto lugar entre as maiores na��es do Mundo. Emancipando-se do convencionalismo que o auxiliaria na tarefa de nos transmitir uma interpreta��o superficial, o artista portugu�s preferiu dar-nos o representante simb�lico da soberania do Brasil, do Chefe eleito do na��o poderosa e forte, definitivamente na posse zelosa da sua autonomia, colocado num lugar de honra no pl�iade das grandes nacionalidades do Universo. Aquele que ali est� �, realmente, o imp�vido advers�rio do grande Marechal de Ferro, a quem o destino reservara a tarefa pol�tica de completar na paz e no campo do direito a obra gloriosa do formid�vel estabilizador da Rep�blica, do estadista providencial de 1893. Aquele homem grave, pensativo, com uma t�o absoluta express�o de querer, uma t�o intelectual fisionomia, uma t�o imperiosa dignidade, que o artista portugu�s nos apresenta na sua tela admir�vel �, de facto, o Presidente nacionalista, campe�o do patriotismo militante, o verdadeiro sucessor de Floriano Peixoto, em cuja energia a Na��o confia, e em cuja intelig�ncia ela se rev�, calma e orgulhosa”.

Em 1921 h� not�cia duma exposi��o no Sal�o Bobone de Carlos Reis e seus disc�pulos, e outra na Lous� de Carlos Reis e seus filhos Jo�o e Maria Luisa. Uma correspond�ncia do Lous� para o “S�culo” menciona do primeiro O Baptisado, A esmola do s�bado, A passagem do c�rio e O �ltimo soneto.

Em 1922 encontramos Carlos Reis e seu filho em Buenos Aires. Dias depois de inaugurada a sua exposi��o, o jornal “La Nacion” dizia: — “El arte portugu�s, a juzgar por esta interessante muestra que nos han tra�do los pintores Reis (una muestra como de cien quadros) caracterizase y diferenciase del espa�ol, con ser los dos pueblos tan vecinos, por su mayor subjetivismo, mayor suavidad, menos realismo y menos violencia. Dentro del arte europeo, la tecnica de los dos pintores que actualmente exponen en el Pabellon Argentino, la del maestro Carlos Reis principalmente, ac�rcase a la escuela francesa m�s que a cualquier otra y, dentro de �sta, a las orientaciones que predominaban en ella en el �ltimo tercio del siglo pasado, cuando nuestro S�vori nos volvia de Paris con el cuadro Le lever de la servante y otros semejantes, que pudimos apreciar en la exposici�n p�stuma de las obras de nuestro compatriota. El pintor Carlos Reis, como Sivori, es un artista eclectico en cuanto a los temas. Lo mismo y con igual maestria aborda la naturaleza muerta que el retrata, la pintura de g�nero que los interiores. No es de esos pintores monocordes que explotan hasta la saciedad el mismo tema y el mismo modelo, reeditando un cuadro que tuvo �xito, diez e veinte veces, con ligeras variantes. Un cuadro de Carlos Reis se diferencia de otro del mismo pintor como un aspecto de la vida urbana puede diferenciar-se de un paisage y �ste de una figura de sal�n. No es dificil decir “he aqui un Reis”, como se dice “ he aqui un Soralla, un Romero de Torres, un Zubiaurre o un Anselmo Miguel Nieto”.

Ocupam-se dos dois pintores portugueses com os maiores elogios, al�m de “La Nacion”, os jornais “La Republica”, “El Diario”, “La Raz�n”, “Mundo Argentino”, “Critica”, “La Prensa”, “Caras e Caretas”, “La Epoca”, “El Diario Espa�ol”, “Para Ti”, etc.

O Museu Nacional Argentino adquiriu de Carlos Reis Limpando cristais e o Jockey Club de Buenos Aires adquiriu Os gaiteiros, duas obras primas no opini�o da imprensa,

Depois duma demora de pouco mais de dois meses, os nossos pintores seguiram para o Rio afim de dar execu��o a v�rias encomendas. foram ali recebidos com a mesma cordialidade que da primeira visita, e ali realizaram tamb�m exposi��es de seus trabalhos, que mereceram os elogios a que j� estavam habituados. Em not�cia publicada pelo “Di�rio de Lisboa” de 22 de Julho de 1923 soube-se que o Governo Brasileiro tinha adquirido para o Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro o admir�vel quadro de Carlos Reis, O Baptisado.

Em Janeiro de 1924 Jo�o Reis fez uma exposi��o de trabalhos seus no �trio da Miseric�rdia do Porto, que foi muito concorrida e apreciada. Nesse mesmo ano exp�s Carlos Reis vinte e tr�s telas, sendo duas extra-cat�logo. Dessa exposi��o dizia “O S�culo”: — “Vejamos alguns dos quadros cuja impress�o de beleza mais profundamente se fixou no nossa mem�ria. Outubro um maravilhoso trecho de paisagem outonal, de luz admir�vel e express�o religiosa. Ocupa o lugar de honra e merece-o � uma tela de museu. O copo partido � um quadro not�vel. A transpar�ncia, os reflexos, os efeitos de luz nos cristais s�o inigual�veis. N�o � uma paisagem, mas � t�o belo como se fosse. Repara��o dif�cil, na maneira predilecta do pintor — que sabe fazer como ningu�m as sinfonias brancas — � prodigioso como efeito de luz, admir�vel como perspectiva. A figura de rapariga, que nesse quadro se v� de perfil, sente-se que foi amorosamente tratado. Bruma tem o fundo e o colorido dos primeiros planos duma justeza e sobriedade tais que encantam. Tempestade � um quadrinho de dif�cil execu��o, agrad�vel. As cenas r�sticas Descamisada e O Burro do meu vizinho s�o pretextos para o artista dar largas �s suas notabil�ssimas qualidades paisagistas. Belas-donas e Flores de Maio s�o duas telas preciosas pelo desenho e pelo colorido. Dia de mercado e Outono, cada um no seu g�nero, s�o ambos quadros not�veis, especialmente o �ltimo, em que os tons acobreados dos vinhedos s�o manchados com rigor e justeza. Nascer da lua, ainda que o motivo pict�rico n�o sobressaia por demasiada originalidade, � realizado com mestria e um alto poder de express�o”.

A prop�sito desta mesmo exposi��o diz A. P.: — “O sal�o Bobone � pequeno para conter tanta maravilha, tanto sol, tanto claridade, em paisagens t�o verdadeiras de express�o, que dir�amos, caso a assinatura de mestre Carlos Reis n�o estivesse vis�vel, que elas foram criadas por Deus, e n�o pelo artista. Carlos Reis tem uma t�cnica poderosa, onde n�o h� uma hesita��o de cor; uma retina que combina as tintas instintivamente, sem necessidade de as nuan�ar na paleta; uma vibra��o de luz, incompar�vel de frescura, de pureza, de gra�a e de harmonia. Temperamento dominando j� os elementos do sua arte, Carlos Reis, embora nunca se arredando dos seus assuntos predilectos, consegue atingir, na perfei��o, a transfigura��o, transportando-o para admir�veis dist�ncias de beleza e de forma. O seu pincel � a pr�pria alma do paisagem, o aroma das coisas, a hora, a esta��o, o crep�sculo, a madrugada. Suponho que Carlos Reis conseguiria num peda�o de c�u, notular, marcar, revelar as muta��es de tempo, minuto a minuto, instante a instante. Carlos Reis nesta exposi��o, triunfo sobre a sua pr�pria obra. Ultrapassa-a. Se nela havia horizonte e perspectiva, agora adquiriu aleluia e infinito”.

� tamb�m de 1924 o retracto do grande poeta Eug�nio de Castro.

No primavera de 1925 Carlos Reis exp�s no Sociedade Nacional de Belas Artes tr�s quadros: Retrato de Maria Leonor, L�rios e A senhora Georgina. Dizia “O S�culo”: — “Maria Leonor � a jovem e delicada poetisa, filha do pintor, espiritual perfil, duma nobre, serena e reflexiva gravidade, em que se adivinham os altos e puros pensamentos que a inspiram. Esse lindo e airoso busto, na simplicidade do seu vestido verde, ressalta sobre o verde adamascado da cortina do fundo, sem que se confundam, antes harmonizando-se, os dois tons. O quadro denominado L�rios que �, com A senhora Georgina, um dos dois mais poderosos trabalhos que honram a exposi��o e nos resgatam das culpas em que incorremos quando a qualquer pinta-monos damos a categoria de artista, o quadro L�rios � um belo, delicioso e perfeito estudo do nu, poema de carne virginal que recende � candura das flores simb�licas que lhe servem de alfombra. Os l�rios s�o como o espelho em que se reflecte a pureza da rapariga desnuda, entregue talvez a uma enigm�tica medita��o. Obra prima de modela��o, de cor e de t�cnica, das in�meras dificuldades acumuladas saiu-se o artista donairosamente vitorioso, como sempre. As tonalidades de carna��o graduam-se, subtilmente, desde os joelhos e as coxas, que uma luz discreta beija com suavidade, at� os ombros e a cabe�a, quase envoltos no penumbra. A leveza, a fragilidade, a macieza, a alvura leitosa dos l�rios que pousam, dispersas, no tecido branco em que ajoelha e se apoia a figura s�o dados com a arte magistral que caracteriza toda a obra de Carlos Reis, e que em particular se afirma quando ele se compraz na execu��o de tais exerc�cios de assombrosa destreza, erguendo-se �s culmin�ncias m�ximas. A senhora Georgina � outra espl�ndida tela em que, ao sol meridional uma velha encorreada, junto da qual se alinham ab�boras sobre um muro caiado, ou postas ao acaso no ch�o, se senta a descansar. A figura humana da camp�nia e os frutos da terra vivem a mesmo vida vegetativa numa confraterniza��o que enternece. A senhora Georgina, cruzadas as m�os sobre o ventre, num �-vontade de quem n�o tem receio de passar � hist�ria, parece dizer-nos: “aqui estou, ao p� do minha riqueza”. A luz embriaga; a velha como que franze as p�lpebras para se defender; as cucurbit�ceas t�m um volume tal, uma cor t�o justa, um espalhado t�o verdadeiro e flagrante, que apetece palpa-las, tomar-lhes o peso, abri-las para as ver por dentro. Est�o bem maduras por certo. As roupas da camponesa tratou-as o mestre com a mesma inexced�vel verdade que imprime exist�ncia real �s ab�boras. Nos seus processos, Carlos Reis � de tal maneira simples, na apar�ncia, que eles escapam � an�lise dos entendidos, que se limitam a curvar-se perante a magia de tal pincel”.

“O Correio da Manha” em artigo firmado por Luigi dizia: — “Carlos Reis � j� hoje uma gl�ria nacional. O seu talento � cada vez mais mo�o e robusto, a sua t�cnica cada vez mais poderosa e segura. Os seus quadros Os l�rios, A senhora Georgina e o retrato de Maria Leonor, n�o envaidecem o pintor mais do que aos seus admiradores, que podem dizer orgulhosamente ser bem nosso, bem portugu�s, o eleito da Arte que assina tais maravilhas”.

Foi por esta ocasi�o que os disc�pulos dilectos de Carlos Reis organizaram a espl�ndida festa de homenagem, em que falou brilhantemente o insigne escritor Agostinho de Campos, e em que foram executados v�rios n�meros de m�sica, e recitadas v�rias poesias, entre elas a seguinte do autoria de D. Branca de Gonta Cola�o:

 

QUADROS DE CARLOS REIS

A Arte? — A Natureza?

— Mundo risonho! —

— � a terra portuguesa,

posta em beleza e sonho! —

...............................................

DIA DE FEIRA! Um festival clar�o

inunda a estrada alegremente:

RAIOS DE SOL ARDENTE

doiram ao longe a PROCISS�O...

Vinde comigo! Caminhantes,

passemos num fervor alvoro�ado

V�de a piedade destas COMUNGANTES!

O colorido deste BAPTISADO!

 

� linda a romaria,

E folgam os romeiros!

Chegam ecos festivos de alegria

ao toque dos GAITEIROS...

 

Cortando os longes da PA�SAGEM,

numa casita humilde, uma LATADA.

Os beijos tr�mulos da aragem

afagam de passagem

uma VINHA de outono, avermelhada...

 

De porta aberta � beira do caminho,

ouvem-se as gargalhadas prazenteiras

destas ENGOMADEIRAS

que trabalham curvadas sobre o linho...

 

Uma velhinha doce,

na JANELA DA J�LIA, mais al�m...

O milagre de amor que ali a trouxe!

RETRATO DE MINHA M�E...

 

(As m�es de artistas! — Suave brilho

Deus concedeu � sua sorte!

Dar vida a um filho, para que o filho

lhes torne a vida depois da morte)!

.........................................................

Ao p� dum muro branco

em que a luz bate ardente e cristalina,

— entre ab�boras de ouro,

A SENHORA GEORGINA,

sentada no seu banco,

contempla o seu magn�fico tesouro...

 

No enlevo deslumbrado

desta romagem luminosa,

encontramos, a cada passo andado,

a luz, o vulto, a sombra misteriosa

que o nosso olhar j� tinha olhado;

mas de que apenas tinha conservado

uma vago lembran�a nebulosa...

....................................................

� a terra portuguesa

vista num sonho lindo.

E, coroando esta outra realeza.

veio no imensidade,

com os olhos da saudade,

EL REI DOM CARLOS a passar, sorrindo....

Branca de Gonto Cola�o

 

Em Dezembro do mesmo ano Carlos Reis exp�s novamente no Sal�o Bobone. Os quadros que melhor impress�o fizeram no p�blico e nos cr�ticos foram Tarde de outono, Fonte de Santo Ant�nio, Primavera, �nica companheira, Cego de Goes, Canteiro preferido e Reparando o telhado. “A Capital”, referindo-se a essa exposi��o diz ser imposs�vel dizer qual era a melhor das vinte e uma telas expostas.

No princ�pio de 1926, Carlos Reis exp�s no Porto, entre v�rios quadros j� conhecidos, a grande tela Os bezerros que ainda n�o tinha sido exposto em Lisboa.

Nesse ano Jo�o Reis voltou ao Brasil, levando quadros seus, de seu Pai e de sua irm� Maria Lu�sa. Desta vez o principal fito era visitar S. Paulo e Santos, e nestas cidades o �xito obtido foi igual ou superior ao obtido no Rio de Janeiro. O cat�logo da exposi��o em S. Paulo compreendia vinte e dois quadros de Carlos Reis, quarenta e seis de Jo�o Reis e oito de Maria Lu�sa. Foram adquiridos de Carlos Reis os duas grandes telas Os bezerros, e A senhora Georgina, e Nascer da lua; de Jo�o Reis Os Jer�nimos, Perfil de alde�, A casa de Jos� Pinheiro, A Vila do Lous�, Rua de Royat, Alpendrada, Ouro de outono, Tranquilidade, Com�cio e Uma rua da Lous�; e de Maria Lu�sa Rua de aldeia. De S. Paulo seguiram para Santos onde a recep��o n�o foi menos entusi�stica, e onde foram adquiridos tamb�m ,v�rios quadros dos tr�s artistas.

O grupo de pintores constitu�do por Carlos Reis, Ant�nio Sa�de, Falc�o Trigoso, Alves Cardoso, Frederico Aires e Jo�o Reis, que at� ent�o tinham adoptado o t�tulo de “Ar livre” passou a denominar-se “Grupo Silva Porto”, e com esta designa��o fez a sua primeira exposi��o em Fevereiro de 1927.

Nessa exposi��o Carlos Reis apresentou dez telas. Dalgumas delas falou assim Artur Portela: — “Carlos Reis continua sendo um opulento colorista, prodigioso de facilidade, embriagante de luz, exacto na evoca��o dos figuras do nossa terra. Grandes quadros. O mais belo, quanto a n�s, � o das Moleiras. Tr�s tipos de mulher, batidas de sol. Cada uma tem a sua express�o de bondade, de carinho, de beleza. A figura do primeiro plano n�o acompanha com o olhar a ac��o de carregar os sacos de trigo j� mo�do sobre o dorso do mula. Mas � t�o lindo, tem tanto donaire a sua cabe�a enamorada de profunda gra�a, que esse pequenino defeito justifica-se e explica-se. O artista tinha que a colocar assim para aproveitar a radia��o completa da fisionomia do modelo. Galanteio alde�o � uma tela faiscante de sol, azul intenso sobre uma rua de aldeia, onde o calor adormece, enquanto dois cora��es trinam, devagarinho, os esponsais futuros... Descanso do modelo � uma harmonia de tinta grave, em que a carne adolescente duma rapariguinha, contornada por um desenho correcto, surge sem pecado, sem m�cula. A talha vidrada interessa tamb�m, assim como as V�speras de boda, temas cheios de pitoresco e observa��o”.

No ano seguinte Carlos Reis come�ou por expor no Porto alguns quadros j� conhecidos e outros ainda in�ditos, sendo dos primeiros As moleiras, Descanso do modelo, Galanteio alde�o etc. e dos segundos Chaby vai dizer versos, Sobreiro gigante, Igreja de Vilarinho, Hora da missa, A casa do Freixo, Milharal, etc. N�o vou reproduzir as cr�ticas da imprensa, porque isso me levaria muito longe e n�o quero continuar a abusar da paci�ncia do leitor; mas n�o resisto a fixar esta pequena frase da distint�ssima escritora D. Aurora Jardim Aranha a prop�sito do admir�vel retracto de Chaby: — “Dizem que o Chaby est� no Brasil. Mas � mentira: Chaby vai dizer versos, est� ali, � �le”.

Nesse mesmo ano, em Lisboa, O Mestre exp�s dez telas, entre as quais sobressaiam pelo “tamanho (dizia um cr�tico) — tamanho do tela e tamanho do concep��o e realiza��o esmerada, O mercado e Castanheiro gigante — duas obras primas do seu pincel”. Mas, continua o mesmo cr�tico: — Mas n�o lhe ficam atr�s os trabalhos restantes, entre eles por exemplo o retalho Vai formosa e n�o segura duma transpar�ncia e luminosidade inigual�veis”.

Por essa ocasi�o deu-se o lament�vel epis�dio a que se refere a carta de Carlos Reis transcrita.... N�o nos compete, nem era ocasi�o asada para o fazer, relat�-lo ou discuti-lo, tanto mais que algumas das figuras que ao processo teriam de ser chamadas, n�o s�o j� deste mundo. Parce sepultis...

Essa exposi��o fechou com uma sess�o solene em que falou brilhantemente o Dr. Alexandre de Albuquerque que tomou para tema da sua confer�ncia A beleza que n�o morre. Colhemos do seu discurso este curto e sint�tico elogio do nosso biografado; — “...outro soberano pintor, Carlos Reis, bruxo do cor, feiticeiro do desenho, mago da express�o, verdadeiro hierofanto da beleza que n�o morre”.

Dias depois os mesmos artistas expuseram no Porto pouco mais ou menos os mesmos quadros, recebendo da cr�tica os mesmos louvores. D. Aurora Jardim Aranha, para n�o citar mais cr�ticas, diz: — “Mercado � um quadro de museu que n�o deve sair do Porto. Resultado de muito trabalho, muita min�cia e horas exaustivas na �nsia e na realiza��o da perfei��o, constitui uma obra de arte que � quase uma obra de bem-fazer. Express�o e movimento, naturalidade. Modelares o desenho, a carna��o e a sinfonia ardente do sol que, ora beija uma risonha cabe�a de rapariga, ora brinca nos cabelos nevados da velhinha que, com o cesto cheio, volta ao mercado. Intensidade de vida, justos valores de contacto, exist�ncia anat�mica sob as roupagens maravilhosamente tratadas. Vai fermosa e n�o segura, t�tulo impregnado de poesia antiga t�o bem se harmoniza com a poalha de leveza que nimba a tela inteira. Luminosidade, figura feminina plena de gra�a e de enleio, destacando-se nitidamente, perfeito o movimento do �rvore que sai do muro a fim de dar a projec��o da sombra, e ao longe a nota branca da capelinha surgindo como uma promessa. Sol e ar — verdade. A casa do meu vizinho — Pequena sinfonia de suavidade. Perfeita a diferen�a de tonalidades: No primeiro plano luz quente, forte; no �ltimo luz esbatida, desmaiando em nuvem que se aproxima. Perspectiva justa, vis�o fielmente traduzida na transposi��o. Poente — Hora plena de mist�rio. Aqui caiem sombras e nascem as m�goas da noite; al�m trava-se ainda o angustioso combate do sol que vai agonizar em cintila��es de top�zios incendiados. Sinfonia de cor, erguendo-se numa prece m�stica. O Castanheiro gigante — � um quadro que comove, perante o qual se ficaria horas, pois de cada vez que se contempla, descobrem-se-lhe novos aspectos e novas belezas. S� a paleta dum artista inspirado e t�o grande como � Carlos Reis, poderia aprisionar num t�o pequeno espa�o uma tal intensidade de emo��o. Paisagem para ser sentida e n�o para ser comentada. Aconselho pois a que se note o ar, a transpar�ncia e, principalmente o espa�o que existe entre o castanheiro e o �ltimo plano, e a maneira como ele se despega do fundo, dando-nos a impress�o de estarmos mesmo na Lous� em frente do modelo”.

Em princ�pios de 1930, Carlos Reis e seu filho voltam a expor no Porto, o Pai onze quadros, o filho trinta e seis. Do primeiro mencionemos os t�tulos: Cantigas de amor, A pastorinha, Arrulho, Velho caminho, A fogueira, O soito, Ascens�o dif�cil, Os primeiros cachos, A sesta, Fim de almo�o, e A mal�cia. Do primeiro desses, exposto dias depois em Lisboa, disse o “Di�rio de Not�cias”, pela pena de Paulo: — “Uma de grandes dimens�es, sobre que Branca de Gonta Cola�o comp�s uma ador�vel poesia. S� um adjectivo: perfeito. Um cego canta na rua, � guitarra, um garotito o acompanha; escutam-no uma rapariga, uma velhota e um grupo de criancitas. Cada fisionomia tem uma express�o pr�pria, em cada figura h� uma alma diferente. A esperan�a ou a saudade, o entusiasmo ou a indiferen�a... � um quadro de gente viva, composto com impec�vel harmonia, estudado e concebido com alta inspira��o. As suas linhas t�m uma express�o que vai al�m da tela, que fica a vibrar dentro de n�s. Permita-se a express�o: tem resson�ncia”.

Este ano foi assinalado para Mestre Carlos Reis pela aquisi��o do seu not�vel quadro As moleiras para o Museu de Barcelona.

Em Janeiro de 1931 nova exposi��o no Porto do “Grupo Silva Porto”, no qual Carlos Reis apresentou, entre outros, a grande tela Lembras-te? e o seu auto-retrato a carv�o, que t�o reproduzido tem sido, e que � realmente um trabalho maravilhoso. Os restantes quadros expostos pelo Mestre eram Hort�nsios, Canto soalheiro, O cego de Vilarinho, Caminho de cabras, Gaiteiro de Troia e quatro retratos. Todos foram, como de costume, elogiados pela cr�tica.

No m�s seguinte nova exposi��o do mesmo Grupo, no qual apareceu o c�lebre quadro Sa�de aos noivos do qual dizia o “Com�rcio do Porto”: — “...trabalho perfeito em que cada figura tem o seu estado de alma nitidamente evidenciado na atitude e na express�o. � aquele velho que sa�da os noivos, tr�mulo pela velhice mas orgulhoso pelo seu momento de orador; � o noivo, desvanecido pelo discurso e satisfeito por ter como noivo a mais linda rapariga do lugar; � esta, comprometida com os sauda��es e ruborizada pelo pudor de noiva; � aquela rapariga mirando atentamente o noivo, num misto de tristeza e despeito por ter sido preterida; � aquele rapazito procurando colher do boda um �nico proveito — comer � farta e do bom; � aquele convidado, cara de beberr�o impenitente, alheio a tudo, s� se preocupando com o vinho; � ainda aqueloutro convidado, mirando de soslaio o orador, desconfiado da sua eloqu�ncia... Estas figuras e outras ainda v�em-se ali num conjunto de flagrante realidade. A natureza morta em todos os suas modalidades-frutos, madeiro, panos, vidros, cobre, lou�a, etc. — est� reproduzido nesta grandiosa tela com absoluta fragr�ncia”. E continuava: — Margarida, A mulher dos queijos, A moleirinha dos Pis�es e outros s�o trabalhos em que a paisagem e o figuro formam conjuntos que s�o milagres de pintura. O Cupidinho de gesso, � um nu de Museu. O ger�nio vermelho � um precios�ssimo interior, rico de pormenores. Meio-dia, tela admir�vel em que se sente o sol na hora m�xima do seu triunfo. A Joana dos cabras, Casal da Lagartixa, O po�o, o burro e o rapaz, — t�tulo assim � guisa de f�bula — e, em suma, todos os quadros de Mestre Carlos Reis expostos no Sal�o Silvo Porto s�o trabalhos bem dignos do nome notabil�ssimo do expositor, um nome consagrado desde h� muito, que dispensa largas refer�ncias — pois a sua simples cita��o � s�ntese de valor, talento e grandeza art�stica, e garantia absoluta dum trabalho maravilhoso”.

Em Outubro desse ano a C�mara Municipal do lousa deliberou dar ao at� ent�o denominado Parque do Requeiro o nome de Alameda Carlos Reis, como merecida homenagem ao grande pintor que h� muitos anos elegeu aquela linda vila para sua resid�ncia de ver�o. Tamb�m pela mesma ocasi�o o Sociedade Nacional de Belas Artes aprovou por unanimidade uma proposta da sua direc��o do teor seguinte: — “Atendendo aos altos m�ritos do artista consagrado que � o grande pintor Mestre Carlos Reis, que tanto tem exaltado a Arte Portuguesa contempor�nea, em obras que perpetuar�o o seu nome e o valor cultural art�stico da nossa �poca; e atendendo ainda a que a Mestre Carlos Reis se deve em grande parte o termos conseguido realizar esta nosso sede social,...que um medalh�o com a ef�gie de Mestre Carlos Reis seja solenemente colocado na sede do Sociedade, no local onde est�o colocados os outros medalh�es com as ef�gies doutros grandes consagrados”.

Foi a prop�sito desta projectado homenagem que o Mestre escreveu a famosa carta que vai transcrita...

Em Dezembro de 32, exp�s Carlos Reis no Porto, entre outros, o seu grande quadro Garraf�o vazio que tanta admira��o causou ali, como depois em Lisboa. Desse quadro disse o “Com�rcio do Porto”: — “� um grandioso quadro-grandioso nas dimens�es, grandioso sob todos os aspectos, grandioso a todos os t�tulos. Feito recentemente, ele acusa um forte e vigoroso temperamento de pintor, um potente c�rebro criador, um apurado esp�rito de observa��o e uma admir�vel frescura e novidade de talento. Essa magn�fica obra-prima, bem digna dum grande Museu, � simplesmente formid�vel. Duma complexa realiza��o, com figuras e v�rios motivos de natureza morta, com a nota — ali�s de t�o dif�cil interpreta��o! — acentuada e larga dos vidros, com panos, frutos, etc. — esse quadro entusiasma, empolga. � uma maravilha — um prod�gio de pintura. Belo todo o conjunto, mas dum realismo absoluto a express�o e a atitude daquele velho olhando o garraf�o vazio; naturais os reflexos e a transpar�ncia deste, como os dos copos e das garrafas. Verdadeira aquela melancia, deixando ver um naco atrav�s do vidro do garraf�o. E, por entre aquela larga e precios�ssima soma de detalhes, temos a fragr�ncia da toalha e das dobras do mesma. Outros ador�veis quadros de Mestre Carlos Reis, O cego das quintas-feiras, apoteose de luz e cor, dum lirismo enternecedor; O sobreiro, Descendo a serra, A capelinha do Castelo, Seara de ouro — este precisamente detalhado — e Baptisado na Favari�a, todos eles tendo manifestamente patentes, como um ex-libris de g�nio, aquele soberbo e inconfund�vel relevo de arte que �, nos trabalhos de Carlos Reis, a m�xima express�o do pintura”.

Em princ�pios de 1933, ano fat�dico do jubila��o do Mestre, o Conselho da Escola de Belas-Artes resolveu propor ao Ministro do Instru��o que, n�o obstante o Mestre atingir o limite de idade, fique regendo as suas aulas para evidente proveito dos seus disc�pulos. Um professor prop�s ainda que no caso de discord�ncia do Ministro, Carlos Reis fosse consagrado Professor honor�rio do Escola. Nessa mesma ocasi�o os seus alunos pediram-lhe que posasse para um medalh�o a executar por Sim�es de Almeida (Sobrinho), destinado a ser colocado na aula que t�o brilhantemente tem dirigido.

Deu-se ent�o o jubileu do Mestre, tendo-se j� descrito as festas que, em Lisboa e em Torres Novas lhe foram dedicadas.

No pr�prio dia em que o Mestre atingia o limite legal de idade, o Ministro do Instru��o assinou a seguinte portaria: — “Atendendo a que o professor da Escola de Belas-Artes de Lisboa, Carlos Ant�nio Rodrigues dos Reis, completou nesta data 70 anos de idade tendo, consequentemente, de abandonar a reg�ncia da sua cadeira; e atendendo ao pedido do Conselho Escolar da mesmo Escola, manda o Governo da Rep�blica Portuguesa pelo Minist�rio da Instru��o P�blica que, em homenagem ao M�rito do professor Carlos Reis, considerado um dos grandes mestres da pintura portuguesa contempor�nea, seja nomeado professor honor�rio da referida Escola”.

Em 1934 aparece o c�lebre quadro Asas, do qual Joaquim Madureira disse, entre outras muitas coisas, o seguinte: — “...fixa-se na retina, estuda-se com o c�rebro, admira-se com entusiasmo, de alma e cora��o, mas n�o se descreve: — no recanto escaiolado duma capela de aldeia, cinco meninas da Comunh�o e um anjinho v�m descendo sobre um encarquilhado e velho tapete, esbei�ado e pu�do – uma, j� de costas, a transpor a ombreira de m�rmore do sacristia, duas, no primeiro plano, arrebicando e compondo com ternura as asas do anjito, outras duas, atr�s, fazendo fundo. Mais nada e nada mais simples, na branca simplicidade dos tules brancos e simples das comungantes que, esvoa�ando em pregas e tufos, enchem o quadro todo, onde o branco creme das sedas do anjinho, com uma cruz de prata e uma vela acesa nas m�os, p�e o tom quente e crom�tico de toda aquela prodigiosa sinfonia de brancos, duma tal suavidade e harmonia, duma tal delicadeza e candura, que, por mais atascado em materialidades e materialismos que nos ande o realejo da exist�ncia, por mais empedernida que se traga a sensibilidade nos contactos sujos da porca do vida, n�o creio possa haver, entre b�pedes ruminantes com cara de gente, alma de c�ntaro com p�s de bois e botas de el�stico, que n�o vibre e se n�o sinta enlevado e preso, enternecido e emocionado, se n�o no misticismo ritual da cena — na suav�ssima beleza que dela emana e irradia — serena e formid�vel, calma e empolgante, doce e dominadora... Mestre Carlos Reis h� muito tinha o cond�o estranho de dar cor, calor, express�o e vida aos brancos da sua prodigiosa paleta de colorista — e vincam, desde o in�cio da sua carreira, as notas triunfais dos seus brancos, no velho retracto da Manuela Gomes, e nas suas Comungantes — sem falar nos discutidos brancos das Engomadeiras, nas paredes caiadas de branco das suas Ab�boras, e em todo o infinito rol de roupas lavadas com as toalhas e guardanapos que d�o, em branco, os fundos, os contrastes e os reflexos aos seus ex�mios malabarismos de vidros e cristais — mas nunca como nas Asas Mestre Carlos Reis lhes venceu as dificuldades e lhes dominou os asperezas, dando em fluidez e diafanidade, em leveza e alvura, tais cambiantes de valores, tons e planos que, tecnicamente, chega a ser obra de feiti�o e bruxedo, o arrancar ao pobre alvaiade dos alquimistas tais polimorfias de beleza, de express�o, de sentimento e de luz... H� muito que Mestre Carlos Reis entre Mestres vivos e mortos, era, na Arte Contempor�nea portuguesa — o Mestre dos Mestres... Agora que todos os Mestres morreram, poucos contramestres nos restam e que Mestre Carlos Reis, rijo e fero, cheio de vida e sa�de, na reboleira aposentadoria das suas setenta juvenis primaveras — em Rei mago do Pintura, desce ao povoado e bate todos os mestrados e todos as mestrias, batendo-lhes com as suas Asas de Mestre — n�o ser� caso para perguntar a quem de direito possa responder, se ainda teremos todos de bater, por muito tempo, �s portas do Museu de Arte Contempor�nea — que, em tempos �ureos, foi organizado e dirigido por Mestre Carlos Reis — para que as portas do Museu de S. Francisco se lhe obram, de par em par e sem favor, e por elas entrem, por direito pr�prio, por direito de realeza e por direito de conquista, como obra-prima da nossa Arte Contempor�nea — estas Asas de sonho, Asas de prod�gio, Asas de milagre, Asas de assombro, Asas de beleza,— que, em padr�o do opr�brio dos Mandarinatos Art�sticos da Nossa Terra, n�o faltava mais nada sen�o v�-los bater para longe, para casa dum Senhor seu dono, no Chile ou no Argentina, quando o diabo os n�o arme para que, num v�o peninsular, v�o bater ao Museu de Barcelona — onde em lugar de Honra j� est�o as Moleiras?...”

Foi realmente adquirido para Museu de Arte Contempor�nea o famoso quadro, dizem que por interfer�ncia directa do Snr. Presidente do Minist�rio. Havia 18 anos que o estado nada comprara ao Mestre...; talvez porque nesse longo lapso de tempo, nada tinha feito digno de Museu...

Nesse ano Mestre Carlos Reis ofereceu para a Grande Lotaria de Arte cujo produto se destinava ao monumento que se projectava aos artistas Silva Porto, Henrique Pous�o e Artur Loureiro, o seu quadro O casal do Felizarda. Tamb�m nesse ano pintou o retracto do Snr. Dr. Manuel Rodrigues, por incumb�ncia do Ordem dos Advogados, a cuja sede se destinava, e onde se encontra.

Em 1935 pintou um quadro para a sala das sess�es da C�mara Corporativa, no qual � representada a P�tria recebendo as homenagens das Artes, Ci�ncias, Com�rcio e Ind�stria. Disse o “Di�rio de Not�cias”: — “� um trabalho de amplas dimens�es, tratado com os esmeros que esse pintor ex�mio costuma empregar em todas as produ��es dos seus pinc�is, e onde mais uma vez, e brilhantemente, afirma o seu alto valor art�stico”.

Nesse ano Carlos Reis e Jo�o Reis expuseram de novo em Paris, tendo obtido assinalado �xito, o primeiro com o Mercado, e o segundo com o Cantador de Buarcos No “Di�rio de Not�cias” dizia P. 0. (Paulo Os�rio):—“As duas grandes telas de Carlos e Jo�o Reis, (Mercado em Portugal e Can��o portuguesa) colocados, a primeira sobretudo, em primeiro lugar de grande destaque, representando em t�cnica de arte duas �pocas, mas dando-nos sob esse aspecto o que de melhor, de mais equilibrado, de mais sincero, � poss�vel admirar em qualquer delas —s�o duas belas evoca��es da nossa terra, do nosso ar, da nossa paisagem, da nossa gente, duas evoca��es consoladoras, cheias de vida e de sa�de, naquele vasto meio cosmopolita e tantos vezes d�traqu�”.

No m�s de Dezembro desse mesmo ano de 1935, os tr�s Reis voltam a expor no Porto. Entre as nove telas apresentados pelo Mestre, figura a vasta composi��o Fragilidades, em que verdadeiros prod�gios de t�cnica foram realizados.

As mesmas telas foram expostas depois em Lisboa, em Fevereiro de 1936. Dizia o “S�culo” —“A grande cria��o deste ano de Mestre Carlos Reis � a grande tela Fragilidades. A anedota � dada por duas raparigas camponesas que, sentadas no ch�o, trocam confid�ncias enquanto empalham garraf�es. A presen�a destes permite ao artista realizar os vidros com aquela transpar�ncia, aquela exacta coloca��o dos valores, em que � �nico. A indument�ria e a express�o das duas figuras v�m enriquecer a opulenta galeria de tipos populares criados por este artista. Duas outras grandes telas: Outono e A moleirinha, s�o not�veis documentos daquela encantada paisagem da Lous�, que o pintor descobriu para sua gl�ria. Na primeira avulta uma moita de castanheiros, tocados de luz outonal, duma grande beleza; A moleirinha, por�m, cuja figura � um min�sculo pormenor na paisagem grandiosa, assombra pela realiza��o que o pintor deu � cortina de oliveiras. Outros quadros, como Cabreirinha, encantadora cena r�stica tocada por sol maravilhoso; O Miguel Tonto, m�scara rugosa, trabalhada com um rigor escult�rico; e o retrato destinado a uma galeria municipal, s�o outros tantos documentos da l�cida vis�o e da firmeza de pulso do grande pintor Carlos Reis”.

O director do Museu de Arte Contempor�nea prop�s a aquisi��o de Fragilidades para aquele Museu. Como por�m o Conselho Superior de Belas Artes n�o aprovou a proposta, foi aquele precioso quadro vendido a um particular...

Em Maio do mesmo ano, Carlos e Jo�o Reis voltam a expor em Paris, o primeiro Lembras-te? (Souvenir d'antan), o segundo Vieux p�cheur. Ocuparam-se do primeiro quadro os cr�ticos franceses e ingleses Raimundo Lecuyr no “Figaro”; Valmy-Baisse no “Miroir du Monde”; Gustavo Kohn no “Matin”; H. F. E. no “Daily Mail”; Ren� Jean no “Temps”, Eduardo Sarradin no “Journal des D�bats”, etc.

Em 1937 Carlos Reis apresenta na Exposi��o do Grupo Silva Porto sete quadros. “O S�culo” dizia: —“Centrando e dominando a fila dos quadros, O primeiro filho uma tela que se imp�e. O par alde�o contempla o pequerrucho, aninhado no folhelho de ma�arocas, entre ab�boras bojudas. A express�o enlevada dela, a aten��o curiosa dele, espiritualizam a cena. Um focinho de morra espreita dentre as frinchas da corte o caso familiar. O quadro � um prod�gio de t�cnica. Mas nos outros trabalhos expostos, o volume das �rvores, a frescura do ar, a luminosidade da atmosfera marcam a maestria. H� uma sede de rosas admir�vel, ramos que murmuram, folhagens que rumorejam, e, ao longe, os fundos azuis do Lousa”.

M. S., na “Voz” diz: — “� dif�cil dar prefer�ncia em ordem de m�ritos aos restantes quadros. Cancela verde � recanto reverberante de sol, onde a folhagem projecta sombras. Uma figurinha ador�vel. O artista conduz com a sua m�o de Mestre todos os valores dignos de realce. No mirante, sempre o hino � luz, e ap�s a floresta e as lombadas azuis do Lous�, tela de muito ar, de profundidade buc�lica impressionante. Velho sobreiro � bem culto dru�dico da �rvore, com largos horizontes serrenhos. Queda das folhas, amarelo de agonia outonal, despem-se as �rvores, vai a paisagem ter o cunho hibernal na nudez solene dos ramos, poesia das coisas simples. Ainda uma tela de rosas brancas duma grande singeleza que lhe n�o diminui nem a gra�a nem o valor”.

Em Maio de 1938 o Grupo Silva Porto, ent�o j� reduzido a tr�s artistas pela sa�da de Frederico Aires e Ant�nio Sa�de, fez a sua 11�. exposi��o. Nela apresentou Carlos Reis cinco quadros: Natureza morta, Sol de estio, Desparrar, Trecho da Lous� e Castanheiro gigante. “A Voz” dizia: — “Os vidros e as cebolas que constituem a natureza morta do quadro n�. 1 s�o um prod�gio de t�cnica. Os tr�s trechos compesinos (telas 2, 3 e 4) t�m a frescura admir�vel das obras do Mestre e aquela luz acariciadora que ele sabe t�o bem interpretar”.

No “Di�rio da Manh�”, Maria de Carvalho diz: — “0 castanheiro gigante...  � uma �rvore imponente, que se ergue num trecho ameno da serra da Lous�; o seu tronco forte sai da verdura que lhe forma um tapete suave; uma faixa de terreno avermelhada torna mais escura e aveludada a cor das folhas nos ramos m�dios que destacam nesse fundo; a ramagem alta, inundado de luz, recorta-se no azul do c�u e tem um verde mais claro, mais tenro, que parece revelar a seiva, a mocidade persistente do velho castanheiro... E essa claridade que vem de cima, que banha as folhas, difusa e transparente, maravilhosa de cor, � o sol, o calor, a luz, a vida, a que o gigante abre os bra�os, fortes e l�nguidos, bra�os que se alongam, porque n�o podem desprender-se da terra, e que se agitam numa eterna aspira��o... E o velho castanheiro serrano parece simbolizar a �nsia apaixonada da arte, da inspira��o, da vida profunda, que � o segredo do Talento... O castanheiro gigante... Talvez o tenha visto na Lous�, mas nunca o vi t�o bem como agora, no quadro de Mestre Carlos Reis. Ali est� — testemunha eloquente das energias inquebrant�veis duma arte que n�o esmorece na sua �nsia de beleza”.

Nesse ano foi rifado a favor do Miseric�rdia de Torres Novas um quadro que o Mestre tinha oferecido para esse fim, e que se encontra hoje no Museu Municipal da mesma terra.

Tamb�m nesse ano pintou Carlos Reis o belo retrato do Presidente do C�mara de Torres-Novas Dr. Carlos Mendes.

Em 1939 apareceu O V�u da Comungante, maravilha de t�cnica, imposs�vel de descrever. A reprodu��o que se d� adiante n�o pode dar ideia da verdade com que foram representadas as v�rias grada��es de transpar�ncia do v�u. Esse soberbo quadro foi vendido a um particular e � prov�vel que como tantas obras de arte que deviam enriquecer os nossos Museus, v� para fora do pa�s. Falando da 12�. Exposi��o do Grupo Silva Porto dizia “A Voz”: — “Mestre Carlos Reis, como artista insigne que �, domina a Exposi��o. Al�m de O v�u da comungante, tela que os fados querem levar-nos para longes terras, com preju�zo do nosso patrim�nio art�stico, ainda nos apresenta um outro grande quadro em que cintila o seu forte esp�rito criador. Moinho do Ramal se chama esse encantador trecho de paisagem viva, palpitante. As �guas de Foz do Arouce, a que uma velha oliveira solit�ria faz guarda de honra, encantam pela nota franca, corrente, a contrastar frondes que para tr�s ficam. Ao fundo a lombada silenciosa da serra, sobre cuja cabeleira uma f�mbria de luz ilumina vagamente o ambiente. Respira-se amplamente. Passem os olhos a poesia desta cena, dum bucolismo ador�vel. Sol de Agosto, Velho palheiro, Outono e Entardecer s�o outras tantos telas, embora pequenas a atestar o grande poder de realiza��o desse artista inconfund�vel”.

No “Di�rio de Lisboa” D. Alberto Bram�o disse:—“... dizer que O V�u  da Comungante � uma dessas obras primas que s� por si definem a t�cnica dum mestre, que possui a magia de transformar o pastosidade das tintas de �leo na diafaneidade subtil do mais fino tule, assim como para a exposi��o anterior a tinha transformado na transpar�ncia brilhante de aut�ntico vidro; dizer que O Moinho do Ramal � um peda�o de natureza t�o belo e t�o vivo que, se pud�ssemos permanecer tr�s meses a olhar para ele, nos pod�amos dispensar de ir passar o ver�o no campo; dizer que os quatro quadros mais da sua autoria nesta exposi��o trazem todos o sinete da realeza art�stica que os gerou; dizer qualquer destas coisas seria repetir o que cada um dos meus leitores tem dito muitos vezes a si pr�prio. Por isso, prefiro n�o dizer nada a respeito de Carlos Reis, que em pintura deveria ser considerado Carlos Rei se n�o houvesse perigo de que a Hist�ria o confundisse com o infeliz Monarca, que tamb�m foi pintor...”

Nesse ano Carlos Reis pintou ainda Meio-dia, exposto em 1940, e a grande tela, ainda n�o conhecida do p�blico, que ele ofereceu � C�mara Municipal da Lous� e que se acha j� colocada, bem como um tr�ptico de Jo�o Reis, na sala das sess�es daquela C�mara. No “Povo da Lous�” o jornalista M�rio Machado escreveu um longo artigo, do qual destacamos estes per�odos: — “A princesa Peralta, um magn�fico manto sobre os ombros, sonhadora e triste, no seu cavalo admiravelmente ajaezado, segue, embalada e meiga, ao lado de seu Pai, o Rei Arunce, igualmente a cavalo, coroa real na cabe�a, manto vermelho sobre as esp�duas. V�m fugidos do seu antigo reino de Con�mbriga, pois ali surgira, sem se saber de que parte do mundo, nos tempos de Sert�rio, um poderoso conde � frente de numerosa armada de naus e outras velas. E foi tal a devasta��o que os invasores produziram naquela insigne e populosa cidade, n�o perdoando a coisa viva, que os seus habitantes fugiram e nunca mais nela quiseram entrar nem morar. O Rei Arunce e sua formosa filha meteram-se pela terra dentro, que nesse tempo era pouco povoada, e vieram esconder-se num castelo que edificaram nas entranhas e cora��o dumas serras, entre vast�ssimos e cerrados arvoredos, com todas as suas opulentas riquezas e cobi�osos tesouros, e ali ficaram com os seus guerreiros. Eis, em tra�os r�pidos, a lenda da funda��o do Castelo da Lous�, onde em baixo serpenteia, claro e manso, o tranquilo e sossegado rio Arouce, nas �guas da qual ca�ram muitas vezes as l�grimas da desditosa princesa quando, olhando o viso da serra, contemplava, silenciosa e sonhadora, o tri�nviro Estela, belo e amoroso tipo de soldado romano. O not�vel quadro de Mestre Carlos Reis foi beber a esta lenda encantadora, com certo fundo b�lico e rom�ntico, o seu motivo fundamental. As duas figuras centrais da princesa e do Rei s�o modelarmente pintados, arrancadas � lenda pelo g�nio art�stico do Mestre com um poder evocativo simplesmente maravilhoso. A serra da Lous�, ao fundo, exuberante de vegeta��o, destaca-se numa tonalidade de sonho, na cad�ncia duma luz tecida das mais belas nuances e das mais cristalinas claridades. Todo o quadro respira uma beleza que emociona e encanta, com a sua enternecedora poesia lend�ria. �, simplesmente, uma maravilha da pintura contempor�nea”.

Passou-se em revista com a poss�vel individua��o, compat�vel com o preceito cl�ssico esta brevis. et placebis, a parte mais importante do obra de Carlos Reis at� � data. Que maravilhas nos reservar� ainda 1940 e os anos seguintes?

 

A SUA MORTE

O que o ano de 1940 nos reservava em vez das esperadas maravilhas da sua Arte, era o consternador sucesso da sua morte.

Quando, em Dezembro de 39, tendo ido � Lous� em cumprimento de triste dever de amizade, vimos e admir�mos a soberba tela que hoje opulenta a sala nobre dos Pa�os do Concelho daquela linda Vila, est�vamos bem longe de supor que ela fosse o conto do cisne do Mestre ilustre.

Carlos Reis j� ent�o estava bastante doente. Em 1937, estando o grande artista a desenhar um projecto para o monumento aos her�is torrejanos do segundo cerco de Diu, a erigir na terra da sua naturalidade, sentiu grandes dores no olho direito, que teve de ser extra�do. Desde ent�o o seu estado geral de sa�de come�ou a ressentir-se. No ano seguinte faleceu seu irm�o Jo�o, o que muito o abalou. Em 39, na v�spera do minha ida � Lous�, faleceu sua irm� D. Sofia, que estava havia 7 meses em sua casa, no Casal da Lagartixa. Todos estes desgostos e ainda um trabalho exaustivo, como foi o necess�rio para pintar num prazo de tempo quase inveros�mil a grande tela a que j� me referi, e v�rios quadros de cavalete, um dos quais de grandes dimens�es (Meio Dia), acabaram de enfraquecer o seu j� combalido organismo.

Ainda assim, apesar de tudo, verificando que acabara em pouco mais de um m�s um quadro de tais dimens�es e valor art�stico, e que conservava o seu esp�rito de sempre, embora turvado pelo desgosto t�o recente, pensamos que a sua forte organiza��o triunfaria muito tempo ainda contra os males que o minavam.

Mas quando, meses depois, o visitamos em Lisboa, j� n�o parecia o mesmo. O corpo n�o tinha for�a, o esp�rito n�o tinha viveza. J� nunca sa�a, e, mesmo por casa, s� andava apoiado a uma bengala. Como ent�o morava num quarto andar, os filhos conseguiram que mudasse para um r�s-do-ch�o na rua Castilho, na esperan�a de que assim se resolvesse de vez em quando a sair para espairecer. Mas, mal se instalaram na nova resid�ncia, piorou sensivelmente. Por conselho dos m�dicos, foi levado precipitadamente para a Lous� em 17 de Julho. Havia a esperan�a de que os ares da serra e o encanto da paisagem, acalmassem os seus nervos sobreexcitados. Mas ao cabo de 5 dias houve necessidade de o transportar urgentemente para Coimbra, onde ainda viveu um m�s entregue aos cuidados e ci�ncia do Dr. El�sio de Moura.

Durante esse m�s angustioso, recebemos de Jo�o Reis v�rias not�cias contradit�rias; ora as esperan�as renasciam, ora as pioras se acentuavam. Em 20 recebemos um bilhete que dizia o seguinte: “Desculpe escrever-lhe num cart�o, mas o estado de esp�rito n�o me deixa ser longo. Agrade�o-lhe muito o seu telegrama. O Pai est� muito mal, os m�dicos perderam as esperan�as. S� um milagre”. Por isso nada nos surpreendeu o telegrama que recebemos no dia seguinte participando-nos o falecimento do Grande Mestre, meu grande e querido amigo de sempre. Uma bronco-pneumonia p�s termo ao seu sofrimento, que a art�rio-esclerose, a nefrite e por �ltimo a encefalite, lhe vinham causando.

Poucos dias antes tinha-lhe sido concedida, por proposta do Sr. Ministro do Educa��o Nacional (Dr. Carneiro Pacheco) a Gr�-cruz de Santiago. Eram t�o diferentes as circunst�ncias actuais daquelas em que se deu a sua ren�ncia da Comenda da mesmo ordem que n�o s� o Mestre a aceitou, como, estou certo, esta distin��o foi a sua �ltima alegria.

A Morte de Carlos Reis causou, como era natural, enorme sensa��o no pa�s, principalmente nos meios art�stico e social que ele frequentava e onde era familiar a sua insinuante figura e o seu esp�rito brilhante. Pode-se dizer que n�o houve jornal ou revista que a seu respeito n�o publicasse longos artigos, onde o pesar pela sua morte e a admira��o pela sua obra deram assunto para p�ginas brilhantes. Seria fastidioso transcrever aqui tudo quanto ent�o se disse na imprensa sobre Carlos Reis. Para apenas citar artigos assinados, mencionarei Tom�s Ribeiro Cola�o (no jornal “A Noite” do Rio de Janeiro), Rebelo de Bettencourt (no “Di�rio dos A�ores”), Berto Leite (em “Stella”), Dr. Eug�nio de Lemos (no “Povo da Lous�”), Juli�o Quintinha (no “Di�rio do Alentejo”), Aurora Jardim (no “Jornal de Not�cias”), Marinho do Silva (no “Setubalense”), Alfredo Pinto (Sacav�m) (no “Di�rio do Alentejo”), e na (“Gazeta das Caldas”), Domingos Rebelo (no “Di�rio dos A�ores”), P.e Maya (no “Almonda”), Fernando de Pamplona (no “Di�rio da Manh�”), Maria de Carvalho e Carlos Sombrio (no “Di�rio de Lisboa”), Adelaide Felix (no “Renascen�a”), Manuel dos Santos (em “Ecos de Sintra”), Osvaldo Orico, da Academia Brasileira (no “Povo da Lous�”), Diogo de Macedo e Carlos Parreira (em “Ocidente”).

No dia seguinte ao do sua morte, o professor Dr. Agostinho de Campos, seu grande amigo e admirador, fez, ao microfone da Emissora Nacional, uma not�vel palestra sobre o Mestre. Nessa palestra, como todas, rica de conceitos e primorosa de forma, o insigne escritor acentuou o facto de Carlos Reis ter morrido em plena gl�ria. Efectivamente Carlos Reis n�o conheceu a decad�ncia art�stica a sua �ltima tela revela a seguran�a, a mestria de sempre.

Um cr�tico de Arte, que nem sempre fora am�vel para com o Mestre, termina assim o seu artigo em “Ocidente”:- — “Como o chefe (Silva Porto) alcan�ava determinadas delicadezas de efeitos que em toda a parte e em todos os tempos quedam como exemplos de gosto. � que Carlos Reis, como artista mereceu o t�tulo de Mestre; e como tal, a sua morte deixou Portugal e a Arte portuguesa de luto profundo”. Respigando nos numerosos artigos dedicados a Carlos Reis por ocasi�o da sua morte, ser-nos-ia f�cil encher p�ginas s� com frases e conceitos escolhidos entre esses artigos. N�o o faremos. Mas n�o resistimos a transcrever, como fecho a este modesto monumento de saudade e homenagem, o seguinte admir�vel soneto de Silva Tavares: —

 

CARLOS REIS

 Os olhos que, por culto singular

da luz, da Cor, da imagem pura e bela,

t�o bem souberam projectar na tela,

como em l�mpido espelho, a terra e o mar,

 

deixaram para sempre de brilhar,

apagados na treva que regela,

como se apaga a chama de uma vela

depois de ter iluminado o Altar!

 

As m�os — benditas m�os! — que conseguiram

dar corpo e vida a quanto os olhos viram,

im�veis s�o, tamb�m, por lei fatal.

 

Mas podem mais que a lei do pr�pria Morte

o nome e a Obra! A Obra, porque � forte;

o nome porque ilustra Portugal.

 

[Carlos Reis/ Artur Gon�alves, Gustavo de Bivar Pinto Lopes. Torres Novas, 1942]

 

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