''Vi ontem um bicho, na imundície do pátio, catando comida entre os detritos (...) O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.''¹


As estrelas ao longe
A cidade maravilhosa
A escuridão claramente triste
Testemunhavam:

A fome.

Encarcerada nos escombros,
Nos corpos imunes -
Crianças, grávidas, velhos, desempregados -
Nas bactérias resistentes tanto quanto ao calor
Humano!

A Vigilância Sanitária diz:
"O calor descaracteriza o produto
não serve para a alimentação
humana".

Humana?...

A Polícia tenta conter,
As lágrimas,
Diante das cinzas,
Dos miseráveis,
Superiores aos de Victor Hugo:
"Não tenho coragem de coibir".
Irajá, Acari² ,

Vigilância, bactérias,
Cinzas, rebentos,
Polícia, alimentos,
Ceasa, o calor...
Artistas kafquianos?
O frio

De nossa desumanidade errática.

 


 

(1) Do poema ''O bicho'', que Manuel Bandeira escreveu em 1956 - Obras Poéticas.
(2) "Cerca de mil pessoas cavaram com as mãos ou pás os escombros em busca de restos de alimentos. Eram as sobras do incêndio que, no último dia 21, destruiu um pavilhão da Ceasa, na zona norte do Rio. Muitos atravessaram a lama, rasgaram as roupas e deixaram sapatos no caminho para pegar quilos de arroz ou latas de óleo. Eram moradores de favelas próximas que, pelo segundo dia consecutivo, recolhiam alimentos impróprios para o consumo, segundo a Vigilância Sanitária do município."
O Globo, 30/05/2001.



Direitos reservados. Para citar este texto:

Mendes, Juscelino V. – A Fome. Página de Juscelino Vieira Mendes, seção "Poesia & Teatro". Sítio http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/, Internet, Campinas, 2003.











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