O Natal e a Porta da Mansão Celeste





Corilov foi dormir naquela noite pensando no dia seguinte. Sempre pensamos no dia seguinte. Pensava nos parentes, cujos cumprimentos iam e vinham em sua mente, numa recordação de outros tempos iguais. Alguns, distantes, estariam em seu coração. Não pensava em tristeza, porquanto o Natal é tempo de alegria, de confraternização, pela lembrança doce da chegada do Menino Deus; das músicas que proclamam a Sua glória. Músicas que, quando cantadas, traziam ao coração a sensação de que devessem ser com o máximo de fervor, pois podia ser a última vez.

O dia se lhe apresentou ensolarado e prenunciando momentos de íntima comunhão com tudo e todos que estariam ao seu redor. Levantou-se, falou com Deus em oração, tomou o seu café como de costume, falou pouco e olhou o céu, mirando-o numa compreensão de infinita doçura.

As folhas das árvores pareciam aflitas à espera da chuva que se avizinhava, não obstante o brilho do sol de verão. Os pássaros, por seu turno, cantavam sem encantar.

Ele continuou seus passos sentindo uma alegria em branco e preto, mas sem o brilho das velhas fotos antigas. Ligara a televisão para sentir o clima exterior de sua casa, de sua vida familiar, para alcançar a comemoração dos outros, através daquele espaço diminuto na forma, mas cheio de luzes na essência, para a verificação de um dia quieto, calmo e de aparência de velório.

Não desejava, quem sabe, um dia assim tão quieto, tão morno, tão passivo, por ter sido aquele dia o escolhido pelos homens para a comemoração do nascimento mais importante da humanidade. Os três reis magos deram magnífico exemplo de alegria. Por que não via a maioria das pessoas buscando o Menino-Deus como aqueles três reis, buscando-O como a última esperança? Pensava assim em seu desejo de vida; desejo de rio corrente, de árvores frondosas, de cheiro de mato em dia de chuva...

Aguardou o almoço com avidez de um adolescente, porque sentia o aroma do alimento ao prepará-lo, degustando-o antes de o ingerir. Sentar-se-ia à mesa e começaria a fazer o seu banquete particular de todas os dias? Em poucos segundos não estava mais a ouvir os pássaros, o soar do vento nas folhas das árvores, nem a contemplar o brilho do sol, o céu, pois já estava lá sem saber que estávamos todos mergulhados na escuridão da chuva iminente, cujas gotas se antecipavam brotando dos olhos de sua mulher, dos filhos, irmãos, quem sabe em uníssono pensando:

A porta da Mansão Celestial devia estar cerrada no dia de Natal.


Campinas, 25 de dezembro de 2000



Direitos reservados. Para citar este conto:

Mendes, Juscelino V. – O Natal e a Porta da Mansão Celeste . Página de Juscelino Vieira Mendes, seção "Contos". Sítio http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/, Internet, Campinas, 2003.













Imagem: Saelon
Edição: Serena





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