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A RELIGIÃO PELA POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA E LIBERTADORA
Pe. Mário de Oliveira
A
política
tem de voltar à ordem do dia em todos os países do mundo, se quisermos que a
Humanidade tenha futuro e futuro de felicidade e de paz universal. Não,
evidentemente, a corrupta política dos profissionais da política, que
rapidamente se acomodam ao suculento prato de lentilhas que os grandes patrões
das multinacionais lhes garantem e, consequentemente, tudo quanto depois fazem
é (quase só) para ajudar a manter cada vez mais forte a Ordem económica
mundial, por mais iníqua e inumana que ela se apresente, mas a política
protagonizada pelos empobrecidos e excluídos do mundo, nesta data, quase cinco
mil milhões, entre o total de seis milhões de pessoas, que é quanto soma já
a humanidade. Só que, para uma
revolução destas ganhar corpo, os empobrecidos e os excluídos do mundo têm
de deixar de ser os empobrecidos e os excluídos resignados e conformados,
submissos e bem educados que, ingenuamente, têm sido, na expectativa de virem a
receber, regularmente, potenciais subsídios e esmolas que caiam. como migalhas,
da farta mesa dos grandes patrões das multinacionais do mundo, para passarem a
ser empobrecidos e excluídos com Espírito, naquela linha fecundamente
subversiva, libertadora e revolucionária de Jesus Cristo, nomeadamente, das
bem-aventuranças do Evangelho de Mateus ( 5, 3 ), que não se inibe de
proclamar, em boa e actualizada tradução para o nosso hoje e aqui mundial:
Felizes os empobrecidos e os excluídos com Espírito, porque deles é a terra,
finalmente, organizada segundo os gostos e as aspirações de Deus, o mesmo é
dizer, segundo os gostos e as aspirações de todos os empobrecidos e excluídos
do mundo. Mas quem vai despertar os empobrecidos e excluídos do mundo para a
política? Quem os vai convencer de que a política há-de ser para eles o ar
que respiram, o pão que comem, a obra maior e mais bela que lhes cumpre
realizar, enquanto durar a História? Quem lhes vai mostrar que a política é a
expressão mais pura e mais perfeita do amor que eles se devem a si próprios e
uns aos outros? Em todos estes séculos para trás, os empobrecidos e excluídos
sempre foram levados a pensar que a política é para os políticos; que a política
é coisa de certos intelectuais e outras minorias mais ou menos espertalhonas e
com estudos, de verbo fácil e poucos ou nenhuns escrúpulos, dispostas até a
vender a alma ao diabo, se necessário for, só para garantirem um naco mais de
poder pessoal e de prestígio. Nunca, aos empobrecidos e excluídos, os deixaram
ver a política como coisa sua, como a actividade maior deles próprios. Pelo
contrário, para os empobrecidos e excluídos do mundo, só mesmo a religião os
deveria interessar, mobilizar e fazer movimentar, através dos tempos. E a
verdade é que, se há sector, ainda hoje, em que os empobrecidos e os excluídos
do mundo, tanto do Sul como do Norte, mais aparecem a dar a cara, é sobretudo
no âmbito das religiões, sejam elas quais forem. E, mesmo aí, não como
protagonistas e sujeitos, evidentemente, mas como meros figurantes sem vez nem
voz, num desolador espectáculo sistematicamente conduzido e controlado por
outras minorias espertalhonas e com estudos - o clero e outros sacerdotes de
todo o tipo - as quais, de toda essa actividade religiosa a que presidem, tiram
sempre muito proveito, não só material e financeiro, mas também provei-to na
esfera do poder, da influência social e do prestígio pessoal. Ao despertarem
os empobrecidos e excluídos do mundo para a religião, a realizar em grandes ou
pequenos santuários, onde elas sempre aparecem a pontificar e a recolher
dividendos de vária ordem, em lugar de os despertarem, a tempo e fora de tempo,
para a política subversiva e revolucionária, as Igrejas cristãs mais não
fazem do que atraiçoar despudoradamente a sua missão profética no mundo e na
história. Ao avançarem por aí, em frontal oposição à ordem que receberam
de Jesus ressusci-tado, de pregarem o Evangelho da libertação para a liberdade
e para a responsabilidade a todas as nações, as Igrejas prestam-se, melhor do
que ninguém, a fazer o jogo das multinacionais e dos seus mega-patrões
todo-poderosos. É, até, por isso que tanto aquelas como estes continuam a
dar-se bem com a generalidade das Igrejas. E até fazem gala de financiar os
seus cultos e os seus empreendimentos, nomeadamente, a construção de templos e
capelas, de centros sociais e paroquiais, e de outras obras que as Igrejas, na
sua maioria, costumam levar a cabo, a pensar especialmente na assistência aos
empobrecidos e aos excluídos que as frequentam, ou que aceitam viver, numa
postura que tem muito de indigno, à sua sombra e sob a sua moralista e
opressora tutela.
Política
quero, não religião!, diz Deus, pela boca de Jesus, no Evangelho de Mateus (9,
13 ). As nossas Bíblias não têm lá esta frase, tal e qual, mas é assim que
se deverá traduzir, de forma actualizada, a expressão original do profeta
Oseias que Jesus fez sua, e que
diz, textualmente, Misericórdia quero, não sacrifício. Infelizmente, as
nossas Igrejas não têm entendido assim, e preferem continuar a pensar que elas
próprias existem no mundo e na história para promover e alimentar a religião,
nomeadamente, junto das multi-dões de empobrecidos e excluídos, hoje, a
esmagadora maioria da Humanidade. Como se o Espírito Santo ou Ruah de Deus, tal
como se nos revelou e deu definitivamente a conhecer em Jesus de Nazaré, o
Cristo crucificado/ressuscitado e Deus entre nós e connosco, alguma vez,
pudesse estar interessado em convocar multidões de famintos e de injustiçados,
de espoliados e de oprimidos, de atrofiados e de iletrados, numa palavra, de vítimas
humanas de todo o tipo, para, depois, as reunir no interior de grandes e mais ou
menos sumptuosos santuários, e, aí, as pôr a repetir estereotipadas e
rotineiras orações, em reiteradas sessões de culto que têm todos os
ingredientes duma bem montada sessão de produção e auto-ingestão de ópio. O
medo criou os deuses e as religiões. E, desde então, nunca mais a miséria
humana deixou de os/as alimentar. Na verdade, quanto maior é a experiência de
insegurança e de incerteza, por parte das populações, em rela-ção ao dia de
amanhã; quanto mais frágil é a sua saúde e mais inacessível o bem-estar a
que todos os seres humanos temos direito, mais garantia há de que os templos,
particularmente, os santuários de grande nomeada, continuem cheios de clientes.
Mas
o mais estranho é que a generalidade das Igrejas costumam rejubilar com todas
estas levas de clientes em redor dos santuários e de certas imagens mortas que
lá são conservadas como talismãs. Inclusive, quase todas elas gostam de
sublinhar, publicamente e com ar triunfante, que, afinal - ao contrário do que
previam, num passado recente, certas correntes de pensamento revolucionário e
libertador - o fenómeno religioso não só não desapareceu, como até está de
volta. Na verdade, fossem as Igrejas verdadeiramente fiéis à missão histórica
de que Jesus ressuscitado as incumbiu - « ide por todo o mundo e anunciai o
Evangelho a toda a criatura » - e, então, em lugar de rejubilarem com o
regresso do fenómeno religioso, todas elas deveriam chorar. Porque se populações,
hoje, voltam a encher os templos e continuam a correr para Fátima, por exemplo,
é sinal de que voltam a sentir-se inseguras e experimentam o seu futuro
sombrio, para não dizer, mesmo sem saída. Por outro lado - e seria outra razão
para as Igrejas chorarem, em lugar de rejubilarem - com os empobrecidos e os
excluídos metidos nas religiões, em lugar de metidos na política revolucionária
e libertadora, as multinacionais e os seus mega-patrões podem continuar
descansados, por muito mais tempo ainda, porque, assim, a sua Ordem económica
mundial, apesar de cruel e inumana, não conhecerá contestação de maior, pelo
contrário, será até olhada como Ordem económica querida e estabelecida por
Deus. Na qual eles e os demais grandes ricos continuarão sem ser despojados, em
prol de toda a humanidade empobrecida e excluída, dos bens que possuem em
excesso, quando muito, apenas serão convidados pelas Igrejas a deixar cair das
suas fartas mesas algumas migalhas para, desse modo, tentar calar os
empobrecidos e os excluídos mais conscientes e, por isso, mais saudavelmente
rebeldes e inconformados. Por isso, bom seria que as Igrejas cristãs
aproveitassem este ano jubilar que está a decorrer, para viaja-rem até às
origens, sobretudo, para se sentarem aos pés de Jesus ressuscitado, como,
paradigmaticamente, terá feito, em seu tempo, a primitiva comunidade de Maria,
irmã de Marta, de que nos fala o Evangelho de Lucas (10, 38-42), no seu
primeiro volume. Em lugar de continuarem por aí atarefadas, como a comunidade
de Marta, em tantos cultos rotineiros e idolátricos e outras actividades sem
profecia, que só servem para consumir energias e criar frustações de todo o
tipo, sobretudo, em quem, dentro delas, tem mais responsabilidades.
Se o fizerem, talvez descubram, ao fim de todos estes
séculos de práticas eclesiásticas alienantes, que a sua missão não é
religiosa, mas espiritual, bem na linha da real consciencialização dos indivíduos
e dos povos, e com particular incidência junto das imensas multidões de
empobrecidos e excluídos de todas as nações da terra. Para que estes, em
lugar de continuarem a ser empobrecidos e excluídos com muita religião, ousem
ser e assumir-se como empobrecidos e excluídos com Espírito, o mesmo é dizer,
ousem entregar os seus corpos e as suas vidas a práticas políticas revolucionárias
e libertadoras que mudem a face da terra. Em concreto, ousem fazer frente às
multinacionais e aos seus mega-patrões, até terem mão nelas e neles. Ao mesmo
tempo, ousem criar de raiz uma nova Ordem económica mundial, que garanta vida
em abundância e de qualidade a todos os seres humanos e à própria Natureza, e
na qual a existência de ricos e de pobres seja considerada crime de lesa
humanidade. De modo que nunca mais volte a ser sequer tolerada, no decorrer da
História.
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