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AMIZADES
DESNIVELADAS
Emílio Fonseca
Belos
aqueles tempos em que uma amizade era mesmo verdadeira e autêntica. Os homens ainda não
tinham sido tocados pelo "virus" das sociedades modernas. A sociedade
de hoje promove, acima de tudo, os valores referenciais do sistema capitalista.
O homem procura, por todos os meios e formas, o seu bem-estar material mesmo
que, para o conseguir, arraste à sua frente e pise despudoradamente o seu
semelhante! Tornamo-nos muito egoístas e só vemos as razões dos nossos
interesses. Hoje é necessário que cada um de nós tenha um grande cuidado com
os que se dizem amigos e também na formação de novas amizades.
No
entanto, há ainda verdadeiras amizades! Ainda existem aqueles homens que estão
dispostos a sacrificarem-se para manterem as suas amizades tradicionais e buscam
escrupulosamente a possibilidade de novas amizades, mas autênticas. Sei que é
difícil porque grande parte dos homens do nosso tempo deixou-se minar pelo tal
"virus" que fomenta as amizades interesseiras e enganosas. Tudo começa
bem e vai de vento em popa, tudo
singra com elegância mas, de repente, começam a surgir as dúvidas e, por fim,
as desilusões. Começamos a ver nas horas calmas duma serena reflexão que
afinal mais uma vez nos enganamos... com este ou aquele que se dizia amigo.
Por
uma questão didáctica, dividiria as amizades em três níveis ou grupos e faríamos
uma breve reflexão sobre o modo como as pessoas comunicam, em geral, umas com
as outras:
A)
A um primeiro nível de amizade, a conversa processa-se através de
"Chavões": « como vai?»; «como tem passado?»; «a família está
bem?». O interlocutor apercebendo-se da superficialidade o do convencionalismo
da pergunta, responderá: «bem obrigado». Esta é também uma resposta
"chavão" mas que corresponde ao limite mínimo da comunicação.
Poderemos afirmar que nem sequer houve comunicação porque não existiu
partilha entre essas pessoas. Elas fazem isto por hábito e duma forma
mecanizada mas nunca são afectadas interiormente. Passam ao lado...
B)
A um segundo nível diremos
que já poderá existir um diálogo, que haverá interesse em que um saiba
certas coisas em relação ao outro e vice-versa, mas essa curiosidade não leva
a uma aproximação maior entre as pessoas, mas dá azo a certos mexericos em
que muita boa gente se compraz, falando e criticando a vida e certas situações
de outras pessoas. Perguntamos coisas ao amigo, não com a intenção de o
ajudar, de o respeitar ou de ter por ele grande consideração mantendo o sigilo
da conversa, mas para depois nos espraiarmos na crítica negativa e destrutiva
quando nos relacionamos com "outros amigos". Parece que sentimos um
prazer mórbido em rebaixar os outros e, muitas vezes, distorcendo a verdade das
conversas tidas e / ou dos factos.
C)
A um
terceiro nível, poderemos afirmar que existirá uma verdadeira comunicação
quando nos interessamos pelas situações dos outros e sentimos as suas emoções
como se fossem nossas. Quando estou interessado em saber da situação dum amigo
não é para ir depois mexericar sobre a sua vida, com os outros,
mas é sobretudo para o ajudar, para sofrer com ele e para utilizar todos
os meios ao meu alcance no sentido de amenizar os seus problemas ou até, se
possível, solucioná-los. Eis o programa de vida de um amigo de verdade. Aqui
é que está a verdadeira amizade! Quando estamos sintonizados com os outros,
quando existe uma grande empatia com o meu semelhante, quando olhamos para ele
com respeito e carinho, quando vemos nele um irmão carente e estamos dispostos
a estender-lhe a mão mesmo que a nossa vida sofra alguns sobressaltos e uma
certa instabilidade, só nessa altura é que entendemos o que é ser amigo. Lá
diz o velho ditado do povo e com inteira razão: "Os amigos são para as
ocasiões".
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