ANO III  Nº 26  MAIO 2000
Director : Armando Moreira Fernandes

 


 

 

POETAS VIVOS: AFONSO LEAL 
Alfredo de Sousa

 

Gostava  que  não  acontecesse  um dia, daqui  a alguns, muitos anos, a um poeta penafidelense, já poeticamente divulgado por muitos locais da sua e nossa cidade, sobretudo através das suas quadras, o mesmo que aconteceu com António Aleixo que, muito embora descoberto há cerca de trinta anos, só cem após o nascimento e cinquenta após a morte, recebeu as homenagens devidas, precisamente a propósito do centenário referido. É que é muito triste que seja necessário, na maioria dos casos, primeiro morrer-se para que se reconheça o valor de quem, por uma ou outra forma de intervenção se diferenciou, mas a quem a vida se não quis ou sempre se evitou reconhecer as qualidades e os feitos que o diferenciam.

 É muito triste, com efeito, que somente depois da morte se reconheça e homenageie quem durante a vida já o merecia. Fazendo-o em vida talvez até se contribuísse para o aumento desse merecimento, pois poderia ser tomado ( e era com certeza ) como incentivo a uma melhor e mais profícua criação e produção. Porque, não tenhamos dúvidas nem preconceitos e muito menos receios em o proclamar, não há quem não goste de se ver apreciado e reconhecido em vida, mesmo que não seja homenageado, uma vez que tanto o aquece como o arrefece que o seja depois da morte. O que é que impede que amigos ou simples conhecidos, talvez até admiradores, reconheçam o mérito e o valor de um poeta popular vivo, para tomarmos como exemplo o caso de António Aleixo, que em vida foi um humilde cauteleiro na sua terra de Loulé, mas um brilhante poeta popular, sendo somente depois de morto reconhecido e apreciado e só alguns anos depois de ter morrido?

 Tenho para mim que o que impede amigos, conhecidos e até admiradores de prestarem em vida o reconhecimento e as homenagens que se impõem a quem por actos criativos e ou artísticos se diferenciam é aquilo a que chamo o pecado dos pecados deste século, sendo porventura que já o era no século passado e o será no próximo. Esse pecado dos pecados, neste tempo um autêntico pecado nacional, é a inveja. E é porque somos uma sociedade polvilhada de invejosos, que tentam difaçarse com hipocrisia sedosa e malévola, que muitas vezes, quase sempre, evita, precisamente, que se disfarçam.

 Em Penafiel, temos também o nosso António Aleixo. Não será, porventura, tão inspirado filosoficamente quanto o foi o poeta popular algarvio,

Eu não tenho vistas largas 
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas 
Lições de filosofia

 proclamava o poeta Aleixo, mas o poeta de Penafiel é, porém, bastante narrativo e moralista, tanto que em algumas das suas quadras se enquadram perfeitamente na afirmação e no desejo do que elas expressam. Uma delas é, por exemplo, esta:

Uma grande amizade 
Pode ter pontuação
Vários pontos, muitas vírgulas
Ponto final é que não.

E estoutra, que elucida a quem a lê a profissão que exerce, não deixa de estar imbuída de uma moral relacional que bem merecia ser tomada à letra como geral comportamento:

Mesmo que nada me compre 
Entre, converse comigo 
Se não ganhar um cliente
Quem sabe, ganho um amigo.

Estará este poeta popular penafidelense condenado a não ser reconhecido enquanto for vivo e só cinquenta anos depois da sua morte é que o será? É lamentável se assim for, e se o for, mais uma vez se cumprirá, como um destino inexorável, a lei atávica que nos persegue e que determinará que, depois da morte, talvez apareça quem se preocupe em reunir os seus versos. Sorte que António Aleixo teve na pessoa de um professor de liceu alguns anos depois de ter morrido, cerca de vinte. Ao nosso poeta popular ainda não apareceu o professor de liceu disposto a dar consistência literária à sua já vasta produção, de que ultimamente vai aparecendo uma ou outra amostra em jornais da terra, para além de alguma divulgação em locais públicos ou em montras de estabelecimentos.

 É triste que os penafidelenses tenham que esperar, quem sabe se cinquenta anos, após a morte deste poeta popular, por ora vivo e bem vivo, e que por muitos anos viva, para que as suas quadras sejam publicadas?! Então, irão os que lhe sobreviverem ficar atónitos com tão vasta produção. É que o nosso poeta, dir-se-á, vive poeticamente em função da sua criatividade, porquanto tudo quanto lhe pareça de interesse social ou mera expressão de sentimentos lhe serve para reduzir a uma quadra e nesse espaço mínimo de quatro versos dar-nos a síntese poética do acontecimento, da emoção, do sentimento. Porque a quadra tem precisamente esse sortilégio, que é condensar um conceito, uma emoção, um sentimento, um breve filosofar em apenas quatro versos.  Precisamente, porque a quadra, como nos deixou dito Fernando Pessoa, também ele um poeta que não desprezou este tipo de poesia, é o mais elementar dos géneros poéticos. E nenhuma outra forma de poesia o poeta da "Mensagem" ligou ao povo como o fez com a quadra, ao dizer-nos que A quadra é o vaso de flores que o povo põe à janela da sua alma, e também ao dizer-nos que Quem faz quadras portuguesas comunga a alma do povo.

 Estaremos em relação ao nosso poeta popular penafidelense em presença de um caso análogo ao de António Aleixo? Ou mesmo ao do próprio Fernando Pessoa que também somente após a morte viu as suas quadras publicadas?!...


 


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Penafiel - Maio 2000

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