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POETAS
VIVOS: AFONSO LEAL
Alfredo de Sousa
Gostava
que não
acontecesse um dia, daqui
a alguns, muitos anos, a um poeta penafidelense, já poeticamente
divulgado por muitos locais da sua e nossa cidade, sobretudo através das suas
quadras, o mesmo que aconteceu com António Aleixo que, muito embora descoberto
há cerca de trinta anos, só cem após o nascimento e cinquenta após a morte,
recebeu as homenagens devidas, precisamente a propósito do centenário
referido. É que é muito triste que seja necessário, na maioria dos casos,
primeiro morrer-se para que se reconheça o valor de quem, por uma ou outra
forma de intervenção se diferenciou, mas a quem a vida se não quis ou sempre
se evitou reconhecer as qualidades e os feitos que o diferenciam.
É
muito triste, com efeito, que somente depois da morte se reconheça e homenageie
quem durante a vida já o merecia. Fazendo-o em vida talvez até se contribuísse
para o aumento desse merecimento, pois poderia ser tomado ( e era com certeza )
como incentivo a uma melhor e mais profícua criação e produção. Porque, não
tenhamos dúvidas nem preconceitos e muito menos receios em o proclamar, não há
quem não goste de se ver apreciado e reconhecido em vida, mesmo que não seja
homenageado, uma vez que tanto o aquece como o arrefece que o seja depois da
morte. O que é que impede que amigos ou simples conhecidos, talvez até
admiradores, reconheçam o mérito e o valor de um poeta popular vivo, para
tomarmos como exemplo o caso de António Aleixo, que em vida foi um humilde
cauteleiro na sua terra de Loulé, mas um brilhante poeta popular, sendo somente
depois de morto reconhecido e apreciado e só alguns anos depois de ter morrido?
Tenho
para mim que o que impede amigos, conhecidos e até admiradores de prestarem em
vida o reconhecimento e as homenagens que se impõem a quem por actos criativos
e ou artísticos se diferenciam é aquilo a que chamo o pecado dos pecados
deste século, sendo porventura que já o era no século passado e o será no próximo.
Esse pecado dos pecados, neste tempo um autêntico pecado nacional, é a
inveja. E é porque somos uma sociedade polvilhada de invejosos, que tentam difaçarse
com hipocrisia sedosa e malévola, que muitas vezes, quase sempre, evita,
precisamente, que se disfarçam.
Em
Penafiel, temos também o nosso António Aleixo. Não será, porventura,
tão inspirado filosoficamente quanto o foi o poeta popular algarvio,
Eu
não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de filosofia
proclamava
o poeta Aleixo, mas o poeta de Penafiel é, porém, bastante narrativo e
moralista, tanto que em algumas das suas quadras se enquadram perfeitamente na
afirmação e no desejo do que elas expressam. Uma delas é, por exemplo, esta:
Uma
grande amizade
Pode ter pontuação
Vários pontos, muitas vírgulas
Ponto final é que não.
E
estoutra, que elucida a quem a lê a profissão que exerce, não deixa de estar
imbuída de uma moral relacional que bem merecia ser tomada à letra como geral
comportamento:
Mesmo
que nada me compre
Entre, converse comigo
Se não ganhar um cliente
Quem sabe, ganho um amigo.
Estará
este poeta popular penafidelense condenado a não ser reconhecido enquanto for
vivo e só cinquenta anos depois da sua morte é que o será? É lamentável se
assim for, e se o for, mais uma vez se cumprirá, como um destino inexorável, a
lei atávica que nos persegue e que determinará que, depois da morte, talvez
apareça quem se preocupe em reunir os seus versos. Sorte que António Aleixo
teve na pessoa de um professor de liceu alguns anos depois de ter morrido, cerca
de vinte. Ao nosso poeta popular ainda não apareceu o professor de liceu
disposto a dar consistência literária à sua já vasta produção, de que
ultimamente vai aparecendo uma ou outra amostra em jornais da terra, para além
de alguma divulgação em locais públicos ou em montras de estabelecimentos.
É
triste que os penafidelenses tenham que esperar, quem sabe se cinquenta anos, após
a morte deste poeta popular, por ora vivo e bem vivo, e que por muitos anos
viva, para que as suas quadras sejam publicadas?! Então, irão os que lhe
sobreviverem ficar atónitos com tão vasta produção. É que o nosso poeta,
dir-se-á, vive poeticamente em função da sua criatividade, porquanto tudo
quanto lhe pareça de interesse social ou mera expressão de sentimentos lhe
serve para reduzir a uma quadra e nesse espaço mínimo de quatro versos dar-nos
a síntese poética do acontecimento, da emoção, do sentimento. Porque a
quadra tem precisamente esse sortilégio, que é condensar um conceito, uma emoção,
um sentimento, um breve filosofar em apenas quatro versos.
Precisamente, porque a quadra, como nos deixou dito Fernando Pessoa, também
ele um poeta que não desprezou este tipo de poesia, é o mais elementar dos
géneros poéticos. E nenhuma outra forma de poesia o poeta da
"Mensagem" ligou ao povo como o fez com a quadra, ao dizer-nos que A
quadra é o vaso de flores que o povo põe à janela da sua alma, e também
ao dizer-nos que Quem
faz quadras portuguesas comunga a alma do povo.
Estaremos
em relação ao nosso poeta popular penafidelense em presença de um caso análogo
ao de António Aleixo? Ou mesmo ao do próprio Fernando Pessoa que também
somente após a morte viu as suas quadras publicadas?!...
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