|
|
O Ter e o Ser
Emílio Fonseca
Toda
a vida humana tem as suas
regras e as suas leis.
Ora essas leis e regras são naturais e estão de tal modo esculpidas no
íntimo, no âmago de cada um de nós, que qualquer esforço que façamos para
alterar essa ordem, vai ter como consequência o sentimento de um profundo vazio
que nos levará a sentirmo-nos infelizes e incapazes de espalharmos a alegria de
viver à nossa volta. Por essa razão, o homem não pode, a seu bel-prazer,
infringir essas regras ou tentar alterá-las e fazer de conta que nada aconteceu
porque, mais cedo ou mais tarde, a própria natureza se revoltará levando o
homem à divisão e consequentemente à sua própria destruição.
Pensamos
que há uma regra que, na vida humana, é fundamental. É a seguinte:
Todos devemos usar as coisas e amar as pessoas. As coisas existem para
que todos nós façamos um uso correcto delas e nunca nos devemos deixar
dominar por essas mesmas coisas. O homem é rei e senhor, e tudo aquilo que
existe à sua volta, deve ser usado com inteligência para que todas essas
coisas sejam postas ao seu serviço e ele sinta que está a crescer manipulando
essas mesmas coisas duma forma coerente e racional. Porém, o que acontece quase
sempre, é que nós deixamos de usar as coisas e prendemo-nos a elas, somos
dominados por elas tornando-nos seus escravos. É o dinheiro, a quinta, a casa
ou o automóvel que, a maior parte das vezes, domina as nossas atenções.
Vivemos e esforçamo-nos para ter cada vez mais, sacrificamos amizades e criamos
muitos problemas de relacionamento com os outros quando estes tentam impedir que
o nosso caudal de ganância ou soberba continue a crescer. Esquecemo-nos que o
homem vale por aquilo que é, por aquilo que realiza na sua vida em prol dos
outros, pela sua dedicação e altruísmo, e não por aquilo que tem ou possui.
A
riqueza dum homem quando é interior, quando está dentro de si próprio, podem
surgir as maiores calamidades ou desastres, aparecer os mais refinados ladrões,
e nunca conseguirão roubar esta
riqueza porque ela é intransmissível e faz parte da essência desse mesmo
homem. Além disso, é ainda uma riqueza que aumenta quando a partilhamos com os
outros, ao contrário da riqueza exterior e material que podemos perdê-la
facilmente. Os jornais, todos os dias, nos relatam assaltos dos mais
diversificados géneros, desde o comum roubo por esticão até aos mais recentes
às gasolineiras, mas nunca nos informaram que um médico, um cientista ou um
professor tenham sido despojados da sua cultura, da sua bondade ou do seu saber.
A nossa riqueza interior está lá e não há ninguém, por mais astuto que se
mostre, que seja capaz de a violar ou roubar.
Atrás
afirmámos que as coisas são para usar e as pessoas para amar. Mas o que
acontece frequentemente, infelizmente, é o contrário. Como já referimos, há
pessoas que se agarram demasiado às coisas, deixam-se dominar por elas e, como
consequência, surge uma tendência negativista que é o querermos usar os
outros tentando dominá-los. É o patrão que usa os seus trabalhadores para
atingir os seus objectivos lucrativos. É o marido que usa a esposa ou
vice-versa. São os pais que, a maior parte das vezes, não respeitam a vocação
ou a opção profissional dos filhos obrigando-os a seguir um caminho alheio às
suas mais legítimas aspirações, acabando por torná-los infelizes. Um filho
nunca deveria ser aquilo que o pai ou a mãe querem mas tão simplesmente
realizar a sua vocação e vir a ser o homem profissional que sempre sonhou ser.
Os pais apenas poderão sugerir vários caminhos a percorrer e, quando não se
sentem capazes, deveriam pedir apoio a um técnico vocacional, mas nunca impor a
sua vontade e o seu querer. Um médico que o fosse sem vocação, seria pela sua
vida fora um infeliz e os seus doentes, certamente, sofreriam graves consequências
por isso. Não basta exercer uma profissão, é preciso gostar dela! É necessário
que a pessoas se sinta realizada e feliz exercendo a profissão que foi
livremente escolhida por si própria. Seja na medicina ou em qualquer outra
profissão, mesmo pedreiro ou canalizador, é preciso ter-se vocação.
Quando
nos convencemos de que não podemos usar os outros sejam eles patrão ou operário,
marido ou esposa, pais ou filhos, superior ou subordinado, e nos deixarmos
dominar por esta máxima de que a pessoa é para amar e não para usar, então
teremos a certeza da que haverá no mundo menos gente infeliz porque cada um
realizará profissionalmente aquela actividade que livremente escolheu e que
sentirá um grande prazer e felicidade ao executá-la.
Nunca
esqueçamos que as coisas ou os bens materiais que temos ou possuímos são para
os usarmos respeitando as regras da justiça social e da equidade mas, em relação
às pessoas, alto lá, temos que respeitar, ajudá-las a crescer e a tornarem-se
úteis a si próprias e à sociedade em que estão inseridas.
Esta é a atitude mais nobre do homem e que lhe dá uma verdadeira dimensão
humana.
|