ANO III  Nº 25  ABRIL 2000
Director : Armando Moreira Fernandes

 


 

 

O Ter e o Ser
Emílio Fonseca

 

Toda a vida humana tem as  suas  regras e as suas  leis.  Ora essas leis e regras são naturais e estão de tal modo esculpidas no íntimo, no âmago de cada um de nós, que qualquer esforço que façamos para alterar essa ordem, vai ter como consequência o sentimento de um profundo vazio que nos levará a sentirmo-nos infelizes e incapazes de espalharmos a alegria de viver à nossa volta. Por essa razão, o homem não pode, a seu bel-prazer, infringir essas regras ou tentar alterá-las e fazer de conta que nada aconteceu porque, mais cedo ou mais tarde, a própria natureza se revoltará levando o homem à divisão e consequentemente à sua própria destruição.

Pensamos que há uma regra que, na vida humana, é fundamental. É a seguinte: Todos devemos usar as coisas e amar as pessoas. As coisas existem para  que todos nós façamos um uso correcto delas e nunca nos devemos deixar dominar por essas mesmas coisas. O homem é rei e senhor, e tudo aquilo que existe à sua volta, deve ser usado com inteligência para que todas essas coisas sejam postas ao seu serviço e ele sinta que está a crescer manipulando essas mesmas coisas duma forma coerente e racional. Porém, o que acontece quase sempre, é que nós deixamos de usar as coisas e prendemo-nos a elas, somos dominados por elas tornando-nos seus escravos. É o dinheiro, a quinta, a casa ou o automóvel que, a maior parte das vezes, domina as nossas atenções. Vivemos e esforçamo-nos para ter cada vez mais, sacrificamos amizades e criamos muitos problemas de relacionamento com os outros quando estes tentam impedir que o nosso caudal de ganância ou soberba continue a crescer. Esquecemo-nos que o homem vale por aquilo que é, por aquilo que realiza na sua vida em prol dos outros, pela sua dedicação e altruísmo, e não por aquilo que tem ou possui.

A riqueza dum homem quando é interior, quando está dentro de si próprio, podem surgir as maiores calamidades ou desastres, aparecer os mais refinados ladrões, e  nunca conseguirão roubar esta riqueza porque ela é intransmissível e faz parte da essência desse mesmo homem. Além disso, é ainda uma riqueza que aumenta quando a partilhamos com os outros, ao contrário da riqueza exterior e material que podemos perdê-la facilmente. Os jornais, todos os dias, nos relatam assaltos dos mais diversificados géneros, desde o comum roubo por esticão até aos mais recentes às gasolineiras, mas nunca nos informaram que um médico, um cientista ou um professor tenham sido despojados da sua cultura, da sua bondade ou do seu saber. A nossa riqueza interior está lá e não há ninguém, por mais astuto que se mostre, que seja capaz de a violar ou roubar.

Atrás afirmámos que as coisas são para usar e as pessoas para amar. Mas o que acontece frequentemente, infelizmente, é o contrário. Como já referimos, há pessoas que se agarram demasiado às coisas, deixam-se dominar por elas e, como consequência, surge uma tendência negativista que é o querermos usar os outros tentando dominá-los. É o patrão que usa os seus trabalhadores para atingir os seus objectivos lucrativos. É o marido que usa a esposa ou vice-versa. São os pais que, a maior parte das vezes, não respeitam a vocação ou a opção profissional dos filhos obrigando-os a seguir um caminho alheio às suas mais legítimas aspirações, acabando por torná-los infelizes. Um filho nunca deveria ser aquilo que o pai ou a mãe querem mas tão simplesmente realizar a sua vocação e vir a ser o homem profissional que sempre sonhou ser. Os pais apenas poderão sugerir vários caminhos a percorrer e, quando não se sentem capazes, deveriam pedir apoio a um técnico vocacional, mas nunca impor a sua vontade e o seu querer. Um médico que o fosse sem vocação, seria pela sua vida fora um infeliz e os seus doentes, certamente, sofreriam graves consequências por isso. Não basta exercer uma profissão, é preciso gostar dela! É necessário que a pessoas se sinta realizada e feliz exercendo a profissão que foi livremente escolhida por si própria. Seja na medicina ou em qualquer outra profissão, mesmo pedreiro ou canalizador, é preciso ter-se vocação.

Quando nos convencemos de que não podemos usar os outros sejam eles patrão ou operário, marido ou esposa, pais ou filhos, superior ou subordinado, e nos deixarmos dominar por esta máxima de que a pessoa é para amar e não para usar, então teremos a certeza da que haverá no mundo menos gente infeliz porque cada um realizará profissionalmente aquela actividade que livremente escolheu e que sentirá um grande prazer e felicidade ao executá-la.

Nunca esqueçamos que as coisas ou os bens materiais que temos ou possuímos são para os usarmos respeitando as regras da justiça social e da equidade mas, em relação às pessoas, alto lá, temos que respeitar, ajudá-las a crescer e a tornarem-se úteis a si próprias e à sociedade em que estão inseridas.

Esta é a atitude mais nobre do homem e que lhe dá uma verdadeira dimensão humana.

 


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Penafiel - Abril 2000

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