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ENTREVISTA
COM
TENENTE
CORONEL MÁRIO BRANDÃO
Capitão de Abril
Armando Fernandes
Foi
aos 10 anos estudar para o Colégio
Militar em Lisboa, depois fez a Escola do Exército, sob a arma de Infantaria.
Esteve colocado em vários sítios de Portugal, desde Faro, Amadora, Trafaria,
Espinho e Mafra. Fez comissões em África e em Macau. Chegou a Portugal em 1972
e em 1973 foi colocado em Coimbra, no Quartel General, onde fez o 25 de Abril.
Jornal
Arrifana - Foi um homem do 25 de Abril. Quais os motivos que o levaram a
integrar o movimento?
Tenente
Coronel Mário Brandão
- O movimento começou em Junho/Julho de 73, com base num decreto-lei que tinha
sido publicado e não como um movimento. E as razões desse decreto - lei
motivam particularmente em nós que éramos capitães, um sentimento de classe
ou mesmo corporativo. E perante o descontentamento que nós sentíamos,
programamos uma reunião que foi a 1ª grande reunião a 9 de Setembro de 73,
num monte do Alentejo, onde chegamos uma boa parte dos presentes, à conclusão
que o problema não estava naquele decreto-lei mas estaria essencialmente num
problema político que assentava na questão da Guerra Colonial. Dessa reunião
nasce o Movimento dos Capitães, que mais tarde veio a ser o Movimento das Forças
Armadas. A partir daí, houve um grupo de camaradas que foram falar com Marcelo
Caetano para reverem o Decreto. Marcelo Caetano pediu que esperássemos até às
eleições para a Assembleia Nacional a 4 de Novembro / 73 e em parte até
cumpriu. Substituiu o Ministro da Defesa, o General Sá Viana Rebelo pelo Prof.
Silva Cunha. Colocou a Ministro do Exército o General Luiz Cunha e secretário
de estado do Exército um homem por quem nós tínhamos uma consideração
particular que era o Coronel Viana de Leite. Marcelo Caetano cumpriu a parte do
Decreto. O problema não era só do Decreto. A solução só seria encontrada
desde o momento em que o poder político fosse capaz de resolver o problema que
a Guerra não resolvia, que era o problema colonial.
J.A.
- Segundo eu entendo, o 25 de Abril deve-se ao problema colonial.
T.C.M.B.
- Parte essencialmente do problema da guerra. Estávamos já há 12 anos, a
guerra começou em 1961, uma guerra que não tinha qualquer saída de ordem
militar. Lembro que nesse mesmo mês de Setembro de 1973, a Guiné já tinha
declarado a independência, que tinha sido reconhecida praticamente por todos os
países que estavam nas Nações Unidas. Diz-se que o próprio Marcelo Caetano
reconhecia que não havia solução militar. A guerrilha não tem solução
militar.
J.A.
- Foram atingidos os ideais?
T.C.M.B.
- Se me
faz a pergunta passado 25 anos, eu respondo-lhe que não. Mas aquilo que nós
nos propúnhamos fazer de imediato foi uma revolução para poder entregar o
Poder aos Civis. Foi a 1ª vez na
História que um grupo de militares fez uma revolta para devolver o Poder aos
Representantes eleitos pelo Povo.
J.A.
- Os políticos compreenderam o 25 de Abril?
T.C.M.B.
- A classe
política que estava no poder a 24 de Abril de 1974, uma boa parte julgava que
uma questão de virar a casaca seria suficiente para voltar a ser poder.
Na realidade, passado 25 anos, algumas dessas casacas estão no poder e eu, com
tristeza, reconheço isso. Não se deve perseguir ninguém, mas também deve-se
chamar mentiroso a quem mente.
J.A.
- O 25 de Abril foi entendido?
T.C.M.B.
- Foi muito bem entendido pelo Povo português. Nós não sabíamos o que nos
esperava. Eu estava convencido que iria haver grande violência, porque o
inimigo ia aparecer e não apareceu. O grande factor foi a surpresa. O poder político
e o poder militar foi surpreendido por nós. Também tivemos um pouco de sorte,
estivemos a um passo de um banho de sangue. Bastava haver ali meia dúzia de
mortos e não sei o que iria resultar. Quem facilitou o êxito que tivemos foi o
Povo ao vir para a rua. O Povo percebeu muito bem. Os políticos que estavam no
poder foram todos tratados com muita dignidade. Por razões de segurança foram
transportados para a Pontinha, de avião para o Funchal e daí para o Brasil.
J.A.
- Os Capitães de Abril têm sido considerados?
T.C.M.B.
- Não queremos nem merecemos qualquer situação de privilégio. Negávamo-nos
a nós próprios se pedíssemos hoje uma coisa que não queríamos no dia 26. O
que me custa é ver a forma como fomos passados à reforma, sem termos o tempo
de serviço, sem termos pedido. Eu desempenhava funções de Promotor de Justiça
do Tribunal Militar e recebo um papel a dizer que ia ser passado à reforma.
Reclamei, recorri e o poder político, que vai desde o Provedor de Justiça até
à Assembleia da República, nem resposta dão às exposições enviadas por
carta registada com aviso de recepção. Custa ver a forma como o meu camarada
Salgueiro Maia, que já morreu, foi tratado pelo poder. Ele foi um homem que foi
capaz de comandar uma operação daquelas, e nunca mais teve comando de tropas.
E a última vez que esteve colocado foi no Presídio Militar em Santarém como 2º
Comandante. Custa-me ver como o Melo Antunes foi tratado pelo poder. Agora,
depois de mortos, vivam os mortos. Nós sentimos que somos 1 dia por ano
bajulados e 364 dias por ano agredidos. Nós nunca pedimos para sermos generais.
Logo a seguir ao 25 de Abril, o próprio General Spínola quis fazer isso
connosco e nós não autorizamos, só deixamos que graduasse o Otelo, que era
Major, para Brigadeiro. Isto foi mais uma das calúnias que atiraram para cima
de nós. Eu estive no Concelho da Revolução. Toda e qualquer decisão que o
Concelho da Revolução tomasse, tinha que ir a referendo ao Governo. Tudo o que
nós "fabricávamos" no C.R., logo que chegava a referendo ao governo,
este não deixava passar, na altura o governo do Dr. Sá Carneiro. E hoje somos
acusados pelo que fizemos e pelo que não fizemos.
J.A.
- A nível pessoal, foi reconhecido na sua terra como um herói?
T.C.M.B.
- Eu recuso completamente o termo herói. Aprendi muito novo, na Academia
Militar, que o herói era o cobarde que fugia para a frente. Eu só conheço um
herói, é o indivíduo que honestamente vive com o salário mínimo nacional.
Voltando à questão, quando fiz o 25 de Abril, estava no Quartel General em
Coimbra, nunca estive colocado em Penafiel. Por
isso, Penafiel não tinha que ter qualquer gratidão para comigo. No
entanto, no ano passado, para se comemorar os 25 anos do 25 de Abril, a
Assembleia Municipal e a Câmara, por proposta do executivo da Câmara,
atribuiu-me a Medalha de Ouro da Cidade de Penafiel. Não tenho qualquer reparo
a fazer. Em termos da família, concretamente no que diz respeito à minha
mulher, lamento que ela, e só me disse há pouco tempo, fosse atacada por
algumas pessoas que cobardemente quando me encontravam aqui ao fim-de-semana, me
davam palmadas nas costas, na altura em que me encontrava no Conselho da Revolução.
À Adelaide, davam--lhe cabo do juízo, sofreu um bom bocado. Ainda hoje, nunca
lhe perguntei em quem ela vota. As pessoas não sabiam qual era a ideologia que
eu defendia. Não tenho qualquer cartão partidário. Defendo as ideias que
tenho e não tento que os outros tenham as minhas ideias. E é uma cobardia
muito grande, para atacarem as minhas ideias, irem atacar a pessoa de quem eu
gosto e que estou casado à quase 40 anos. Esses ataques chegaram a ser no próprio
serviço, no hospital, por colegas. Era provocada, sabendo ela o que nós estávamos
a passar. Fiz parte da 1ª missão que saíu depois do 25 de Abril. Fomos 5 a
Paris, falar com os emigrantes. Discutimos com o General Spínola, porque nós só
iríamos a Paris no caso de poder dizer aos desertores e aos refratários que
podiam regressar a Portugal. E o General Spínola estava muito renitente nisso.
Só embarcamos com essa autorização, que nos foi dada pelo General Costa
Gomes. Fomos com ameaças de morte, ameaças de raptos para sermos trocados por
Pides. Tivemos que ocupar a Embaixada de Portugal em Paris. Corremos com o
porteiro, um tal Joseph, que era um indivíduo que recebia os emigrantes atiçando-lhes
um cão, um lobo de alsácia, um homem dos SS do tempo do Hitler. Com essas ameaças
de morte e o que passámos no Conselho da Revolução, posteriormente, pior
ainda, tudo isto se vinha a reflectir na Adelaide, que aqui em Penafiel tinha
que suportar os ataques que as pessoas não tinham coragem de me fazer a mim.
Isso custou-me. Mas Penafiel não tem culpa nenhuma, a questão é com algumas
pessoas.
J.A.
- O que pensa dos políticos e da política?
T.C.M.B.
- Eu não quero depreciar os políticos, porque todos nós somos animais políticos.
A diferença é que neste momento os políticos estão em descrédito e eu
receio que o descrédito em que eles estão a cair se venha a transformar num
descrédito da política. E isso leva a que as pessoas aceitem outros a decidir
por elas. Reconheço que a classe política tem feito alguns erros e a mim
custa-me ver profissionais da política, meninos que na altura do 25 de Abril
tinham 18 anos, agora com 40, 50 anos, andarem estes anos todos a viver da política.
As pessoas devem viver para a política, com vista a melhorar a vida de todos.
J.A.
- Mas, pelo contrário, servem-se da política para melhorar a vida deles?
T.C.M.B.
- Reconheço que há alguns. Temos a lei dos dados exteriores de riqueza. Como
é possível pessoas ostentarem uma vida faustosa, se estão na função pública,
são deputados, presidentes, cujo vencimento vem
no Diário da República, e que somados os vencimentos todos não dava
para fazer um terço da casa que têm ou da vida que fazem. São essas pessoas
que deviam ser sancionadas no voto, elas são votadas, eleitas e reeleitas.
Qualquer coisa tem que estar mal.
J.A.
- E o caso do Sr. Tenente Coronel e de outros, que ainda estão para resolver?
T.C.M.B.
- Eu tive
e tenho o cuidado de, em todas as exposições que fiz perante o poder, sempre
ter posto de lado a questão material. Embora eu tenha hoje um vencimento na
reforma, inferior ao que teria se tivesse feito a vida normal, dado esta
"anormalidade " que foi o 25 de Abril, eu não posso, em consciência,
protestar quando vejo o salário mínimo nacional. Se existe o vencimento mínimo
nacional, deveria de haver um vencimento máximo também. Eu nunca pedi nem peço
um tostão de indemnização por respeito àqueles que têm menos do que eu.
J.A.
- Daqui concluo que o 25 de Abril foi deturpado, usaram o 25 de Abril. Era isso
que se pretendia do 25 de Abril?
T.C.M.B.
- O 25 de
Abril vai fazer 26 anos. Não há programaticamente qualquer hipótese de fazer
uma revolução. Bastou nós entregarmos o poder. O Conselho da Revolução não
tinha o poder que dizem que tinha. A entrega do do
poder aos civis ocorreu em menos de
um mês após o 25 de Abril.
J.A.
- Mas constatando as riquezas que se acumulam, desvirtuaram o 25 de Abril?
T.C.M.B.
- No
programa do Movimento das Forças Armadas, há uma frase com importância vital
para aquele programa quando diz:
Descolonizar - Democratizar - Desenvolver. E no desenvolver diz: A favor
das classes mais desfavorecidas. Se passados 25 anos, as classes mais
desfavorecidas continuam, e agora as diferenças até são maiores ainda, aí
então foi. Agora, o 25 de Abril abriu a porta para que se pudesse ir para todos
os caminhos, menos o caminho da ditadura. Eu hoje receio que se esteja a viver
numa ditadura económica e mais ainda, numa ditadura económica que não é
nacional.
J.A.
- Alguém me dizia que temos uma ditadura democrática. Quererá isto dizer que
estamos novamente numa ditadura?
T.C.M.B.
- Há neste momento, que eu conheça, 124 definições de democracia. E a mais
antiga é a do Aristóteles e dizia ele que só devia haver eleições nas forças
armadas porque não eram democráticas. Porque as forças armadas deviam dar a
vida se necessário, e não podiam estar a sortear o chefe. O chefe tem que ser
eleito, escolhido pelos outros. Mas, em contrapartida, os outros lugares seriam
por sorteio. Isto é a forma como o Aristóteles via o poder do Povo, pelo Povo
e para o Povo. Neste momento, a conjuntura internacional com reflexos nacionais,
é uma ditadura económica. Quem tem o poder económico a nível internacional
joga tudo em cima do pequeno desgraçado. O dinheiro tem um poder demasiado. Se
jogarem num indivíduo do pior que há, burro e estúpido e lhe derem 1 milhão
de contos, naquele mesmo dia ele é tratado por Vª. Exª.. Não precisa mais de
andar nas bichas para isto ou para aquilo. E à volta dele, até o levarem à
miséria novamente, são muitos da chamada elite, doutores, engenheiros,
professores, arquitectos, correios, cónegos. Isto é a ditadura económica.
J.A.
- O político utiliza o poder para se governar. A abstenção deve-se ao
desacreditar do sistema. O político sai da política com a sua situação económica
estável. O que pensa sobre isso?
T.C.M.B.
- Eu não posso nem quero concordar que os políticos são assim na
generalidade. Infelizmente há muita gente a fazer isso, mas felizmente ainda há
quem lute contra isso. Nós temos a arma de não os eleger. O problema está aí,
é que nós não queremos ser cidadãos de pleno direito. O Prof. Orlando de
Carvalho era um indivíduo muito consistente nas suas ideias e dizia: "O
direito é antagónico com a justiça".
E eu concordo. O direito é a forma legal de criar instrumentos de uma classe se
favorecer para si mesma. Os nossos tribunais adiam, prescrevem os chamados
colarinhos brancos, ou seja o poder económico pode fazer as trafulhices que
nunca vai parar à cadeia. Eu só começo a acreditar no meu país quando os
indivíduos criminosos que estão no poder forem parar à prisão. Coisa que já
se vê noutros países. Eu tenho que acreditar que ainda hei-de ver um dia em
Portugal, ou os meus filhos e netos, em que o direito e a justiça se aproximem,
em vez de estarem de costas voltadas.
J.A.
- Fazia novamente o 25 de Abril?
T.C.M.B.
- Não tenho a mais pequena dúvida. Eu levo da vida motivos de orgulho. Os dois
motivos são a minha família, mulher, filhos e netos, e o 25 de Abril.
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