CONFISSÕES
Eles comem tudo e não deixam nada
Armando Moreira Fernandes
Revolte-se o povo desta Nação. Os cravos de Abril são
esmagados. Por entre as mãos escorre sangue da gente À espera de quem os
salve.
Abro
a janela, o nevoeiro é denso, vislumbro ao fundo um salvador. Espera, não pode
ser, um homem de branco com cruz ao peito. Descarregam-se armas de camiões,
cruzes na porta. Não pode ser, é nevoeiro, que malícia que estão a
fazer, não vejo nada.
Fecho
a janela. Não, espera.
Pareço
ver lá ao longe uma multidão em desespero. Fábricas fechadas e gente no chão,
espetam agulhas, a multidão sacia no corpo a vontade com a droga. O desemprego
está controlado. Mas vê-se mal, está nevoeiro. Ouve-se o vento a soprar de
longe, mas também um avião. Despenha-se. De seguida um clarão. Vêem-se uns
brilhantes, parece até ser uns greiros de diamantes. Pura ilusão, é nem mais
que uma queda intensa de granizo.
Este
maldito nevoeiro que me atraiçoa e me engana. O homem de branco com a cruz ao
peito. Será Monsenhor Soares da Rocha, com um cinto das calças ao pescoço,
enforcado num pequeno pinheiro?
Não,
são visões, estamos perto de Maio.
É um denso
nevoeiro. Será El-Rei D.Sebastião, ou talvez o poeta a murmurar: "São os
mordomos do universo todo, Senhores à força, mandadores sem lei".
Desaparece
o nevoeiro e uma densa ilusão, será chuva,
será vento, ou outro 25 de Abril.
Que
venha outro 25 de Abril, mas a sério e que acabe com aqueles que o
desvirtuaram.
E
assim desapareçam os que comem tudo e não deixam nada.
Confesso
ver os drogados a pedir justiça ao sistema.
Confesso
que foi uma boa medida para camuflar o desemprego.
Confesso
ver o fim de uma desigualdade tão desigual.
Confesso
ver a falsa caridade com os dias contados.
Confesso
que nunca vi tanta lata...
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