|
|
Carta
aberta ao Papa João Paulo II
Pe. Mário de Oliveira
Amigo, companheiro, irmão,
Desculpa
não te tratar nem por Vossa Santidade, nem por Santo Padre, nem por Sumo Pontífice. São títulos
que têm tudo a ver com os títulos com que os chefes das religiões pagãs do
Império romano, ao tempo em que a Igreja cristã era perseguida, gostavam de
ser tratados pelos seus súbditos. E que, depois, acabaram por entrar,
indevidamente, na Igreja católica, quando esta, oportunistamente, se
transformou de via ou caminho que era (At 9, 2), em religião católica e, logo
depois, em religião oficial do Império romano e, mais tarde, na única religião
desse mesmo Império, com a consequente abolição violenta de todas as outras.
Uma inqualificável traição, bem pior do que aquela que estupidamente temos
atribuído a Judas Iscariotes ( na verdade, não é de Judas, como indivíduo,
que falam os Evangelhos, estes apenas referem o seu nome, mas enquanto
representante e personificação do judaísmo - não dos Judeus! - o sistema
religioso - político do tempo, que não foi capaz de se abrir ao Novo a à Boa
Notícia que é Jesus de Nazaré e, por isso, nem sequer hesitou em matá-lo,
sempre com a ideia de que assim dava glória a Deus!). Prefiro, antes, tratar-te
por Amigo, Companheiro e Irmão, três títulos bem mais humanos e evangélicos,
genuinamente cristãos, que dizem bem da estima e do imenso carinho que nutro
por ti. São títulos que apontam para uma prática que tem tudo a ver com o meu
jeito de ser homem e presbítero da Igreja de Jesus, a mesma na qual tu tens o
difícil e arriscado " ministério de Pedro", e que eu não só
reconheço e aceito, como procuro que seja protagonizado e vivido, na fidelidade
à Ruah ou Espírito de Deus, A qual / O qual, como sabes, se nos revelou
plenamente, não em ti, nem em mim, nem em nenhum outro ser humano, mulher ou
homem, a não ser em Jesus de Nazaré Crucificado / Ressuscitado, por isso
mesmo, o único verdadeiro Cristo, o único verdadeiro Santo, o único
verdadeiro Pastor da Humanidade, o único verdadeiro Salvador do mundo, numa
palavra, o único verdadeiro Homem integral, com quem todos os outros seres
humanos, mulheres e homens, ateus incluídos, havemos de nos parecer / ser.
Ao
tratar-te por Amigo, Companheiro e Irmão, estou a dizer, por outras palavras,
que tens sempre um lugar de eleição na minha vida, na casa onde moro, e na
minha mesa. Basta apareceres, que logo partilharei alegremente contigo do meu pão,
esse pão que ganho, honestamente, através do meu arriscado trabalho de
jornalista profissional ( só assim posso ser presbítero de graça, como tão
veemente recomenda o Evangelho de Mateus, 10, 8 - "Daí de graça o que de
graça recebeste"). Mas não só. Logo partilharei contigo, igualmente, da
minha vida de presbítero na Igreja, em especial do projecto "Evangelizar
os Pobres", que, desde o princípio, me anima e dá sentido ao meu viver
eclesial. É, por causa do qual, não poucas vezes, me vi e vejo, a contragosto,
no desconfortável, mas indispensável, papel de crítico desta mesma Igreja católica
romana, de que sou um dos mais insignificantes membros ( não falta, até, quem
diga que já nem sequer sou igreja, pois, segundo essas vozes, eu próprio me
teria colocado fora da Igreja, à força de tantas vezes aparecer a criticar
certas práticas eclesiásticas de alguns dos nossos mais destacados responsáveis,
entre os quais, também tu estás e o teu predecessor, Paulo VI ).
Bem
sei que, tal como continuam as coisas por aí, na Cúria do Vaticano, será
muito difícil imaginar - e, pior, concretizar - que tu possas um dia entrar-me
pela porta dentro, para nos abraçarmos como amigos, companheiros e irmãos que
somos, ainda que nunca nos tenhamos encontrado, até hoje, cara a cara, nem
sequer tenhamos trocado um simples telefonema, um fax, ou um e-mail. É verdade
que, já por mais de uma vez, te escrevi, em forma de carta aberta. E, bem mais
do que isso, todos os meses te remeto, como oferta, o Jornal Fraternizar, de que
sou director. Nunca, até hoje, me deste qualquer sinal de que estás a
acompanhar a minha caminhada, o que eu, até nem estranho, dado o jeito pouco
evangélico e muito imperialista e monárquico que escolheste para exercer o
ministério de Pedro, em que estás investido, e que, só por isso, te torna
totalmente inacessível e distante do comum dos mortais, que somos todas e todos
nós, católicos e católicas, que andamos cá por baixo pelos caminhos da vida,
sem guarda-costas, sem equipa de médicos sempre à perna, sem quaisquer medidas
de segurança, sem batalhões de jornalistas no nosso encalço, sem janelas
altas de onde falar, todos os domingos, às multidões cá em baixo, sem viatura
blindada à prova de bala, e muitas outras coisas do género, nas quais, como
sabes, é impossível, alguma vez, imaginarmos Jesus de Nazaré, o nosso único
mestre e senhor. Fosse outro o teu jeito de exercer o "ministério de
Pedro", isto é, bem mais evangélico e jesuânico, e certamente já teríamos
conversado, se mais não fosse, por telefone. E como isso seria benéfico para
mim e para ti, membros que somos da mesma Igreja de Jesus, ainda que com
percursos de vida eclesial tão distintos, mas, certamente, complementares!...
Mesmo
assim, não deixo de pensar em ti, de me preocupar fraternalmente contigo, de
acompanhar, espiritualmente, os teus passos, pelo menos, os mais mediatizados. E
sempre alimento grandes expectativas em relação ao teu ministério na Igreja.
Ao mesmo tempo, faço questão de te fazer chegar o meu pensar a propósito.
Sobretudo, quando me parece que esse ministério não está a ser assumido e
exercido por ti como deveria, para que todas e todos nós, católicos, cristãos
e demais homens e mulheres de boa vontade - todos teus irmãos e tuas irmãs -
nos sintamos confirmados, respectivamente, na Fé e no jeito jesuânico de
sermos homem / mulher, hoje e aqui.
É
precisamente por isso que aqui estou, mais uma vez, a escrever. Creio, até, que
já esperarás que o faça, pelo menos, a partir do momento em que anunciaste
que vens, de novo, a Portugal e, particularmente, ao santuário de Fátima, com
o explícito propósito de beatificar, de forma solene e bem mediatizada por
todo o mundo, duas crianças portuguesas, Jacinta e Francisco, de seus nomes,
irmãos de sangue e primos em primeiro grau e vizinhos, porta com porta, de uma
outra, Lúcia, de seu nome, hoje, mulher já na casa dos noventa e tantos anos
de idade, a quem, devido a ter sobrevivido ao terrorismo que foi a bem montada
dramatização da chamadas aparições de Fátima, em 1917, logo a obrigaram a
entrar, sob a identidade falsa, num convento de clausura total, de onde nunca
mais saíu até hoje, numa espécie sacrificial e cruel morte em vida, por
sinal, tanto do ( mau ) gosto das deusas e dos deuses do Paganismo, verdadeiros
vampiros que se alimentam de seres humanos, a começar pelos mais novinhos e
inocentes, e a prosseguir em muitos adultos em anos, que não em consciência
ilustrada e evangelizada, os quais, por isso mesmo, se deixam amedrontar por
esses mesmos deuses e deusas e, sobretudo, pelos seus privilegiados sacerdotes.
Quero
dizer-te que, na minha qualidade de padre da Igreja católica romana, não
acredito nas chamadas aparições de Fátima nem em nenhumas outras,
pretensamente, ocorridas em qualquer outra época e em qualquer outra parte do
mundo. Muito menos, acredito na senhora do rosário de Fátima, uma imagem
fabricada por um santeiro de Braga, numa réplica, bastante tosca, diga-se, das
imagens das antigas deusas do Paganismo, outrora, muito florescente por estas
paragens, e que, ao contrário do que a maior parte da nossa Igreja pensa, ainda
não morreu de todo, até está mais vivo do que nunca, apenas se apresenta sob
o disfarce de todas essas imagens de nossas senhoras (= nossas deusas!), das
quais a da senhora do rosário de Fátima, em Portugal, a da senhora da
Aparecida, no Brasil, e a da senhora de Guadalupe, no México, são, hoje, as
mais procuradas e idolatradas.
Quero,
igualmente, dizer-te que tu, ao acreditares tão piamente nas aparições de Fátima
e na sua senhora cega, surda, muda e sem entranhas de misericórdia, não só não
estás a confirmar na Fé cristã as
tuas irmãs e os teus irmãos (cf. Lc 22, 32 ), como, pelo contrário,
estás a confirmá-los no medo, esse mesmo medo que tanto os faz correr para Fátima
e para outros santuários, onde as antigas deusas do Paganismo continuam a ser
cultuadas / idolatradas, agora, sob o disfarce de Maria, a mãe de Jesus!
(
Ouve cá, meu Irmão: como é que a senhora de Fátima te livrou de morreres no
atentado, mas não te livrou do atentado?; e como é que ela curou a doente Emília
de Portugal, mulher já de certa idade, mas deixou morrer, sem dó nem piedade,
as duas crianças "videntes" de Fátima que tu, todos estes anos
depois, num gesto sem precedentes na História da Igreja, vais agora beatificar,
quando o que deverias era denunciar, com toda a veemência, quer a ilusão e a
mentira de que ambas e a sua prima Lúcia foram vítimas, quer, sobretudo, o
terrorismo católico de certo clero da altura que, criminosamente, as atirou
para a morte antes do tempo?).
Bem
sei que procedes assim, na convicção de que, por esse meio, dás glória a
Deus. Mas toma cuidado, pois podes estar a ser vítima duma certa teologia deísta
e idolátrica em que terás sido
catequizado,
na tua catolicíssima e anti- ateísta e anti-comunista Polónia, e da qual
apesar do ministério em que estás, hoje, investido, podes não te ter
libertado nunca. Na verdade, só uma teologia deísta e idolátrica é que te
pode levar a ver sinais de Deus, lá, onde o Demoníaco, habilmente disfarçado
de deus - Ídolo, está tão activamente presente ( cf. Ap 13, 11-18).
Se,
em lugar de ires por essa teologia, fores pela teologia, aparentemente, ateia e
secular que sempre norteou a prática de Jesus, e que tanto chocou com a
teologia deísta e idolátrica do Templo
de Jerusalém e dos seus sacerdotes, verás que Deus não se manifesta
nos "milagres" ou sinais do céu (cf. Mt 16, 1-4), que só contribuem
para alienar oprimir e amedrontar ainda mais os indivíduos e os povos, mas
apenas lá onde indivíduos e povos se libertam de todas as alienações, de
todas as opressões e de todos os medos - também do medo dos deuses e das
deusas - e ousam assumir, com alegria e de cabeça erguida, a vida nas próprias
mãos. Porque, como nos revela Jesus de Nazaré, Deus, o autêntico e não o Ídolo,
nunca aliena, nem oprime, nem amedronta, só liberta, pois está, misteriosa e
gratuitamente dentro de cada um e de cada uma de nós para fazer de nós
mulheres e homens à sua imagem e semelhança, isto é, criadores, livres,
sujeitos, responsáveis, tão profundamente fraternos / sororais e solidários
como eucarísticos.
Por
isso, te digo, meu Amigo, Companheiro, Irmão: Vem a Fátima, sim, mas para
denunciar o culto idolátrico que lá tem lugar e que tanto dinheiro rende aos
seus gestores; e para anunciar, com a audácia de Jesus de Nazaré, no Templo de
Jerusalém, o seu Evangelho de libertação para a liberdade. Se o fizeres o
mundo estremecerá de comoção e de festa, como num imenso Pentecostes! Se,
pelo contrário fores tu próprio o primeiro a adorar de joelhos a imagem da
deusa ou senhora de Fátima, deixarás uma boa parte do mundo ainda mais
mergulhada no obscurantismo da idolatria. E os donos das multinacionais, a começar
pelos donos da multinacional, que é hoje a senhora de Fátima, ficar-te-ão
eternamente agradecidos!
|