ANO III  Nº 24  MARÇO 2000
Director : Armando Moreira Fernandes

 


 

 

Politicamente incorrecto

Rui Ribeiro da Costa

Em finais de Janeiro, numa conferência de imprensa realizada em Luanda, o Ministro angolano das Finanças, solicitou a Portugal a concessão de um perdão parcial da dívida externa daquele País, que se estima se cifrará numa quantia entre os 200 e os 300 milhões de contos. No fundo, o que o ministro angolano reclama, é o mesmo tratamento privilegiado que no ano passado Portugal concedeu a Moçambique.

O perdão do pagamento das dívidas contraídas por países do Terceiro Mundo tem sido aliás advogado como uma forma politicamente correcta de contribuir para a ajuda ao desenvolvimento e a modernização do tecido produtivo daqueles estados. No que respeita aos PALOP’s tal medida tem sido também defendida por sectores nacionais que, preocupados com o namoro que nações como Moçambique e a Guiné-Bissau, têm vindo a fazer à Comunidade Britânica e à zona de influência do franco, insistem na necessidade de serem tomadas acções concretas que permitam preservar as afinidades histórico-culturais e o legado português naquelas paragens. Eu, muito embore considere pertinentes os pontos de vista dos que sustentam cada uma destas correntes, como duvido muito que elas efectivamente se destinem a promover o desenvolvimento dos que delas beneficiam, sou frontalmente contra a adopção de medidas deste tipo.

Há várias razões que me levam a pensar assim. Em primeiro lugar, e a ordem é aleatória, por uma questão de coerência. É incoerente que o Estado português negociando em Bruxelas até ao último tostão as verbas que através dos quadros comunitários de apoio lhe são destinadas, e de que tanto carece, abra mão de tal quantia. Porque demonstra, ou parece demonstrar, que afinal tem os seus problemas financeiros resolvidos, e que os fundos europeus não são precisos para nada. O que infelizmente, não é verdade.

Em segundo lugar, por uma questão de solidariedade para com muitos milhares de portugueses que depois de uma vida inteira de trabalho em África, onde tanta riqueza produziram, e que poderiam ter continuado a produzir se os tivessem deixado, viram ser-lhes confiscados todos os seus bens, e tiveram de regressar à Metrópole de mãos a abanar. É de um cinismo inaceitável ouvir da boca dos principais responsáveis pelo estado de subdesenvolvimento a que as novas nações africanas chegaram, o pedido de perdão de uma verba ganha com o trabalho de todos nós, e nunca lhes ter ouvido qualquer intenção de ressarcir muitos dos nossos compatriotas dos danos que desnecessariamente lhes causaram, e que um quarto de século após a emancipação das ex-províncias ultramarinas ainda continuam à espera de serem compensados pelo esbulho de que foram vítimas. Pelos vistos, nem o exemplo dos bancos suíços condenados a restituir a totalidade dos depósitos que durante a II Guerra Mundial lhes foram confiados pela comunidade judaica, foi tido na devida linha de conta.

Há a considerar ainda uma terceira motivação, que é de ordem política. A liberdade dos povos tem um preço. E um preço que normalmente se paga caro, e que passa pela responsabilização dos compromissos assumidos. Fazer recair sobre Portugal o ónus de uma factura para a qual ele não contribuiu em nada, é ressuscitar as velhas formas de dominação colonial que, julgo eu, portugueses e angolanos, não estão interessados em reviver. É também dar razão às forças políticas que afirmavam que em 74 as colónias portuguesas não estavam ainda preparadas para a independência. O pedido daquele membro do Governo de Angola deveria assim ser endereçado às Nações que empenhadas em fomentar o clima de guerra fria então vivido, levaram os dirigentes africanos a promover uma política de partido único, sob pretexto da manutenção da unidade nacional, ao arrepio do que ficara consagrado nos acordos de descolonização, e a optarem por soluções económicas sem qualquer enraizamento naquele continente, que conduziram à paralisia e que hoje claramente se reconhece não terem sido as melhores. Obrigar um devedor ao pagamento de um empréstimo, mesmo concedendo-lhe condições especiais e favoráveis para tal, é o melhor meio de garantir a sua boa aplicação, e de lhe restituir a sua dignidade e auto confiança. O contrário disto, é promover uma política de mão estendida que apenas serve para alimentar indefinidamente o seu estatuto de mendicância.

Mas existe uma quarta razão, que mais do que qualquer uma das três já citadas sustenta o meu frontal desacordo. Angola, todos o sabem, apesar da pobreza, da subnutrição, da doença, e de todos os problemas endémicos que enfrenta, aspira a ser uma potência regional. Sempre que a ocasião se lhe apresenta, não perde ensejo em lançar o seu martirizado exército, a braços com uma guerra civil que se eterniza há mais de duas décadas, em conflitos bélicos que nada têm a ver com a defesa da sua integridade territorial. A última aventura militar, que está custando a vida a tantos dos seus jovens, muitos dos quais recrutados à força com 13 e 14 anos, desenrola-se na actual República Democrática do Congo, e destina-se a evitar o derrube de um facínora como Luarenta Cabila. Mas outras acções semelhantes foram desencadeadas nos últimos anos em locais como a Namíbia, o Burundi, e o Ruanda. Nelas o governo angolano despendeu milhões de dólares que poderiam, e deveriam, ser canalizados para melhorar as condições de vida das suas populações, sobre quem mais recai o esforço de guerra. 

Tenho pois, sérias dúvidas de que um hipotético perdão da dívida externa vá alguma vez contribuir para a ajuda ao desenvolvimento. Parece-me que ele serviria ainda mais para alimentar as veleidades imperialistas, e as ambições territoriais do Presidente José Eduardo dos Santos. O que a somar aos casos de corrupção em que a classe política angolana vive mergulhada - estima-se que só a fortuna pessoal do presidente daquele País, obtida por portas travessas, daria para cobrir a dívida a Portugal - me levem nesta matéria a alinhar, pelo campo que mesmo sendo politicamente incorrecto, me parece ser o mais justo. Senhor Ministro Angolano das Finanças: não nos julgue ingénuos. 

Se o dinheiro não vier para Portugal, sabemos que o seu destino será o bolso dos dirigentes do Partido no poder. Por alguma razão, é que os políticos que governam os estados mais pobres do Mundo, são dos homens mais ricos à face da Terra. 

E neste aspecto, a África é um viveiro deles.
 
 

 


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