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Politicamente
incorrecto
Rui Ribeiro da Costa
Em finais de Janeiro, numa conferência
de imprensa realizada em Luanda, o Ministro angolano das Finanças,
solicitou a Portugal a concessão de um perdão parcial da
dívida externa daquele País, que se estima se cifrará
numa quantia entre os 200 e os 300 milhões de contos. No fundo,
o que o ministro angolano reclama, é o mesmo tratamento privilegiado
que no ano passado Portugal concedeu a Moçambique.
O perdão do pagamento das dívidas contraídas por
países do Terceiro Mundo tem sido aliás advogado como uma
forma politicamente correcta de contribuir para a ajuda ao desenvolvimento
e a modernização do tecido produtivo daqueles estados. No
que respeita aos PALOP’s tal medida tem sido também defendida por
sectores nacionais que, preocupados com o namoro que nações
como Moçambique e a Guiné-Bissau, têm vindo a fazer
à Comunidade Britânica e à zona de influência
do franco, insistem na necessidade de serem tomadas acções
concretas que permitam preservar as afinidades histórico-culturais
e o legado português naquelas paragens. Eu, muito embore considere
pertinentes os pontos de vista dos que sustentam cada uma destas correntes,
como duvido muito que elas efectivamente se destinem a promover o desenvolvimento
dos que delas beneficiam, sou frontalmente contra a adopção
de medidas deste tipo.
Há várias razões que me levam a pensar assim. Em
primeiro lugar, e a ordem é aleatória, por uma questão
de coerência. É incoerente que o Estado português negociando
em Bruxelas até ao último tostão as verbas que através
dos quadros comunitários de apoio lhe são destinadas, e de
que tanto carece, abra mão de tal quantia. Porque demonstra, ou
parece demonstrar, que afinal tem os seus problemas financeiros resolvidos,
e que os fundos europeus não são precisos para nada. O que
infelizmente, não é verdade.
Em segundo lugar, por uma questão de solidariedade para com muitos
milhares de portugueses que depois de uma vida inteira de trabalho em África,
onde tanta riqueza produziram, e que poderiam ter continuado a produzir
se os tivessem deixado, viram ser-lhes confiscados todos os seus bens,
e tiveram de regressar à Metrópole de mãos a abanar.
É de um cinismo inaceitável ouvir da boca dos principais
responsáveis pelo estado de subdesenvolvimento a que as novas nações
africanas chegaram, o pedido de perdão de uma verba ganha com o
trabalho de todos nós, e nunca lhes ter ouvido qualquer intenção
de ressarcir muitos dos nossos compatriotas dos danos que desnecessariamente
lhes causaram, e que um quarto de século após a emancipação
das ex-províncias ultramarinas ainda continuam à espera de
serem compensados pelo esbulho de que foram vítimas. Pelos vistos,
nem o exemplo dos bancos suíços condenados a restituir a
totalidade dos depósitos que durante a II Guerra Mundial lhes foram
confiados pela comunidade judaica, foi tido na devida linha de conta.
Há a considerar ainda uma terceira motivação, que
é de ordem política. A liberdade dos povos tem um preço.
E um preço que normalmente se paga caro, e que passa pela responsabilização
dos compromissos assumidos. Fazer recair sobre Portugal o ónus de
uma factura para a qual ele não contribuiu em nada, é ressuscitar
as velhas formas de dominação colonial que, julgo eu, portugueses
e angolanos, não estão interessados em reviver. É
também dar razão às forças políticas
que afirmavam que em 74 as colónias portuguesas não estavam
ainda preparadas para a independência. O pedido daquele membro do
Governo de Angola deveria assim ser endereçado às Nações
que empenhadas em fomentar o clima de guerra fria então vivido,
levaram os dirigentes africanos a promover uma política de partido
único, sob pretexto da manutenção da unidade nacional,
ao arrepio do que ficara consagrado nos acordos de descolonização,
e a optarem por soluções económicas sem qualquer enraizamento
naquele continente, que conduziram à paralisia e que hoje claramente
se reconhece não terem sido as melhores. Obrigar um devedor ao pagamento
de um empréstimo, mesmo concedendo-lhe condições especiais
e favoráveis para tal, é o melhor meio de garantir a sua
boa aplicação, e de lhe restituir a sua dignidade e auto
confiança. O contrário disto, é promover uma política
de mão estendida que apenas serve para alimentar indefinidamente
o seu estatuto de mendicância.
Mas existe uma quarta razão, que mais do que qualquer uma das
três já citadas sustenta o meu frontal desacordo. Angola,
todos o sabem, apesar da pobreza, da subnutrição, da doença,
e de todos os problemas endémicos que enfrenta, aspira a ser uma
potência regional. Sempre que a ocasião se lhe apresenta,
não perde ensejo em lançar o seu martirizado exército,
a braços com uma guerra civil que se eterniza há mais de
duas décadas, em conflitos bélicos que nada têm a ver
com a defesa da sua integridade territorial. A última aventura militar,
que está custando a vida a tantos dos seus jovens, muitos dos quais
recrutados à força com 13 e 14 anos, desenrola-se na actual
República Democrática do Congo, e destina-se a evitar o derrube
de um facínora como Luarenta Cabila. Mas outras acções
semelhantes foram desencadeadas nos últimos anos em locais como
a Namíbia, o Burundi, e o Ruanda. Nelas o governo angolano despendeu
milhões de dólares que poderiam, e deveriam, ser canalizados
para melhorar as condições de vida das suas populações,
sobre quem mais recai o esforço de guerra.
Tenho pois, sérias dúvidas de que um hipotético
perdão da dívida externa vá alguma vez contribuir
para a ajuda ao desenvolvimento. Parece-me que ele serviria ainda mais
para alimentar as veleidades imperialistas, e as ambições
territoriais do Presidente José Eduardo dos Santos. O que a somar
aos casos de corrupção em que a classe política angolana
vive mergulhada - estima-se que só a fortuna pessoal do presidente
daquele País, obtida por portas travessas, daria para cobrir a dívida
a Portugal - me levem nesta matéria a alinhar, pelo campo que mesmo
sendo politicamente incorrecto, me parece ser o mais justo. Senhor Ministro
Angolano das Finanças: não nos julgue ingénuos.
Se o dinheiro não vier para Portugal, sabemos que o seu destino
será o bolso dos dirigentes do Partido no poder. Por alguma razão,
é que os políticos que governam os estados mais pobres do
Mundo, são dos homens mais ricos à face da Terra.
E neste aspecto, a África é um viveiro deles.
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