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Valpedre
O
grande campeão
Fernando José Oliveira
Não sei se este jornal lhe vai
cair nas mãos, mas o que eu sei é que há muito que
lhe devo estas linhas. Estou plenamente
convencido, que com o nosso crescimento físico
e intelectual os nossos ídolos vão sendo renovados. Mas se
esta renovação pode ser feita sem grandes dificuldades, já
esquecê-los é mais difícil. Se me dão licença
vou falar do meu primeiro ídolo, "O Valpedre".
Decorriam os anos 60 e a escola técnica abria pela primeira vez
as suas portas em Penafiel. A nível de ensino, a cidade ficava apetrechada
com o Colégio do Carmo e a nossa Escola Industrial. Ora as olimpíadas
estudantis está fácil de ver que se disputavam entre estes
dois estabelecimentos de ensino, vendo cada um no outro o seu rival ou
adversário como lhe queiram chamar. Evidentemente que os colegas
do Colégio do Carmo já tinham experiência e treino
(dado pelo Sargento Lima ), ou como se diz na gíria traquejo nestas
andanças.
Assim conheciam todas as manhas e truques a aplicar nas várias
modalidades.
Por outro lado, os da Escola Industrial faziam das tripas coração,
para contrariarem toda esta tendência de vitória antecipada.
Para os leitores terem uma ideia dessas dificuldades, vou-lhes relatar
um exemplo: os mais matulões como possuíam mais cabedal,
eram escolhidos para o lançamento daquela esfera de ferro, chamado
peso. Acontece que nem isso existia na escola e o lançamento do
peso era treinado com um paralelepípedo desses das nossas
estradas. O Chico Ramelau (de apelido), natural de Vila Cova, que tinha
força como um burro, lá colocava o paralelo nos queixos e
depois de rodopiar lá o lançava. Só que nestas coisas,
além da força, é preciso jeito para o fazer voar e
isso era coisa que ele não possuía. E por mais apelos que
o Chico fizesse aos seus músculos, mal a esfera saía da sua
mão, parece que a força da gravidade triplicava.
Já perto do final e de a Escola Industrial acumular derrota atrás
de derrota, eis que chega a prova de corta-mato. Aí todos partiam
juntos, mas à chegada claro estava que apenas se via um, sozinho,
isolado sem ninguém. Esse era o nosso herói, o nosso campeão,
o nosso ídolo, "O Valpedre". Entrava no estádio e a malta
toda de pé aplaudia enquanto o nosso amigo de braços no ar
e todo sorrisos, cortava a meta e salvava assim a honra do Convento que
neste caso era da Escola Industrial. Corríamos a abraçá-lo,
enquanto os mais matulões o levavam aos ombros, isso porque nessa
altura a cantilena do " Olé, olá, o Valpedre é o melhor
que há", era desconhecida, senão lá estaríamos
nós a trauteá-la, ou então aquela utilizada pelas
claques desportivas do "Quem não salta é ... (aquela coisa
que não se diz e que todos sabem e ronda o nível abaixo de
raso ). Bem, mas enquanto o Valpedre era a razão do nosso
contentamento, o Sargento Lima de cronómetro enfiado nos dedos,
lá media os minutos e os segundos de atraso que trazia o seu 1º
pupilo, quando chegasse à meta. É que por mais voltas
que ele desse nos treinos, os seus instruendos não tinham
canetas que chegassem aos calcanhares do Valpedre. Claro está que
o grande campeão Valpedre, não saía em letras garrafais
nos jornais, não se via na televisão, nem se ouvia na rádio.
Isto é o que se pode chamar " um ídolo para consumo caseiro
".
Depois da escola fomos à vida. De certeza que o Valpedre
já atingiu algumas metas, embora para tal tenha sentido muitas vezes
o sabor amargo da derrota.
Mas, não o estou a ver a usar o "doping da cunha" , ou do "Partido",
para fintar ou ultrapassar os outros atletas de todos os dias, nem justificar
os infortúnios com o "Sistema", que é uma coisa que não
se vê, mas se sente no dia a dia e aonde cabem todas as injustiças
e desculpas. Nada disso!... O meu ídolo não pode descer tão
baixo, e tal como outrora joga limpo, sempre de cara levantada e
sorriso nos lábios.
Embora o esteja a imaginar agora com uns quilitos a mais na pele, com
os colesteróis e os ácidos úricos a atrapalhar, mais
dia menos dia, temos que fazer o salto em altura para os braços
do Criador.
Mas se Deus quiser, ainda teremos muitos e bons anos para treinar essa
nova modalidade.
Até lá, um abração e um Até Sempre
Campeão.
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