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CINEMA DA BAHIA 19 a 24 de Setembro de 2000, Salvador - Bahia - Brasil |
ARUANDA AOS QUARENTA
(por JO�O BATISTA DE BRITO) |
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E
se a segunda parte, onde se v� o trabalho atual com a cer�mica,
� composta de tomadas realistas, esse realismo se esvanece
no jogo da montagem imposta aos planos que, associada ao acr�scimo
da m�sica, cria todo um ritmo que � muito mais est�tico do que ver�dico.
Por maior que seja o seu valor antropológico, etnográfico, Aruanda é, sim, criação. |
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A Serra do Talhado existe e ainda est� no mesmo lugar, ali�s, revisitada
v�rias vezes pelos envolvidos no filme, por�m, como negar que os personagens
no filme de Linduarte Noronha desfilam na tela diante de nossos olhos
com, um pouco mais ou um pouco menos, a mesma qualidade po�tica que
vemos nos camponeses de Joris Ivens ou nos esquim�s e pescadores de
Flaherty? Quer me parecer que o aspecto eminentemete ideol�gico do Cinema Novo brasileiro, pelo qual o filme de Linduarte Noronha terminou sendo absorvido quando da divulga��o, a n�vel nacional, feita por Glauber Rocha, teria enfatizado, talvez excessivamente, o lado verdade de Aruanda, em detrimento de seu lado, digamos, po�tico. Registrado pela historiografia, e pelos coment�rios cr�ticos subsequentes e dela tribut�rios, foi esse verdadismo que perdurou, e � nesse sentido que aqui proponho uma releitura, um pouco menos referencial e um pouco mais textual. Com isso, passo ao segundo aspecto de Aruanda que me interessa. Noutros pa�ses pode ser diferente, mas no Brasil o s�culo cinematogr�fico se finda de modo melanc�lico. Duvido que algu�m do ramo se d� por satisfeito com o que est� a�. Temos sido v�timas de circunst�ncias desfavor�veis, pol�ticas, econ�micas e de outra ordem, mas o fato � que a cinematografia presente est� a mil l�guas do minimamente aspirado. A sensa��o � bandeiriana: de um cinema que poderia ter sido e que n�o foi. N�o cabe aqui analisar por que n�o foi: para quem acompanha a hist�ria do nosso cinema desde a explos�o incontida do Cinema Novo, a sensa��o � esta, ou pr�ximo disso. Pois leio muito Aruanda nesse vi�s bandeiriano. N�o que lhe atribua incomplei��es ou problemas desse tipo. Pelo contr�rio. Acho que Aruanda � uma pequena obra prima em seu g�nero, com toda a integridade para se tornar, como j� se tornou, monumento. A celebra��o que agora se faz de seus quarenta anos � corol�rio dessa monumentalidade. O que digo � que, por constraste, a sua import�ncia hist�rica pede um futuro que os cinemas paraibano e nacional, n�o tiveram. Em seu livro O Discurso Cinematogr�fico dos Paraibanos, o cr�tico Wills Leal reserva um cap�tulo ao cinema espiritual, aquele que nunca existiu, a n�o ser nos papos de mesa de bar dos jovens intelectuais paraibanos da d�cada de sessenta: projetos e mais projetos que circularam de boca em boca sem nunca tomar corpo. Esse cinema imagin�rio, com certeza, n�o foi s� paraibano: uma por��o enorme do Cinema Novo, a que Aruanda est� t�o ligado, deve ter sido feita s� de conversa de mesa de bar, ou seja, de sonhos. Acho fundamental esse resgate, feito por Leal, porque aponta, por extens�o, para um cinema brasileiro em potencial, que nunca realizamos. No caso do Cinema Novo (como tamb�m do documentarismo paraibano que Aruanda deslanchou) vieram os golpes militares, de 64 e 68, e dez anos depois de inaugurado, ele j� tinha a cara bandeiriana de que fal�vamos. Para mim, pessoalmente e, talvez, um pouco nostalgicamente, Aruanda virou �cone - involunt�rio, � verdade - desse descaminho. Ele faz parte do grande imagin�rio do cinema brasileiro, nas v�rias acep��es da express�o: de sonhos em torno do feito, do por fazer e do nunca feito. Sonhos felizes e infelizes. Nisso ele conteria todas as nossas virtudes e todos os nossos problemas, todas as nossas vit�rias e todas as nossas derrotas. Por isso (tamb�m!) �, em seus quarenta anos, perfeito. |
A
Prop�sito de Bu�uel � o novo e aclamado filme dos documentaristas
Javier Riojo e Jos� Luis Lopez Linares, realizado para comemorar o
centen�rio de nascimento de Luis Bu�uel. Esta produ��o espanhola de
longa-metragem, in�dita no Brasil, ser� uma das grandes atra��es internacionais
da XXVII Jornada Internacional de Cinema da Bahia, que este acontecer�
de 19 a 24 de Setembro. Integrante do programa que a XXVII Jornada
prepara para homenagear o centen�rio de nascimento do genial diretor
de L'Age D'Or, o document�rio A Prop�sito de Bu�uel
reconstr�i, atrav�s de entrevistas e imagens de arquivo, momentos
da vida de Bu�uel, na tentativa de decifrar para o grande p�blico
a enigm�tica personalidade do artista. |
O C I C |
SYLVIE DEBS |
Membro fundadora do CINUS (Cin�ma Universitaire de Strasbourg) onde realizou diversos curta-metragens em 16mm. Crítica de Cinema e Literatura. Preparou uma tese de doutoramento sobre a literatura e o cinema brasileiro na Universit� Le Mirail em Toulousse: La projection d'unhe identit� nationale. Litt�rature et Cin�ma au Br�sil: 1902-1998. Le cas du Nordeste. Critica de Cinema e Literatura brasileira para diversas publicações como Latitudes, Cinemais, Arcalt, Caliban, Quadrant, etc. Sylvie Debs será membro do Juri da XXVII Jornada Internacional de Cinema da Bahia. |
Seus document�rios e curta-metragens de fic��o tem o reconhecimento do p�blico e da cr�tica especializada de Cuba e estrangeira, assim como importantes pr�mios nacionais e internacionais. Filmou na Espanha, Granada, Haiti, Panam�, Etiopia, Mal�, Burkina, Faso, Tanzania e Angola - onde foi tambem correspondente de guerra. Diretor Geral de uma Telenovela da Venezuela, para a Companhia MARTE-TV - Distribu�da por Warner Brothers. Nos Estados Unidos e Porto Rico foi produtor e realizador de um de seus mais not�veis filmes: Yo Soy del Son a la Salsa. Produzido pela Companhia norte- americana R.M.M. Film Works. É membro da Uni�o de Escritores e Artistas de Cuba (UNEAC). Rigoberto Lopez será membro do Juri da XXVII Jornada Internacional de Cinema da Bahia. |
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Diretor cinematogr�fico. Licenciado em Ci�ncias Pol�ticas pela Universidade de Havana. Trabalhou no Departamento de Cinema da Televis�o Cubana. Desde 1971 participa do Instituto Cubano de Arte e da Ind�stria Cinematogr�fica (ICAIC). Um dos mais destacados realizadores do Cinema Cubano. |
ZÉ KÉTI, A IMAGEM E A VOZ DO POVO |
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A
m�sica de Z� K�ti nos confortava nas horas de tristeza e ressonava forte
nos momentos de alegria. Recordo-me como se f�ra hoje, as noites que
varamos na mans�o da Real Grandeza ao som de todo o repert�rio
musical de Z� K�ti, festejando a libera��o pela Justi�a do nosso Rio,
Quarenta Graus, arbitrariamente proibido por um prepotente coronel,
chefe de pol�cia do Rio de Janeiro, ent�o Distrito Federal, naquele
long�nquo ano de 1955.
A conviv�ncia cotidiana com Z� K�ti, sob o mesmo teto, perdurou por aproximadamente tr�s anos. |
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Primeiro, ele s�, no nosso famoso apartamento 1012, atr�s da Pra�a Cruz
Vermelha, na Lapa. Na nossa Rep�blica de rigidez marxista, os afazeres dom�sticos eram democraticamente divididos de acordo com os pendores de cada um. O trabalho culin�rio reca�a em Nelson, eu e Z� K�ti e aos demais o servi�o de limpeza. No dia que Z� K�ti assumia a cozinha era quase certo termos um quitute gostoso, mas , em compensa��o era o terror dos encarregados da limpeza, pois o nosso sambista tinha a capacidade de sujar todas as panelas e at� o teto da cozinha. O Jece Valad�o, que era dado a um comportamento individualista, nestas ocasi�es tentava tirar o corpo fora, para a tarefa ingrata da faxina recair nas costas de outro colega e a�, n�o raro, pintavam brigas hom�ricas, que Nelson com seu jeito conciliador tinha que apaziguar. Apesar de todas as dificuldades e da fome que por vezes passamos, foi um tempo maravilhoso, de muita amizade, desprendimento e aprendizado, que guardo indel�vel na minha mem�ria. Quando terminamos Rio, Quarenta Graus, e nos mudamos para a mans�o de Botafogo, Z� K�ti trouxe a fam�lia (a sua mulher �ndia e a filha). O mesmo fazendo Nelson e H�lio Silva. Tambem foi um per�odo interessante, mas j� t�nhamos que conviver com certas limita��es da vida em fam�lia. Aquela liberdade de solteiro que goz�vamos, morreu, quando deixamos para tr�s o apartamento 1012. Grande foi a participa��o de Z� K�ti em Rio, Quarenta Graus, contudo, infinitamente maior foi a sua presen�a em Rio, Zona Norte. Na realidade, Z� K�ti foi a fonte de toda a inspira��o de Nelson Pereira dos Santos, para construir o roteiro de Rio, Zona Norte. A gesta��o do filme teve in�cio num s�bado, quando pegamos o trem da Central do Brasil, para participar, a convite de Z� K�ti, de um batizado no sub�rbio do Rio, na casa de um seu compadre. Depois deste primeiro pontap�, o roteiro fluiu naturalmente, tendo como fonte inspiradora a pr�pria vida de Z� K�ti, um poeta do povo, ing�nuo e pobre, v�tima da esperteza dos parceiros inescrupulosos. Atrav�s da magistral interpreta��o de Grande Otelo, o p�blico se comove com o drama criado por Nelson, na experi�ncia da viv�ncia de Z� K�ti como compositor popular e este, por sua vez, empresta mais uma vez, o seu talento para musicar o filme Rio, Zona Norte de melodias inesquec�veis. Z� K�ti emprestou ainda a sua colabora��o como m�sico e ator, para v�rios filmes representativos do Cinema Novo Brasileiro produzidos em 1965 como: O Desafio, de Paulo Cesar Saraceni; A Grande Cidade, de Cac� Diegues e A Falecida, de Leon Hirszman. Em fins dos anos 50, com a minha partida para a Europa, perdi um pouco de vista o meu querido amigo Z� K�ti. Contudo, sempre o tinha na minha lembran�a e toda vez que me surgia uma oportunidade para soltar a voz naquelas terras frias, cantando m�sicas brasileiras, o meu repert�rio principal e mais aplaudido eram as can��es de Z� K�ti, sobretudo Malvadeza Dur�o. Um belo dia, da d�cada de 60, atrav�s da imprensa brasileira, que me chegou �s m�os na distante e bela Praga, fui agradavelmente surpreendido com o �xito de Z� K�ti no Grupo Opini�o, onde as suas maravilhosas can��es ajudavam no processo de conscientiza��o e entusiasmo vivido ent�o pela parcela mais bela e solid�ria da sociedade brasileira, do Rio de Janeiro. Jos� Flores de Jesus partiu para sempre em 15 de Novembro de 1999, mas Z� K�ti continua vivo na lembran�a daqueles que tiveram o privil�gio de ser seus amigos. Tambem a sua contribui��o criativa ser� uma perman�ncia constante no cinema, no carnaval e nas can��es que traduzem o sentimento positivo da alma brasileira. |