O HOMEM CONSEGUIRÁ CLONAR O HOMEM?

 

 


Quatro anos depois de os pesquisadores escoceses terem assombrado o mundo, ao anunciar que haviam clonado uma ovelha chamada Dolly, cientistas afirmam que há evidências crescentes de que a criação de animais saudáveis através da clonagem é algo mais difícil do que se havia imaginado.

Segundo eles, os clones produzidos até o momento muitas vezes têm problemas suficientemente graves para fazer com que se pense duas vezes antes de se considerar a clonagem de um ser humano. Esses problemas incluem atraso no desenvolvimento do organismo, defeitos cardíacos, problemas pulmonares e disfunções do sistema imunológico. Em um exemplo, que parece ter saído de uma história de ficção científica, alguns ratos clonados, que pareciam ser inteiramente normais, de repente, ao se tornarem jovens adultos, ficaram grotescamente obesos.

Não é que um fator em particular saia errado, ou que um aspecto específico do desenvolvimento apresente problemas, segundo os cientistas. Ao contrário, de acordo com o depoimento de especialistas proeminentes em clonagem e de biólogos do desenvolvimento orgânico, o processo de clonagem parece criar erros aleatórios na expressão de genes individuais. Esses erros podem gerar um número indeterminado de problemas imprevisíveis, em qualquer estágio da vida.

Antes da estréia de Dolly, em 1997, os cientistas pensavam que os mamíferos não poderiam ser clonados. Mas, atualmente, já foram clonados não só ovelhas, mas também ratos, vacas, porcos e cabras. No caso dos ratos, os pesquisadores chegaram a fazer clones de clones, em uma seqüência que chega a até seis gerações. Dolly, o primeiro clone, atingiu confortavelmente a idade adulta. E dois especialistas em infertilidade anunciaram recentemente que desejam clonar seres humanos.

Os receios iniciais com relação aos clones - por exemplo, a possibilidade de que eles pudessem envelhecer rapidamente ou que viessem a sofrer de câncer - mostraram ser infundados, segundo os cientistas. Mas, conforme os pesquisadores foram acumulando mais experiência na área, e tentaram descobrir porque as tentativas tantas vezes terminam em fracassos, surgiram novas dúvidas sobre a segurança do processo. Menos de 3% de todas as tentativas de clonagem resultam em sucesso.

No processo de clonagem, os cientistas inserem a célula de um organismo adulto em uma célula-ovo que teve o seu material genético removido. A partir daí, o ovo reprograma os genes da célula adulta, de forma que eles se preparem para dirigir o desenvolvimento de um embrião, a seguir de um feto e, depois, de um recém-nascido, que é geneticamente idêntico ao adulto cuja célula foi utilizada para iniciar o processo. Ninguém sabe como a célula-ovo reprograma os genes da célula adulta, mas é aí que, segundo os cientistas, reside a fonte das potenciais calamidades que podem ser causadas pela clonagem.

Segundo eles, o problema parece ser que o óvulo tem que realizar em minutos ou horas uma tarefa que, normalmente, levaria meses ou anos. Durantes os meses que o espermatozóide leva para amadurecer, os seus genes são reprogramados. O mesmo acontece com os óvulos, que, durante anos amadurecem lentamente nos ovários. E essa reprogramação tem que ser perfeita, dizem os cientistas, caso contrário os genes individuais podem gerar problemas para o indivíduo, durante qualquer período do seu desenvolvimento, ou no decorrer da vida.

"No processo de clonagem, exige-se que um óvulo faça a reprogramação em minutos ou, no máximo, em horas", diz Rudolph Jaenisch, professor de biologia do Instituto Whitehead, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. "É aí que reside o problema", diz ele.

Para os cientistas, toda a evidência colhida até o momento indica que o processo de reprogramação, extremamente rápido, durante a clonagem, pode introduzir erros aleatórios no DNA do clone, alterando sutilmente os genes individuais, com conseqüências que podem impedir o desenvolvimento do embrião ou do feto, matando o clone. Ou então as alterações genéticas podem ser fatais logo após o nascimento ou levar a graves problemas médicos no decorrer da vida.

Alguns cientistas sentem calafrios ao pensar no que poderia acontecer, caso seres humanos fossem clonados com a atual tecnologia. Embora a polêmica sobre o aspecto ético da clonagem humana tenha dominado a discussão, esses cientistas dizem que o problema real está na probabilidade de que os clones tenham anomalias genéticas que poderiam ser imediatamente fatais. Ou, então, sutis, mas devastadoras. Segundo eles, até que se resolva esse problema, a clonagem humana estará fora de cogitação.

"Isso seria moralmente indefensável", diz Brigid Hogan, professora de biologia celular do Centro Médico da Universidade Vanderbilt, em Nashville, no Tennessee, e pesquisadora do Instituto Médico Howard Hughes.

"Seria uma atitude apressada e irresponsável", afirma Jaenisch. "O que fazer com seres humanos que nascem com a metade de um rim ou destituídos de um sistema imunológico?", questiona. "E o que dizer da possibilidade real de se gerar uma criança que pareça normal, mas cujos genes, encarregados do desenvolvimento neurológico, não funcionem corretamente?".

Os cientistas afirmam se deparar com fenômenos, que parecem ser problemas genéticos, toda vez que tentam realizar uma clonagem.

Por exemplo, alguns clones de rato ficam obesos. Em certos casos, monstruosamente obesos, ainda que recebam exatamente a mesma quantidade de comida que outros ratos aparentemente idênticos, mas que não são produto de clonagem. Os ratos gordos se desenvolvem bem até uma idade que seria equivalente aos trinta anos de um ser humano. A partir daí o seu peso começa a aumentar velozmente, afirma Ryuzo Yanagimachi, pesquisador da Universidade do Havaí, que foi o primeiro a clonar esses animais, e que tem estudado neles as conseqüências da clonagem.

Os ratos clonados também tendem a apresentar anomalias de desenvolvimento, levando mais tempo para atingir etapas como a abertura dos olhos e a movimentação das orelhas, segundo descobriu Yanagimachi.

Os clones de vacas nascem, muitas vezes, com corações hiperatrofiados ou com pulmões mal desenvolvidos, diz Mark E. Westhusin, especialista em clonagem da Universidade A&M do Texas, em College Station. A própria Dolly, embora aparentemente saudável, ficou gorda e teve que ser separada das outras ovelhas e fazer dieta. Mas é difícil de se interpretar esse episódio, já que é complicado chegar a conclusões sobre a predisposição à obesidade em um animal.

Os efeitos genéticos parecem geralmente ser fatais no início da vida, segundo os pesquisadores. No caso dos bovinos, por exemplo, de 100 tentativas de se criar um clone, geralmente se consegue um único bezerro vivo, diz Westhusin.

Já a clonagem de ratos é mais eficiente, de acordo com Yanagimachi. Mas, mesmo nesse caso, apenas entre 2% e 3% das tentativas resultam em sucesso.

"Os embriões de clones apresentam sérios problemas genéticos e de desenvolvimento", afirma Yanagimachi, que geralmente os elimina antes do nascimento. Logo após o nascimento, diz o pesquisador, mais animais morrem, geralmente devido a problemas pulmonares. Ele afirma que as linhagens puras são bem mais difíceis de serem clonadas do que as híbridas. E isso, segundo ele, faz sentido, já que as linhagens puras apresentam muito menos diversidade genética e, portanto, menos oportunidade de contornar os erros genéticos do que os animas híbridos.

Westhusin diz que, quando pensa sobre aquilo que acontece na clonagem, acha que "é surpreendente que essa técnica chegue a funcionar".

Os cientistas sabem que toda célula do corpo possui os mesmos genes, e, portanto, teoricamente, todas as instruções para fazer uma nova cópia de um indivíduo adulto estão presentes em todas as células. Mas a maior parte dos genes de células adultas, como as células da pele, os neurônios, ou células de fígado, está inativa. É por esse motivo que essas células, que atingiram o seu estágio final de desenvolvimento, nunca mudam. Uma célula da pele não se transforma em uma do coração. Um neurônio não vira uma célula do fígado. E ninguém esperava que uma célula-ovo pudesse reprogramar uma célula adulta, de alguma forma desnudando os genes das suas máscaras químicas.

Jaenisch e Westhusin afirmam que, a partir de experiências preliminares com biologia molecular, eles passaram a ver confirmadas as suas crenças de que a reprogramação poderia resultar em fracassos. Eles estão examinando padrões moleculares de expressão genética em embriões criados pela clonagem, e comparando-os com os padrões criados pela fertilização normal. Até o momento, os resultados são consistentes com a sua hipótese de que a reprogramação pode resultar em erros aleatórios em quase todos os genes.

Mas os cientistas afirmam que todas as espécies são diferentes, e é possível que seja mais fácil e seguro clonar seres humanos do que outras espécies.

Óvulos de ratos são frágeis, segundo Jaenisch, o que pode complicar a tentativa de clonagem. As soluções químicas utilizadas para banhar os embriões de vacas enquanto eles se desenvolvem em laboratório parecem criar uma síndrome de animais grandes, resultando em placentas e animais avolumados, que muitas vezes morrem antes do nascimento. Mas as clínicas de fertilização que fazem a fecundação in-vitro possuem grande experiência em desenvolver embriões humanos no laboratório e aperfeiçoaram o método.

Alguns cientistas, como Richard Rawlins, que dirige o laboratório de fertilização in vitro do Sistema de Saúde Rush, em Chicago, afirmam que é só uma questão de tempo até que alguém anuncie a clonagem de um ser humano. "Na minha opinião", diz Rawlins, "tudo do que se necessita é de tempo, dinheiro e talento".

Para Rawlins, a única questão é saber quem fará primeiro a clonagem. Podem ser os dois especialistas em fertilidade que anunciaram recentemente que desejam clonar um ser humano, Panayiotis Zavos, do Instituto de Andrologia, em Lexington, Kentucky, e Severino Antinori, médico de fertilidade de Roma. Ou pode ser alguém relativamente desconhecido.

Os cientistas acadêmicos dizem que não ousariam pensar em clonar um ser humano no momento. A própria experiência poderia ser tão controversa que faria daqueles que a realizassem verdadeiros párias científicos, na opinião de Alan H. DeCherney, diretor do departamento de obstetrícia e ginecologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles. "Quem fizer isso poderá arruinar a própria carreira", diz ele.

Enquanto isso, o Subcomitê Parlamentar de Investigação sobre Energia e Comércio vai realizar audiências sobre clonagem na próxima quarta-feira, e ouvirá uma lista de indivíduos que inclui especialistas em ética, cientistas, além de Zavos e outros que pretendem clonar seres humanos.

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