GLOBALIZAÇÃO, ONTEM E HOJE
INTRODUÇÃO
A
expressão "globalização" tem sido utilizada mais recentemente num
sentido marcadamente ideológico, no qual assiste-se no mundo inteiro a um
processo de integração econômica sob a égide do neoliberalismo, caraterizado
pelo predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos
mercados, pelas privatizações das empresas estatais, e pelo abandono do estado
de bem-estar social. Esta é uma das razões dos críticos acusarem-na, a
globalização, de ser responsável pela intensificação da exclusão social
(com o aumento do número de pobres e de desempregados) e de provocar crises
econômicas sucessivas, arruinando milhares de poupadores e de pequenos
empreendimentos.
No texto que se segue não será tratado o fenômeno no
sentido ideológico mas sim no seu significado histórico. Será demonstrado que
o processo de globalização ( aqui entendido como integração e interdependência
econômica) remonta suas raizes há muito tempo atrás, no mínimo há 5 séculos,
passando desde então por etapas diversas. Aqui o termo é empregado para fins
específicos de uma síntese histórica, bem distante das manipulações ideológicas
que possam ele sofrer.
AS ECONOMIAS-MUNDO ANTES DAS
DESCOBERTAS
Antes
de ter início a primeira fase da globalização, os Continentes encontravam-se
separados por intransponíveis extensões acidentadas de terra e de águas, de
oceanos e mares, que faziam com que a maioria dos povos e das culturas soubessem
da existência uma das outras apenas por meio de lendas, ou imprecisos e imaginários
relatos de viajantes, como o de Marco Polo. Cada povo vivia isolado dos demais,
cada cultura era auto-suficiente. Nascia, vivia e morria no mesmo lugar, sem
tomar conhecimento da existência dos outros.
Até
o século XV identificamos 5 economias-mundo (é uma expressão de Fernand
Braudel), totalmente autonomas, espalhadas pela Terra e que viviam separadas
entre elas. A primeira delas, a da Europa, era composta pelas cidades
italianas de Gênova, Veneza, Milão e Florença, que mantinham laços
comerciais e financeiros com o Mediterrâneo e o Levante onde possuÍam
importantes feitorias e bairros comerciais. Bem mais ao norte, na França
setentrional, vamos encontrar outra área comercial significativa na região
de Flandres, formada pelas cidades de Lille, Bruges e Antuérpia, vocacionadas
para os negócios com o Mar do Norte. No Mar Báltico entrava-se a Liga de Hansa,
uma cooperativa de mais de 200 cidades mercantes lideradas por Lübeck e
Hamburgo, que mantinham um eixo comercial que ia de Novgorod, na Rússia, até
Londres na Inglaterra.
No sudeste europeu, por então, agoniza o comércio
bizantino (que atuava no mar Egeu e no mar Negro), pressionado pela expansão
dos turcos que terminaram por ocupar a grande cidade em 1453, enquanto
que a Rússia via-se limitada pelos Canatos Mongóis que ocupavam boa parte do
leste do país.
Outra
economia-mundo era formada pela China e regiões tributárias como a península
coreana, a Indochina e a Malásia, e que só se ligava com a Ásia Central e
o Ocidente através da rota da seda. O seu maior dinamismo econômico
encontrava-se nas cidades do sul como Cantão e do leste como Xangai, grande
portos que faziam a função de vasos comunicantes com os arquipélagos do Mar
da China.
A
Índia, por sua vez, graças a sua posição geográfica, traficava num raio
econômico mais amplo. No noroeste, pelo Oceano Índico e pelo Mar Vermelho,
estabelecia relações com mercadores árabes que tinham feitorias em Bombaim
e outros portos da Índia ocidental, enquanto que comerciantes malaios eram
acolhidos do outro lado, em Calcutá. Seu imenso mercado de especiarias e
tecidos finos era afamado, mas só pouca coisa chegava ao Ocidente graças ao
comércio com o Levante. Foi a celebração das suas riquezas que mais atraiu a
cobiça dos aventureiros europeus como o lusitano Vasco da Gama.
Subdividida pelo deserto do Saara numa África árabe ao
Norte, que ocupa uma faixa de terra a beira do Mediterrâneo e Vale do rio Nilo,
com relações comerciais mais ou menos intensas com os portos europeus e, ao
Sul, numa outra África, a África negra, isolada do mundo pelo deserto e
pela floresta tropical, formava um outro planeta econômico totalmente a parte,
voltado para si mesmo.
Por último, mas desconhecida das demais, encontrava-se
aquela formada pelas civilizações pré-colombianas, a Azteca no México, a dos
Maias no Yucatan e no istmo, e a Inca no Peru , organizadas ao redor do cultivo
do milho e na elaboração de tecidos, sendo elas auto-suficientes e sem
interligações entre si, nem terrestres nem oceânicas.
Durante milhares de anos elas desconheceram-se e nem
imaginavam que algum dia poderiam estabelecer relações significativas. Se é
certo que em suas bordas haviam escambo ou comércio, eles eram insignificantes.
Portanto, numa longa perspectiva, pode-se dizer que a internacionalização
do comércio e a aproximação das culturas é um fenômeno recentíssimo,
datando dos últimos cinco séculos, apenas 10% do tempo da história até agora
conhecida.
A PRIMEIRA FASE DA GLOBALIZAÇÃO
(1450-1850)
“Por
mares nunca dantes navegados/...Em perigos e guerra esforçados, mais do que
prometia a força humana/ E entre gente remota edificaram/ Novo reino, que tanto
sublimaram” - Luís de Camões - Os Lusíadas,
Canto I, 1572.
Há,
como em quase tudo que diz respeito à história, grande controvérsia em
estabelecer-se uma periodização para estes cinco séculos de integração
econômica e cultural, que chamamos de globalização, iniciados pela
descoberta de uma rota marítima para as Índias e pelas terras do Novo Mundo.
Frédéric Mauro, por exemplo, prefere separá-lo em dois momentos, um que vai
de 1492 até 1792 (data quando, segundo ele, a Revolução Francesa e a
Revolução Industrial fazem com que a Europa, que liderou o processo inicial da
globalização, voltou-se para resolver suas disputas e rivalidades), só
retomando a expansão depois de 1870, quando amadureceram as novas técnicas
de transporte e navegação como a estrada-de-ferro e o navio à vapor.
No
critério aqui adotado, consideramos que o processo de globalização ou de
economia-mundo capitalista como preferiu Immanuel Wallerstein, nunca se
interrompeu. Se ocorreram momentos de menor intensidade, de contração, ela
nunca chegou a cessar totalmente. De certo modo até as grandes guerras mundiais
de 1914-18 e de 1939-45, e antes delas a Guerra dos 7 anos (de 1756-1763),
provocaram a intensificação da globalização quando adotaram-se macro-estratégias
militares para acossar os adversários, num mundo quase inteiramente
transformado em campo de batalha. Basta recordar que soldados europeus, nas duas
maiores guerras do século 20, lutavam entre si no Oriente Médio e na África,
enquanto que tropas colônias desembarcavam na Europa e marchavam para os campos
de batalha nas planícies francesas enquanto que as marinhas européias,
americanas e japonesas se engalfinhavam em quase todos os mares do mundo.
Assim
sendo, nos definimos pelas seguintes etapas: primeira fase da globalização,
ou primeira globalização, dominada pela expansão mercantilista (de 1450 a
1850) da economia-mundo européia, a segunda fase, ou segunda globalização,
que vai de 1850 a 1950 caracterizada pelo expansionismo industrial-imperialista
e colonialista e, por última, a globalização propriamente dita, ou
globalização recente, acelerada a partir do colapso da URSS e a queda do muro
de Berlim, de 1989 até o presente.
Períodos
da Globalização
|
||
Data |
Período |
Caracterização |
1450-1850 |
Primeira
fase |
Expansionismo
mercantilista |
1850-1950 |
Segunda
fase |
Industrial-imperialista-colonialista |
pós-1989 |
Globalização
recente |
Cibernética-tecnológica-associativa |
A primeira globalização, resultado da procura
de uma rota marítima para as Índias, assegurou o estabelecimento das primeiras
feitorias comerciais européias na Índia, China e Japão, e, principalmente, abriu
aos conquistadores europeus as terras do Novo Mundo. Feitos estes que Adam
Smith, em sua visão eurocêntrica, considerou os maiores em toda a história da
humanidade. Enquanto as especiarias eram embarcadas para os portos de Lisboa
e de Sevilha, de Roterdã e Londres, milhares de imigrantes
iberos, ingleses e holandeses, e, um bem menor número de franceses,
atravessaram o Atlântico para vir ocupar a América. Aqui formaram colônias de
exploração, no sul da América do Norte, no Caribe e no Brasil, baseadas
geralmente num só produto (açúcar, tabaco, café, minério, etc..)
utilizando-se de mão de obra escrava vinda da África ou mesmo indígena; ou
colônias de povoamento, estabelecidas majoritariamente na América do Norte,
baseadas na média propriedade de exploração familiar. Para atender as
primeiras, as colônias de exploração, é que o brutal tráfico negreiro
tornou-se rotina, fazendo com que 11 milhões de africanos (40% deles destinados
ao Brasil) fossem transportados pelo Atlântico para labutar nas lavouras e nas
minas.
Igualmente não se deve omitir que ela promoveu uma
espantosa expropriação das terras indígenas e no sufocamento ou destruição
da sua cultura. Em quase toda a América ocorreu uma catástrofe demográfica,
devido aos maus tratos que a população nativa sofreu e as doenças e epidemias
que os devastram, devido ao contato com os colonizadores europeus.
Nesta
primeira fase estrutura-se um sólido comércio triangular entre a Europa
(fornecedora de manufaturas) África (que vende seus escravos) e América (que
exporta produtos coloniais). A imensa expansão deste mercado favorece os artesãos
e os industriais emergentes da Europa que passam a contar com consumidores num
raio bem mais vasto do que aquele abrigado nas suas cidades, enquanto que a
importação de produtos coloniais faz ampliar as relações inter-européias.
Exemplo disso ocorre com o açúcar cuja produção é confiada aos senhores de
engenho brasileiros, mas que é transportado pelos lusos para os portos
holandeses, onde lá se encarregam do seu refino e distribuição.
Os principais portos europeus, americanos e africanos
desta primeira globalização encontram-se em Lisboa, Sevilha, Cádiz, Londres,
Liverpool, Bristol, Roterdã, Amsterdã, Le Havre, Toulouse, Salvador, Rio de
Janeiro, Lima, Buenos Aires, Vera Cruz, Porto Belo, Havana, São Domingo, Lagos,
Benin, Guiné, Luanda e Cidade do Cabo.
Politicamente, a primeira fase da globalização se fez
quase toda ela sob a égide das monarquias absolutistas que concentram enorme
poder e mobilizam os recursos econômicos, militares e burocráticos, para
manterem e expandirem seus impérios coloniais. Os principais desafios que
enfrentam advinham das rivalidades entre elas, seja pelas disputas dinásticas-territoriais
ou pela posse de novas colônias no além mar, sem esquecer-se do enorme
estragos que os corsários e piratas faziam, especialmente nos séculos 16 e 17,
contra os navios carregados de ouro e prata e produtos coloniais.
A doutrina econômica desta primeira fase foi o
mercantilismo, adotado pela maioria das monarquias européias para estimular o
desenvolvimento da economia dos reinos. Ele compreendia numa complexa legislação
que recorria a medidas protecionistas, incentivos fiscais e doação de monopólios,
para promover a prosperidade geral. A produção e distribuição do comércio
internacional era feita por mercadores privados e por grandes companhias
comerciais (as Cias. inglesas e holandesas das Índias Orientais e Ocidentais)
e, em geral, eram controladas localmente por corporações de ofício.
Todo o
universo econômico destinava-se a um só fim, entesourar, acumular riqueza. O
poder de um reino era aferido pela quantidade de metal precioso (ouro, prata e jóias
preciosas) existente nos cofres reais. Para assegurar seu aumento o estado
exercia um sério controle das importações e do comércio com as colônias,
sobre as quais exerciam o oligopólio bilateral. (*)Esta política levou a que
cada reino europeu terminasse por se transformar num império comercial, tendo
colônias e feitorias espalhadas pelo mundo todo ( os principais impérios
coloniais foram o inglês, o espanhol, o português, o holandês e o francês).
Um dos símbolos desta época, a bolsa de valores de Amberes, consciente do que
representava, tinha como justo lema a frase latina “Ad usum mercatorum
cujusque gentis ac linguae”, que ela servia aos mercadores de todas as línguas
da terra.
(*) o oligopólio bilateral é uma expressão que serve para descrever a
situação de subordinação em que as colônias se encontravam perante as metrópoles.
Além de estarem impedidas de negociarem com outros países, elas eram obrigadas
a adquirir suas necessidades apenas com negociantes e mercadores metropolitanos
bem como somente vender a eles o que produziam, desta forma a metrópole ganhava
ao vender e ao comprar.
A SEGUNDA FASE DA GLOBALIZAÇÃO
(1850-1950)
"Por
meio de sua exploração do mercado mundial ,a burguesia deu um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países...As velhas indústrias
nacionais foram destruídas ou estão-se destruindo-se dia a dia....Em lugar das
antigas necessidades satisfeitas pela produção nacional, encontramos novas
necessidades que querem para a sua satisfação os produtos das regiões mais
longínquas e dos climas os mais diversos. Em lugar do antigo isolamento
local...desenvolvem-se, em todas as direções, um intercâmbio e uma
interdependência universais.." - Karl Marx - Manifesto Comunista, 1848
Os
principais acontecimentos que marcam a transição da primeira fase da globalização
para a segunda dão-se nos campos da técnica e da política. A partir do século
XVIII, a Inglaterra industrializa-se aceleradamente e, depois dela, a França, a
Bélgica, a Alemanha e a Itália. A máquina à vapor é introduzida nos
transportes terrestres (estradas-de-ferro) e marítimos (barcos à vapor) Conseqüentemente
esta nova época será regida pelos interesses da indústria e das finanças,
sua associada e, por vezes amplamenente dominante, e não mais das motivações
dinásticas-mercantís. Será a grande burguesia industrial e bancária, e não
mais os administradores das corporações mercantis e os funcionários reais
quem liderará o processo. Esta interpenetração dos bancos com a indústria,
com tendências ao monopólio ou ao oligopólio, fez com que o economista austríaco
Rudolf Hilferding a denominasse de “O Capital Financeiro” (Das Finanz
kapital, titulo da sua obra publicado em 1910), considerando-a um fenômeno novo
da economia-politica moderna. Lenin definiu-a como a etapa final do capitalismo,
a etapa do imperialismo.
Luta ele - o capital financeiro - pela ampliação dos
mercados e pela obtenção de novas e diversas fontes de matérias primas. A
doutrina econômica em que se baseia é a do capitalismo laissez-faire, um
liberalismo radical inspirado nos fisiocratas franceses e apoiado pelos
economistas ingleses Adam Smith e David Ricardo que advogavam a superação do
Mercantilismo com suas políticas arcaicas. Defendem o livre-cambismo na relações
externas, mas em defesa das suas indústrias internas continuam em geral
protecionistas, como é o caso da política Hamiltoniana nos Estados Unidos e a
da Alemanha Imperial e a do Japão(*).
A
escravidão que havia sido o grande esteio da primeira globalização, tornou-se
um impedimento ao progresso do consumo e, somada à crescente indignação que
ela provoca, termina por ser abolida, primeiro em 1789 e definitivamente em 1848
( no Brasil ela ainda irá sobreviver até 1888). Este segundo momento - segundo
a orientação do que Hobson chamou de “a politica de uma minoria sem escrúpulos”
-, irá se caracterizar pela ocupação teerritorial de certas partes da África
e da Ásia, além de estimular o povoamento das terras semi-desocupadas da Austrália
e da Nova Zelândia.
No campo da política a revolução americana de 1776 e
a francesa de 1789, irão liberar enorme energia fazendo com que a busca da
realização pessoal termine por promover uma grande ascensão social das
massas. Logo depois, como resultado das Guerras Napoleônicas e da generalizada
abolição da servidão e outros impedimentos feudais, milhões de europeus (
calcula-se em 60 milhões num século) abandonam seus lares nacionais e emigram
em massa para os Estados Unidos, Canadá, e para a América do Sul (Brasil,
Argentina, Chile e Uruguai).
A posse
de novas colônias torna-se um ornamento na política das potências ( só a
Grã-Bretanha possui mais de 50, ocupando inclusive áreas antieconômicas
). O cobiçado mercado chinês finalmente é aberto pelo Tratado de Nanquim de
1842 e o Japão também é forçado a abandonar a política de isolamento da época
Tokugawa ao assinar um tratado com os americanos em 1853-4.
Cada uma das potências européias rivaliza-se com as
demais na luta pela hegemonia do mundo, ou como disse John Strachey: “lançaram-se
unanimemente, numa rivalidade feroz...para anexar o resto do mundo”. O
resultado é um acirramento da corrida imperialista e da política belicista que
levará os europeus à duas guerras mundiais, a de 1914-18 e a de 1939-45.
Entrementes outros aspectos técnicos ajudam a globalização: o trem e o
barco à vapor encurtam as distâncias, o telégrafo e , em seguida, o telefone,
aproximam os continentes e os interesses ainda mais. E, principalmente
depois do vôo transatlântico de Charles Lindbergh em 1927, a aviação passa a
ser mais um elemento que permite o mundo tornar-se menor.
Nestes
cem anos da segunda fase da globalização (1850-1950) os antigos impérios dinásticos
desabaram (o
dos Bourbons em 1789 e, definitivamente, em 1830, o dos Habsburgos e dos
Hohenzollers em 1914, o dos Romanov em 1917) Das diversas potências que
existiam em 1914 (O Império britânico, o francês, o alemão, o austro-húngaro,
o italiano, o russo e o turco otomano) só restam depois da 2ª Guerra, as
superpotências: os Estados Unidos e a União Soviética.
Feridas
pelas guerras as metrópoles deram para desabar, obrigando-se a aceitar a
libertação dos povos coloniais que formaram novas nações. Mesmo assim, umas
independentes e outras neocolonizadas, continuaram ligadas ao sistema
internacional. Somam-se, no pós-1945, os países do Terceiro Mundo recém
independente (a Índia é a primeira a obtê-la em 1947) às nações
latino-americanas que conseguiram sua autonomia política entre 1810-25, ainda
no final da primeira fase da globalização. No entanto nem a descolonização
nem as revoluções comunistas, a da Rússia de 1917 e a da China de 1949,
servirão de entrave para que a mais longo prazo o processo de globalização
seja retomado.
(*) Os
países industrializados defendem o livre-cambismo (o preço melhor vence)
quando se sentem fortes, como foi o caso da Inglaterra nos séculos 18 e 19 e
hoje é a posição dominante dos E.U.A. Mas para aqueles que precisam criar sua
própria indústria ou proteger a que está ainda se afirmando, precisam
recorrer à política protecionista com suas elevadas barreiras alfandegárias
para evitar sua quebra.
A
GLOBALIZAÇÃO RECENTE (PÓS-1989)
“O conceito do direito
mundial de cidadania não os protege (os povos) contra a agressão e a guerra,
mas a mútua convivência e proveito os aproxima e une. O espirito comercial,
incompatível com a guerra, se apodera tarde ou cedo dos povos. De todos os
poderes subordinados à força do Estado, é o poder do dinheiro que inspira
mais confiança e por isto os Estados se vêem obrigados - não certamente por
motivos morais- a fomentar a paz...” - I.Kant - A paz perpétua, 1795
No decorrer do século XX três grandes projetos de
liderança da globalização conflitaram-se entre si: o comunista, inaugurado
com a Revolução bolchevique de 1917 e reforçado pela revolução maoista na
China em 1949; o da contra-revolução nazi-fascista que, em grande parte, foi
uma poderosa reação direitista ao projeto comunista, surgido nos anos de 1919,
na Itália e na Alemanha, estendendo-se ao Japão, que foi esmagado no final da
2ª Guerra Mundial, em 1945; e, finalmente, o projeto liberal-capitalista
liderado pelos países anglo-saxãos, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.
Num
primeiro momento ocorreu a aliança entre o liberalismo e o comunismo (em
1941-45) para a auto-defesa e, depois, a destruição do nazi-fascismo. Num
segundo momento os vencedores, os EUA e a URSS, se desentenderam gerando a
guerra fria (1947-1989), onde o liberalismo norte-americano rivalizou-se com o
comunismo soviético numa guerra ideológica mundial e numa competição
armamentista e tecnológica que quase levou a humanidade a uma catástrofe (a
crise dos mísseis de 1962).
Com a
política da glasnost, adotada por Mikhail Gorbachov na URSS desde 1986, a
guerra fria encerrou-se e os Estados Unidos proclamaram-se vencedores. O
momento símbolo disto foi a derrubada do Muro de Berlim ocorrida em novembro de
1989, acompanhada da retirada das tropas soviéticas da Alemanha reunificada e
seguida da dissolução da URSS em 1991. A China comunista, por sua vez, que
desde os anos 70 adotara as reformas visando sua modernização, abriu-se em várias
zonas especiais para a implantação de indústrias multinacionais. A política
de Deng Xiaoping de conciliar o investimento capitalista com o monopólio do
poder do partido comunista, esvaziou o regime do seu conteúdo ideológico
anterior. Desde então só restou hegemônica no moderno sistema mundial a
economia-mundo capitalista, não havendo nenhuma outra barreira a antepor-se à
globalização.
Chegamos desta forma a situação presente onde sobreviveu uma só superpotência mundial: os Estados Unidos. É a única que tem condições operacionais de realizar intervenções militares em qualquer canto do planeta (Kuwait em 1991, Haiti em 1994, Somália em 1996, Bosnia em 1997, etc..). Enquanto na segunda fase da globalização vivia-se na esfera da libra esterlina, agora é a era do dólar, enquanto que o idioma inglês tornou-se a língua universal por excelência. Pode-se até afirmar que a globalização recente nada mais é do que a americanização do mundo.
O
processo produtivo mundial é formado por um conjunto de umas 400/450 grandes
corporações (a maioria delas produtora de automóveis e ligada ao petróleo e
às comunicações) que têm seus investimentos espalhados pelos 5 continentes.
A nacionalidade delas é majoritariamente americana, japonesa, alemã, inglesa,
francesa, suíça, italiana e holandesa. Portanto, pode-se afirmar sem erro que
os países que assumiram o controle da primeira fase da globalização (a de
1450-1850), apesar da descolonização e dos desgastes das duas guerras
mundiais, ainda continuam obtendo os frutos do que conquistaram no passado. A
razão disso é que detêm o monopólio da tecnologia e seus orçamentos,
estatais e privados, dedicam imensas verbas para a ciência pura e aplicada.
Politicamente a globalização recente caracteriza-se
pela crescente adoção de regimes democráticos. Um levantamento indicou que
112 países integrantes da ONU, entre 182, podem ser apontados como seguidores
(ainda que com várias restrições) de práticas democráticas, ou pelo menos,
não são tiranias ou ditaduras. A título de exemplo lembramos que na América
do Sul, na década dos 70, somente a Venezuela e a Colômbia mantinham regimes
civis eleitos. Todos os demais países eram dominados por militares
(personalistas como no Chile, ou corporativos como no Brasil e Argentina).
Enquanto que agora , nos finais dos noventa, não temos nenhuma ditadura na América
do Sul. Neste processo de universalização da democracia as barreiras
discriminatórias ruíram uma a uma (fim da exclusão motivada por sexo, raça,
religião ou ideologia), acompanhado por uma sempre ascendente padronização
cultural e de consumo.
A
ONU que deveria ser o embrião de um governo mundial foi tolhida e paralisada
pelos interesses e vetos das superpotências durante a guerra fria. Em conseqüência
dessa debilidade, formou-se uma espécie de estado-maior informal composto pelos
dirigentes do G-7 (os EUA, a GB, a Alemanha, a França, o Canadá, a Itália e o
Japão), por vezes alargado para dez ou vinte e cinco, cujos encontros freqüentes
têm mais efeitos sobre a política e a economia do mundo em geral do que as
assembléias da ONU.
Enquanto
que no passado os instrumentos da integração foram a caravela, o galeão, o
barco à vela, o barco a vapor e o trem, seguidos do telégrafo e do telefone, a
globalização recente se faz pelos satélites e pelos computadores ligados na
Internet. Se antes ela martirizou africanos e indígenas e explorou a classe
operária fabril, hoje utiliza-se do satélite, do robô e da informática,
abandonando a antiga dependência do braço em favor do cérebro, elevando o
padrão de vida para patamares de saúde, educação e cultura até então
desconhecidos pela humanidade.
O
domínio da tecnologia por um seleto grupo de países ricos, porém, abriu um
fosso com os demais, talvez o mais profundo em toda a história conhecida. Roma,
quando império universal, era superior aos outros povos apenas na arte militar,
na engenharia e no direito. Hoje os países-núcleos da globalização (os
integrantes do G-7), distam, em qualquer campo do conhecimento, anos-luz dos países
do Terceiro Mundo (*).
Ninguém tem a resposta nem a solução para atenuar
este abismo entre os ricos do Norte e os pobres do Sul que só se ampliou. No
entanto, é bom que se reconheça que tais diferenças não resultam de um novo
processo de espoliação como os praticados anteriormente pelo colonialismo e
pelo imperialismo, pois não implicaram numa dominação política, havendo, bem
ao contrário, uma aproximação e busca de intercâmbio e cooperação.
(*) Quanto à exportação de produtos da vanguarda tecnológica
(microeletrônica, computadores, aeroespaciais, equipamento de telecomunicações,
máquinas e robôs, equipamento científico de precisão, medicina e biologia e
químicos orgânicos), Os EUA são responsáveis por 20,7%; a Alemanha por
13,3%; o Japão por 12,6%; o Reino Unido por 6,2%, e a França por 3,0% ,
etc..logo apenas estes 5 países detêm 55,8% da exportação mundial delas.
Imagina-se
que a Globalização, seguindo o seu curso natural, irá enfraquecer cada vez
mais os estados-nacionais surgidos há cinco séculos atrás, ou dar-lhes novas
formas e funções, fazendo com que novas instituições supranacionais
gradativamente os substituam. Com a formação dos mercados regionais ou
intercontinentais (Nafta, Unidade Européia, Comunidade Econômica Independente
[a ex-URSS], o Mercosul e o Japão com os tigres asiáticos), e com a conseqüente
interdependência entre eles, assentam-se as bases para os futuros governos
transnacionais que, provavelmente, servirão como unidades federativas de uma
administração mundial a ser constituída. É bem provável que ao findar o
século 21, talvez até antes, a humanidade conhecerá por fim um governo
universal, atingindo-se assim o sonho dos filósofos estóicos do homem
cosmopolita, aquele que se sentirá em casa em qualquer parte da Terra.
(Material
retirado do site - www.terra.com.br)