REBELO E OUTROS BRASILEIROS

 

 

Alguns nomes da literatura brasileira, antes do modernismo, marcaram o leitor e o escritor Marques Rebelo.

Manuel Antonio de Almeida, com suas Memórias de um sargento de milícias, não pode ser esquecido. Tinha quinze anos quando leu o romance do desafortunado médico carioca, à época em que começou a frequentar os sebos da Rua São José. Lá toparia com o livro: “Foi um alumbramento! e daí por diante a breve e desconhecida vida de Manuel Antonio de Almeida passou a ser uma das minhas apaixonantes preocupações”.

Produto da afeição literária de Rebelo pelo criador de Leonardo Pataca — que o fez peregrinar durante alguns anos pelos arquivos poeirentos da Biblioteca Nacional —, a biografia de Manuel Antonio de Almeida saiu em 1943, editada pelo instituto Nacional do Livro. Escrita, como bem viu Carpeaux, “por espírito congenial”, se transformaria no principal trabalho informativo sobre o escritor carioca oitocentista, segundo Antonio Cândido, “biografia honesta e compreensiva, trazendo belo material iconográfico e bibliográfico”.

Algumas das qualidades que Rebelo via nesse romance “do tempo do Rei”: graça, simplicidade, tom picaresco, “veracidade com que descreve o Rio do tempo do Rei (...) emprego, pela primeira vez em nossas letras, da língua que se falava no Brasil”.  E se, contrariando o gosto da época em que foi lançado, teve pouco sucesso, não deixou de ter várias edições até o Modernismo, que nele reconheceu o “estilete sutil do humorismo”, “o escritor cômico”, as “cenas do mais popular burlesco”, nas palavras de Mário de Andrade.

Raul Pompéia e Lima Barreto, com seus “altos e baixos”, são dois nomes importantes a formação literária de Rebelo. O primeiro, “artista exigente da escrita”, tornou-se “um dos maiores estilistas da Língua Portuguesa”. No criador de Gonzaga de Sá, via “excelentes qualidades de romancista urbano e um dos mais representativos do romance brasileiro”. Com ele, tinha em comum a própria substância de sua ficção: a paisagem carioca, a indignação social, a piedosa compreensão dos humildes.

Outras simpatias de Rebelo na prosa de ficção anterior ao modernismo: Simões Lopes Neto, “contista modelar, figura de realce da literatura regionalista, a que emprestou contribuição da maior valia”. Godofredo Rangel, pré-modernista mineiro, dono de “prosa límpida, enxuta e escorreita”; Carvalho Ramos, também pré-modernista, goiano que “não se limitou ao descritivo da paisagem de sua região, observando-se a preocupação que manifestou em torno dos problemas sociais, pelo destino dos tropeiros e boiadeiros. Sua prosa tem reconhecida categoria literária”.

Na poesia, suas preferências recaíam em Cláudio Manuel da Costa, “sonetista perfeito”, concordanto com João Ribeiro para quem o árcade mineiro “na Literatura Latina só é superado por Petrarca e Camões”. Manifestou admiração por Tomás Antonio Gonzaga, autor dos “belos versos de Marília de Dirceu”.

Entre os românticos, Gonçalves Dias, além do mais significativo poeta de sua escola, é “o primeiro grande poeta nacional”. Os versos de Casimiro de Abreu, cujas Primaveras são “livro realmente importante para a nossa Literatura”, se distinguem “pela meiguice, leveza, às vezes por certa ingenuidade.” Castro Alves, autor de “belos e arrebatados poemas românticos, pôs seus versos a serviço das causas sociais de seu tempo, sobretudo do Abolicionismo”. Apesar dos “acentos eloquentes e exuberantes de sua obra”, que não agradariam ao autor de O espelho partido, não fecha os olhos para a “alta poesia de feição lírica” do autor de Espumas flutuantes. E Luís Gama, que “colocou seus versos a serviço do Abolicionismo, nessa parte ditinguindo-se, como escravo foragido que foi, da poesia social dos poetas burgueses, nem sempre autêntica. Praticou, e bem, a sátira”.

Martins Pena, romântico prenunciador do realismo, é autor de farsas que “encerram larga cópia de vivas observações, que retratam a sociedade de seu tempo e é dos poucos escritores importantes da nossa literatura teatral”. Seu parentesco literário com manuel Antonio de Almeida teria sido, certamente, fator de admiração.

Outros românticos, como Álvares de Azevedo e Fagundes Varela, nunca o seduziram, como não gostava da prosa de José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo de GuimarÆes, Franklin Távora.

Dos parnasianos, tinha predileção especial por Alberto de Oliveira, “poeta altíssimo, severo e fecundo, embebido como nenhum outro pela natureza de nossa terra, autor de alguns dos sonetos mais bem elaborados da Língua Portuguesa, autor de Alma em flor, um dos mais admiráveis poemas de amor das letras luso-brasileiras”. Recohece, no entanto, que “ao buscar a perfeição formal, que cultuou apaixonadamente, como lhe impunha a escola a que se filiara, travou a fluência da emoção poética, dando até a impressão de certa frialdade”.

Mas, em geral, gostava dos parnasianos. Raimundo Corrêa é o “perfeito artesão do verso”, concordando com Manuel Bandeira que nele via “o maior artista do verso que jamais tivemos”. Considera Bilac um “cultor elegante do soneto” e Vicente de Carvalho, autor de “bela obra lírica”.

De gosto eclético, sabia conciliar, na “miscelânea orgânica” de seu espírito, autores aparentemente muito distantes. Não escondeu a grande simpatia por Cruz e Souza, “uma das vozes mais altas da poesia brasileira”, e por Alphonsus de Guimarães, o “doce místico”, cuja obra importante só foi reconhecida depois da morte. “Hoje, amplamente reabilitado, é considerado um dos maiores poetas do Brasil”. Destaca, também, B. Lopes que, “embora tenha ganho notoriedade como integrante da vanguarda simbolista, propriamente não foi um simbolista e sim parnasiano”. Considera-o “figura singular das nossas letras”.

Na prosa ensaística, sua afeição literária começa com Frei Vicente do Salvador, “dono de estilo escorreito, gracioso, agradabilíssimo, o que o eleva a categoria de clássico da Língua Portuguesa no Brasil”. Passa por Matias Aires, “certamente a mais importante contribuição do Brasil Colonial para o patrimônio literário da Metrópole”. Chega, depois, a João Francisco Lisboa, “prosador de boa cepa” e que, “embora contemporâneo dos românticos da primeira fase, revelou-se, todavia, um neoclassicista, de definida vocação humanística”. Capistrano de Abreu é lembrado pela “probidade que impunha a suas pesquisas, valorando os documentos que colhia e analisava com extremado rigor. Emprestou dimensões novas ao levantamento de nossa História, perseguindo os exatos fatores de nossa evolução”. Contemporâneo de Capistrano e de Machado, destaca o crítico e historiador literário José Veríssimo, “dos mais importantes, senão o mais importante, pela isenção e sensibilidade para a aferição dos valores artísticos”.

Perto do modernismo, destaca Rebelo a figura de João Ribeiro, que ele conheceu na Livraria Quaresma, ponto importante de escritores à época de sua adolescência. Sem, no entanto, ousar falar-lhe, observava aquele tipo

 

desleixado e bonachão, alheio à maledicência daquelas conversas de intelectuais, sempre sábia e santamente disposto a perdoar a tolice, a vaidade, a pequenez. Espírito milagrosamente aberto, anos depois, quando a vida começava a lhe fugir, com a inteligência intacta continuara a receber e a aplaudir a contribuição modernista. Nada foi lido por mim, sobre mim, com mais emoção, do que aquelas enxutas linhas no seu Registro Literário sobre Oscarina. Suas críticas eram curtas, mas uma coisa é crítica curta e outra o colunismo literário. Acho que podem coexistir, o que não pode haver é confusão.

 

Na mesma Livraria carioca, conheceu e falou com Agripino Grieco, outro escritor pré-modernista a quem Rebelo se ligaria, “esfuziante de sátira — que deu atenção ao infante e a quem me mantenho fiel”, diria em 1967, próximo dos oitenta anos do velho mestre da ironia.

Entre os portugueses, as grandes simpatias são Camões, Camilo, Antero de Quental, Antonio Nobre, Mário de Sá-Carneiro, Florbela Espanca e Miguel Torga. Admirava também Gil Vicente, D. Francisco Manuel de Melo, Manuel Bernardes, Antonio José, o Judeu, Bocage, Nicolau Tolentino, Ramalho Ortigão, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, Fialho de Almeida, Raul Brandão, Camilo Pessanha, Teixeira de Pascoais, Aquilino Ribeiro, Fidelino de Figueiredo.

Fernando Pessoa, em O espelho partido, aparece muito mal cotado: “... com todos os nomes com que se dividiu, é pouquíssimo”. Já na Antalogia Escolar Portuguesa, é “poeta de expressão universal, tocada às vezes de genialidade”. O mesmo “julgamento recorrível” ocorreu no caso de Eça de Queirós que, se no diário-romanceado aparece como “escritor para a adolescência literária”, na Antologia surge como o “expoente máximo do realismo em Portugal; em seu maior prosador; um dos maiores da Língua”.

MARQUES REBELO
José Carlos Zamboni                                              Ensaio
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