NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra: Um livro para todos e para ninguém. 6º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 328p.
"Nem toda a verdade é boa para todos."
" ... eu não dou esmolas. Não sou bastante pobre para isso."
" Eu vos rogo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas! Envenenadores, são eles, que o saibam ou não."
" Em verdade, um rio imundo, é o homem. E é realmente preciso ser um mar, para absorver, sem sujar-se, um rio imundo."
" O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem - uma corda sobre um abismo. É o perigo de transpô-lo, o perigo de estar a caminho, o perigo de olhar para trás, o perigo de tremer e parar. O que há de grande, no homem, é ser ponte, e não meta: o que pode amar-se, no homem, é ser uma transição e um ocaso."
"Amo aquele que não deseja ter demasiadas virtudes. Uma só virtude é mais virtude do que duas, porque é um nó mais forte ao qual se agarra o destino."
" Já é tempo de o homem estabelecer a sua meta. Já é tempo de o homem plantar a semente da sua mais alta esperança. Seu solo ainda é bastante rico para isso. Mas, algum dia, esse solo estará pobre e esgotado, e nenhuma árvore poderá mais crescer nele."
" ... também eu, noutro tempo, projetei a minha ilusão para além do homem, tal como todos os transmundanos. Mas para além do homem, realmente? Ah, meus irmãos, esse Deus, que eu criava, era obra humana e humana loucura, como todos os deuses! Homem, era ele, e nada mais do que um pobre pedaço de homem e do meu eu; surgia em mim da minha própria cinza e brasa, em verdade, esse fantasma! Não vinha a mim do além!"
"Aquele que está cercado pela chama do ciúme acaba, como o escorpião, voltando contra si mesmo o ferrão envenenado."
DAS TRÊS
METAMORFOSES
(Assim Falou Zaratustra - um livro para todos e para ninguém). 9ª
Edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 43/45
Três metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito
se torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.
Muitos fardos pesados há para o espírito, o espírito forte,
o espírito de suportação, ao qual inere o respeito; cargas
pesadas, as mais pesadas, pede a sua força.
"O que há de pesado?", pergunta o espírito de suportação;
e ajoelha como um camelo e quer ficar bem carregado.
"O que há de mais pesado, ó heróis", pergunta
o espírito de suportação, "para que eu o tome sobre
mim e minha força se alegre?
Não será isto: humilhar-se, para magoar o próprio orgulho?
Fazer brilhar a própria loucura, para escarnecer da própria sabedoria?
Ou será isto: apartar-se da nossa causa, quando ela celebra o seu triunfo?
Subir para altos montes, a fim de tentar o tentador?
Ou será isto: alimentar-se das bolotas e da erva do conhecimento e, por
amor à verdade, padecer fome na alma?
Ou será isto: estar enfermo e mandar embora os consoladores e ligar-se
de amizade aos surdos, que não ouvem nunca o que queremos?
Ou será isto: entrar na água suja, se for a água da verdade,
e não enxotar de si nem as frias rãs nem os ardorosos sapos?
Ou será isto: amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma,
quando ele nos quer assustar?"
Todos esses pesadíssimos fardos toma sobre si o espírito de suportação;
e, tal como o camelo, que marcha carregado para o deserto, marcha ele para o
seu próprio deserto.
Mas, no mais ermo dos desertos, dá-se a segunda metamorfose: ali o espírito
torna-se leão, quer conquistar, como presa, a sua liberdade e ser senhor
em seu próprio deserto.
Procura, ali, o seu derradeiro senhor: quer tornar-se-lhe inimigo, bem como
do seu derradeiro deus, quer lutar para vencer o dragão.
Qual é o grande dragão, ao qual o espírito não quer
mais chamar senhor nem deus? "Tu deves" chama-se o grande dragão.
Mas o espírito do leão diz: "Eu quero".
"Tu deves" barra-lhe o caminho, lançando faíscas de
ouro; animal de escamas, em cada escama resplende, em letras de ouro, "Tu
deves!"
Valores milenários resplendem nessas escamas; e assim fala o mais poderoso
de todos os dragões: "Todo o valor das coisas resplende em mim.
Todo o valor já foi criado e todo o valor criado sou eu. Na verdade,
não deve mais haver nenhum 'Eu quero'!" Assim fala o dragão.
Meus irmãos, para que é preciso o leão, no espírito?
Do que já não dá conta suficiente o animal de carga, suportador
e respeitador?
Criar novos valores - isso também o leão ainda não pode
fazer; mas criar para si a liberdade de novas criações - isso
a pujança do leão pode fazer.
Conseguir o direito de criar novos valores - essa é a mais terrível
conquista para o espírito de suportação e de respeito.
Constitui para ele, na verdade, um ato de rapina e tarefa de animal rapinante.
Como o que há de mais sagrado amava ele, outrora, o "Tu deves";
e, agora, é forçado a encontrar quimera e arbítrio até
no que tinha de mais sagrado, a fim de arrebatar a sua própria liberdade
ao objeto desse amor: para um tal ato de rapina, precisa-se do leão.
Mas dizei, meus irmãos, que poderá ainda fazer uma criança,
que nem sequer pôde o leão? Por que o rapace leão precisa
ainda tornar-se criança?
Inocência, é a criança, e esquecimento; um novo começo,
um jogo, uma roda que gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer
"sim".
Sim, meus irmãos, para o jogo da criança é preciso dizer
um sagrado "sim": o espírito, agora, quer a sua vontade, aquele
que está perdido para o mundo conquista o seu mundo.
Nomeei-vos três metamorfoses do espírito: como o espírito
tornou-se camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.
Assim falou Zaratustra. E achava-se nesse tempo, na cidade chamada A Vaca Pintalgada.