Resgate histórico da atuação de João Carvalhaes como aplicador de testes na
seleção brasileira de futebol
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Vicente Cassepp Borges2

 

 

1958: Depois das derrotas na copa de 1950 para o Uruguai e de 1954 para a Hungria, os jogadores brasileiros foram acusados de jogar sem fibra e de estarem despreparados psicologicamente (Assaf, 2001). Os que mais sofriam com isso eram os negros. Isso motivou a inclusão na comissão técnica de João Carvalhaes, para submeter os atletas a testes para medir “o nível cultural, índices de tensão, reflexos e coordenação motora e níveis de impulsividade e agressividade”. Isso, na época, era tratado como “psicologuês”. Os psicólogos ainda eram reduzidos a “médicos de loucos” (Castro, 1995).
Carvalhaes não era psicólogo, mas um sociólogo licenciado em Psicologia, funcionário da Companhia Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo, que aplicava testes nos candidatos a motorista e cobrador de ônibus e bondes. Em 1954, ele havia aplicado testes nos jogadores do São Paulo Futebol Clube (onde permaneceria por 20 anos) e nos candidatos a árbitros e bandeirinhas da Federação Paulista. É considerado o primeiro psicólogo do esporte no Brasil (Rubio, 2002).


Estes testes foram aplicados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Pelé obteve 68 pontos de um total de 123 possíveis. Apesar de sua grande habilidade motora, ele tinha uma letra “desenhada”. Carvalhaes, apesar de recomendado a não dar opiniões diretas, o classificou com as seguintes palavras: “Pelé é obviamente infantil. Falta-lhe o necessário espírito de luta. É jovem demais para sentir as agressões e reagir com a força adequada. Além disso, não tem o senso de responsabilidade necessário ao espírito de equipe. (...) Não acho aconselhável o seu aproveitamento.” (Castro, 1995). De fato, Pelé tinha 17
anos na época. Porém, é muito importante lembrar que o esporte de hoje está revelando seus atletas cada vez mais cedo, e o fato de pensarem de acordo com a pouca idade em nada interfere no desempenho esportivo.

 

Mas, o caso de maior repercussão ocorreu com Mané Garrincha. Já no preenchimento da ficha, ocupou o campo “profissão” com a palavra “atreta”. Garrincha foi mal em testes como completar figuras pela metade e fazer um desenho para posteriormente dizer ao psicólogo o que significava. Sua inteligência era abaixo da média, instrução primária e grau de agressividade zero (Garrincha, como jogador, além de ter algumas brigas em seu currículo, tinha a característica de driblar os adversários de maneira a provocá-los). Seu escore no teste foi de 38. Para Carvalhaes, ele não poderia nem dirigir um ônibus (Castro, 1995). Por isso queria impedir Garrincha de atuar na copa (Da Costa, 1999).


Na primeira partida, o Brasil contou com apenas um negro (Didi) entre os titulares, mas estes foram ganhando espaço e acabando com o mito de que seriam “vulneráveis” (Assaf, 2001). Garrincha foi o herói da vitória contra a temida U.R.S.S.. Carvalhaes chamou o time para uma seção de testes, pois queria certificar-se de que o grupo estaria em condições de continuar a campanha na copa do mundo. Gilmar, não conseguiu traçar duas linhas paralelas, o que significaria nervosismo. Didi desenhou uma casa e disse que seria o que ele compraria com o dinheiro da copa (o que denotaria um anti-patriotismo). Garrincha desenhou um círculo com uns traços, dizendo ser a cabeça de um outro jogador do Botafogo. Dos onze titulares, apenas Pelé e Milton Santos foram considerados aptos por Carvalhaes, que tinha confiança absoluta no rigor científico de seus testes. Quando o treinador Feola recebeu os resultados, teve o bom senso de ignorar as opiniões de Carvalhaes durante o resto da copa, na qual o Brasil conseguiu o seu primeiro campeonato (Castro, 1995).

 

Na copa de 1962 também foi contratado um psicólogo, Athayde Ribeiro da Silva, mas não aplicou testes e não viajou com a seleção (Castro, 1995; Franco, 2000). Ele aceitou que a característica importante para se estar na seleção brasileira de futebol era saber jogar futebol (Assaf, 2001). Após estes incidentes envolvendo o professor Carvalhaes, a Psicologia do Esporte ficou completamente desacreditada no Brasil. Só começou a timidamente a recuperar o seu prestígio na década de 90 (Da Costa, 1999).

 

Hoje, notamos avanço do conceito de inteligência, classificando-se, pela teoria das inteligência múltiplas de Gardner (1994), Garrincha como um gênio, visto que tinha uma excessiva inteligência corporal, uma vez que, mesmo com suas pernas tortas, conseguia dar dribles desconcertantes que a história do futebol jamais encontrou iguais. Frente a esta situação, me pergunto o que estarão dizendo sobre o processo de avaliação psicológica daqui a cinco décadas. Será que, com o aumento do conhecimento sobre as técnicas utilizadas hoje e incrementação de outras novas, não estariam os psicólogos do futuro nos ridicularizando por utilizar técnicas simples para determinar se uma pessoa pode dirigir ou não um automóvel, por exemplo? Para determinar se uma pessoa pode ou não cursar Psicologia? Entrar em um
submarino? Ingressar em um emprego? Enfim, será que, mesmo com todo o rigor científico, os testes (analisados por psicólogos que possuem qualidades e defeitos que não são padronizados) são instrumentos nos quais podemos ter uma confiança total?

 

Bibliografia:
Castro, R.(1995) Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha. São Paulo, Companhia das Letras
Da Costa, M. P. (1999) Psicólogo? Pra Quê? Artigo retirado no dia 1/08/02 da World Wide Web http://www.ceppe.com.br/cronicas/psic_praq.htm
Franco, G. S. Psicologia do Esporte. Artigo retirado no dia 1/08/02 da World Wide Web http://usc.stcecilia.br/~psicologiadoesporte/
Gardner, H. (1994) Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre, Artes médicas.
Rubio, K.(2002) Origens e Evolução da Psicologia do Esporte no Brasil. Artigo retirado no dia 1/08/02 da World Wide Web http://www.ub.es/geocrit/b3w-373.htm
Assaf, R (2001). Tetra enterrou tese do 'vulnerável' Retirado no dia 5/08/2002 da World Wide Web http://www.jbonline.terra.com.br/jb/papel/esportes/2001/06/13/joresp20010613007.html

 

 

Notas

1 - Artigo publicado no site Instituinte em 15 de novembro de 2002.

2 - Acadêmico de Psicologia, 5º Semestre. Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Fone: (51) 33443252. Site Pessoal: http://www.vicentepsico.hpg.com.br E-mail: [email protected]


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